quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Pego-me, ao pé desta janela, em este tempo e constante,

Pego-me, ao pé desta janela, em este tempo e constante,  A imaginar se uma de vós, crianças do futuro, será, como eu fui e tenho sido, a cisão da ordem natural das coisas, fratura exposta no tempo e no espaço, Na busca constante por sentido e razão.


Caso seja, minha alma extemporânea, 

Que isto te acalme, se possível for, pois ao pé desta janela de hoje, penso nas noites de insônia de Campos e nos homens modernos, 

De dores modernas, e vejo tanto de mim.


Se foram cem anos daqueles de Orpheu, e logo cem anos dos tais de Presença,

E o que sinto e escrevo diz do tempo de agora,

Do vazio que sentem os meus companheiros, que atravessam calados, os que escolhem calar, 

Uns poucos que sentam, distantes, em bares e sentem calor no reconhecimento mútuo, no compartilhamento, mesmo que superficial, de propostas para assuntos que a fundo não entendem

(E quando entendem, o que é que podem fazer?)

Nas noites vazias, sentem prazer em coisas igualmente vazias, dispostos frente a frente em outra discussão qualquer.


Como quem diz, pega-me outra, estende as mãos ao ar,

Meu companheiro mais leal em tantas velhas madrugadas,

Ao soar do abrir das latas, eu me perco em outro sonho

Do passado mais marcante que tivemos e se foi

Quanto mais se foi também? Quanto mais irá passar?

Quanto disso tudo podemos guardar ao longo dos anos? 


Quantas memórias tão doces e tenras, serão esquecidas, e, por isso, talvez ainda mais doces e tenras, sabendo, no agora, que possas perdê-las em breve, de vez.

As lágrimas que seco na manga de meu paletó, desafogam consigo sentimentos que não são

Originalmente meus, mas são, diante da medida das coisas que sinto, reais.

Reais, como todas as coisas em mim também são.

Reais, muito mais reais do que do que o mundo que me cerca e se pinta de progresso, por sob a face pobre e cinza.


Mas tu, criança do futuro, tu ainda nem nascestes,

Tu ainda nem vivestes o que o mundo lhe reserva,

E guardo a ti um voto de que seja bem melhor

Do que, aqui em minha época, o universo me relega. 


As coisas que nutro, sem nem mesmo considerar que tenho nutrido e colherei, seja lá como for 

<<Afinal, o que destino não cobra em suas curvas e a gravidade não pesa em suas quedas, a consciência toma-lhe em prazer>>

Os momentos de solidão que se alongam durante os dias, 

As conversas que se tornam mais rasas em detrimento desse abismo em mim, que sempre se aprofunda, e me faz perder o jeito… 

Constantemente perder a compostura e lançar tudo pros ares, Atear fogo nessa ideia do que sou, mas que só me dura sempre um tempo, Sempre um mesmo, e intenso, tempo.

Só dura sempre um mesmo tempo, porque ateio fogo quando me canso de mim.

E eu sei que escolho isso, sim, e em certa medida escolho porque isso me estimula e me conecta com esse sentimento, que tu, criança do futuro, sentirás quando me ler.  


Sim, quero mais é que esse turbilhão se adense e que a tempestade caia desmedida,

Se tiver que ser,

Quero desviar-me um pouco mais a cada noite do objetivo central, pra perceber sua forma completa, pra sentir tudo e de todas as formas.

Quero a estrada mais longa, de chão batido, que levanta poeira quando corro,

E ainda assim, vou correr.

Eu vou sim, sei que vou correr,

Sei que vou ter pressa as vezes e esquecer que tenho um plano,

Perder-me na neblina do tempo,

Na bruma do sonho,

Na poeira da estrada,

No simbolismo de tudo isso

E em coisas que só se passam em mim, e por isso indescritíveis.


Mas que tu entenderás.


O que tu ainda não entendes, e nem pode (e eu também não entendia antes), é que essas coisas tem que se passar imersas em nós mesmos.

Nenhuma dor pode tomar conta do que tu és, criança,

Nenhuma angústia tem o poder de fazer-lhe menor,

Portanto não diminua-se em tua autocomiseração,

Que prometo deixar-lhe apenas palavras boas.


Deste meu tempo ficará apenas a ideia da janela sob a vida, mas a janela e a vida haverão de se perder nesta curva do tempo,

Que teima em tirar de vista aquilo que ousamos construir com nossas mãos.


Quando o tempo agir, tu também perguntarás se tudo aquilo que fizestes e sonhastes valeu a pena

<<E, afinal, tudo vale a pena, se a alma não é pequena>>,

Enquanto eu, de meu descanso eterno, renderei-lhe um sorriso e um chacoalhar de ombros, como quem diz:

“Que é que sei, doce criança?

Se como tu, também vivi, amei, estudei, e até cri, e ainda assim perdi-me em tanta inveja e desatino. fica em paz consigo, que não há resposta alguma na criação que possa lhe trazer a paz que tu desejas” 


Tu também se pegarás ao pé de coisas como janelas, a pensar em versos como estes e em homens, que por sua vez serão como os meus poetas modernos, que tencionam moldar-lhe a mente e os modos. Mas sê apenas como tu és,

Assim como eu,

Fui e tenho sido


Ao pé desta janela de agora,

Pensando na paz que ainda não posso ter.




segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Solta o peso de teus ombros, meu amigo

 Ao Amigo Matheus Oliveira


Solta o peso de teus ombros, meu amigo, 

Dói, eu sei que dói, sei que ainda vai doer,

E que por incontáveis noites tu se perderás

Um pouco.


Sei que teu silêncio só diz sobre saudade,

Que quando te emudeces é porque calas o choro,

E os francos companheiros que te cercam

Compadecem-se da mágoa que guardas 

Aí dentro.


E vai doer em todos nós quando doer demais em ti,

Serás bem mais difícil se te fechas novamente,

O muro que edificas não te protege de nada,

Só te fechas em si mesmo, em tua própria insegurança,

A espiar os inimigos de tua imaginação.


Resguarda-te em teu ritmo e teu passo em tua estrada,

Que a vida nunca vai te permitir tomar atalhos,

E sente a dor, como tens proposto-te sentir tudo,

Sente a dor, porque tu mereces senti-la, 

E ela é só sua, de mais ninguém.


E que do dia mais difícil se faça o verso mais belo,

Que a noite mais solitária se aqueça com teu canto,

A dor é tua amiga, se planejas crescer, 

E se te ressentires dela, te verás preso
Em luto eterno.

Não há porque fugir daquilo que é sincero,

E se te sentes triste

É porque tens que sentir.


Mas não negue ao amanhã a chance da mudança,

Nem perca a esperança, se te sentes a vontade,

Só não faz da tua tristeza uma outra história trágica,

Porque isso não combina com o que almejas ser.


Sei que é do teu feitio a tristeza desmedida,

Mas se tu sente-se grato, apega-se a isso,

Apega-se a luz que se iluminou,

Mesmo que distante,

E nunca à escuridão que já ficou pra trás.


sábado, 5 de dezembro de 2020

Composição

Brilham, em silêncio, os astros mais distantes
Nesta noite clara, como as que passei contigo,
Ardem dez mil sóis, que não aquecem como antes,
Toda a luz que havia, você levou consigo.

Poderia escrever-lhe, em esta noite, tristes versos,
Sobre como o peito inquieto vem sofrendo de saudade,
E, em lírica imprecisa, condensar meus controversos
Pensamentos, que desabam em mim, feito tempestade.

Mas não vou render suspiros ao que não aconteceu,
Nem carregar, por próprio impulso, a culpa solitária,
Se me perguntarem, afirmo que meu coração é teu,
E que tudo que se passa é só mudança temporária.

Pois minha alma não contenta-se em havê-la perdido,
Em noites como esta, que amávamo-nos com vontade,
Todas as coisas belas são muito mais belas contigo
Quando estou ao teu lado, componho-me em felicidade.

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Efêmero Encanto

Dizem que tudo que sinto
Escapa-me com facilidade
E sei que, no fundo, é verdade,
De certa maneira consinto.

Por saber que assim sou
Me agarro aos amores intensos,
Tecendo mil planos extensos...
Quando percebo passou.

De cada amor resta a lembrança
Do corpo que dormia ao lado,
Como um retrato inacabado
Que dura ao tempo e a intemperança.

Por esse motivo que canto
Pra dar justiça ao coração
E eternizar a sensação
Do mais efêmero encanto.

domingo, 22 de novembro de 2020

Coisas que faço, pois vivo, que faço pra poder viver.

Estas coisas que faço, nas quais gasto meu tempo,

Sem qualquer traço de paixão ou de intento,

As coisas que faço, já nem tocam meu coração,

Mas faço, como se não me restasse nenhuma opção.


As coisas que faço, nem queria fazer,

Faço-as, enquanto o sol segue seu curso,

Faço-as, sem crer em retorno ou recurso,

Sigo fazendo-as enquanto viver.


E, afinal, faço-as sem propósito ou questionamento,

Como se a condição imposta fosse imposta, de fato, 

E detenho o protesto que minha alma ainda pensa em fazer.

São coisas que faço, criadas na inércia do tempo, 

Que nunca me dizem nada, nada de imediato, 

Coisas que faço, pois vivo, que faço pra poder viver. 

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Resiliência

Até poderia ser pela falta de sorte, 

A falta de uma chance, pela falta de aviso,

Por faltarem contigo, e que pouco isso importe,

Mas no fundo tu sabes: não é nada disso.


Poderia até culpar o mundo, que sequer se pensa,

Mas tu que se pensa e se sente, não se culpa e se ressente...

Se não dormes o sono dos justos, então de nada compensa,

Mordido em silêncio profundo, de quem cala e consente. 


Poderia até ser pela indústria que massacra o autor,

Pela sociedade que oprime teus companheiros,

Ou pelo carma do que fizestes, também. 

Por aquilo que escolhestes, seja lá o que for, 

Ou o que não escolhestes, de modos grosseiros,

Mas é a tal da resiliência, que você não tem.

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Guarda-me

Guarde-me dentro de teu peito, amada minha, 

Guarda-me inteiro em seu sonho mais bonito, 

Se não restam esperanças, eu ainda acredito, 

Guarda-me contigo e nunca estarás sozinha. 


Guarda-me, assim, nas lembranças mais ternas, 

Guarda-me, enfim, como o que restou 

Do amor mais sincero, que o tempo tomou, 

Bem antes do tempo das juras eternas. 


Guarda meus olhos, meus beijos, minha voz 

A memória mais quente da vida que negas, 

E o caminho de volta, pra quando quiseres. 


Guarda-me, agora, que o tempo é feroz, 

Preserva este tolo, que ao teus pés se entrega, 

E, mesmo que louco, ainda te queres.

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Devolvo à natureza um sorriso tímido

Devolvo à natureza um sorriso tímido

A cada manhã que acordo, mesmo que barulhenta

<< Às vezes, preferivelmente barulhenta>>

Por sentir-me parte de algo maior,

Por respirar tão fundo, calmamente enchendo o corpo de oxigênio,

E desprender-me, etérea, das preocupações mundanas.


Percebo a vida como troca,

Em que nem sempre sabemos quando receberemos nossa parte.

Sigo doando-me inteira, sem pensar na medida das coisas que entrego,

E recebo o silêncio com a calma resoluta de quem respira fundo.


A fluidez de meu pensamento não pode fazer-me mal,

A partir dela desfaço-me em tudo, reúno-me em nada,

Choco-me às ondas, 

Balanço na alta das marés, 

Corro com as correntes,

Esvazio-me na lua cheia, só pra preencher-me quando ela é nova,

E tudo em mim é novo, impossivelmente novo,

Mas concreto e real, como sou,

E basta-me ser.


Às vezes as nuvens fecham-se e o dia me oprime,

Mas toda tempestade lava a alma.

Como a água, minha liberdade é adaptação,

E rendo ao mundo o que há de melhor em minhas formas.


Se a chuva cai forte, penso na força da terra, 

que aguenta, serena, toda carga sobre ela jogada.

Se a chuva cai mansa, a terra renova-se em vida

E os ares sopram pro novo,

Eu apenas respiro fundo

E durmo tranquila sob a chuva que bate nas telhas.


Se o dia amanhece cinzento, o sol tem todas as cores

E eu posso tê-las também,

Tudo que preciso segue comigo.

Guardo ao peito a calma que emprego nos versos que fico,

Nem penso ainda nos versos que vêm.

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Cometa

Posto que sou chama, digo que queimo frio,

Já não aqueço mais aos que procuram meu abrigo,

Tremulo ao vento gélido da ventana semiaberta,

Semiaberta como eu, fui e tenho sido.


Posto que sou rocha, digo-me oco por dentro,

Já não sustento mais os alicerces desta vida,

Duro por fora e por dentro, pra guardar não sei o que,

Erodindo, solitário, às camadas de influência.


Posto ser o que me mostro, digo que não valho a pena,

Pois me mostro intermitente, como um surto de minha alma,

Com o intento de frisar que sou eu sempre capaz,

Capaz de decorar a minha fala e movimento.


Posto que sou nada disso, devo ser coisa nenhuma,

Devo ser como um cometa, passo pra deixar registro,

Então adentro a noite extensa, o universo e o vazio,

Para todos que ficaram morro no esquecimento.


terça-feira, 27 de outubro de 2020

Espelho

Maldizes o tempo, maldizes, simplório,

A todos aqueles que há tanto partiram,

Maldizes gastando este seu repertório

De fases e crises que mal existiram.


Maldizes a sorte, o destino e a esperança,

E a gente que dança sabendo dançar, 

O presente, o futuro e a lembrança

Dos dias que ainda querias tentar.


Maldizes o amor, conturbado e confuso,

Como quem cai na armadilha por livre vontade,

E então evade, difuso, 

Por versos de sonho e saudade.


Maldizes a tudo, é o que lhe restou,

Só assim justifica essa tua inépcia de perdoar.

Maldizes a tudo, inclusive a ti mesmo,

Pra ver se alguém vem te resgatar.

sábado, 24 de outubro de 2020

Já não somos os mesmos, certamente,

Já não somos os mesmos, certamente,

Hoje carregamos o fardo
Da consciência que emana de nossa responsabilidade sob os atos,
Estas coisas que temos evitado, diariamente,
Nos olhares atravessados por sobre as xícaras,
Em talheres despejados com desajeito incomum,
No súbito silêncio que lhe recepciona em eventos de família,
E o desinteresse porcamente disfarçado em um convite falso
Ao qual esperam que não compareças.
As fraturas vão tomando o vidro do porta-retrato
E as nossas distâncias, agora tão visíveis,
Dispostas bem na mesa de entrada, junto às chaves 
E aos retratos deste passado,
O tempo ao qual rendemos suspiros 
E não foi real.

Quisera acreditar na mesma ilusão que vós,
E não perder a voz, silenciando novamente as verdades
Que ninguém espera ouvir,
Enquanto recebo em meus braços o corpo que hesita,
Por não saber se é sincera a minha entrega,
Se o momento é belo ou só constrangedor.
Ah, mas se fosse sincero, se qualquer coisa em mim fosse sincera,
Senão as palavras que desabam nesses momentos,
Que é que seríamos?
A fagulha prestes a explodir.

Anuviei a vida, me tornei tempestuoso,
Qualquer hora precipito tudo pra fora de mim.

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Senti o frio, o abraço vago que a morte oferecia,

Senti o frio, o abraço vago que a morte oferecia
No horror da noite, vi na sombra do passado
A ilusão do amor jamais vivido antes
Do sonho terno que teu corpo me propõe.

Súbito cessaram as máquinas, a obra poética,
Os planos herdados de apreço e desilusão,
O indulto dos mortos e o ardil dos Deuses,
A vida que tua luz não iluminava e que a mim foi tudo.

Pois o amor, enquanto arte, é um sonho quente,
Como uma valsa que repete noite a noite, 
Mas não aquece e nem renova o coração.

Somente tu é que acende o que não queima,
Só teu beijo recompõe minha vontade,
Só a ti amo, como nunca amei ninguém.


 

terça-feira, 8 de setembro de 2020

Isolamento

O passo derradeiro em retrocesso ao teu caminho
Nunca te fará compreender a imensidão.
Não confundas sonho com desejo e com destino,
A miragem é sempre bela, mas é só uma ilusão.

Afasta-te de tudo, mas não fujas de si próprio,
Tecendo o plano próximo, incitando frustração.
Há cores e valores que não são pros nossos olhos,
O abismo traz resposta, mas impõe a solidão.

Contemple esta fratura, mas escolha bem teu lado,
Ou teus contemporâneos ou o mundo ainda por vir,
Ainda não é o tempo do poeta de seu tempo...

A tinta seca destes versos traz consigo meu passado
E a torpe sensação de que jamais vou conseguir
Romper com a tradição, a mágoa e o isolamento.



sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Amigo, perdestes o rumo

Amigo, perdestes o rumo,
Já não podes prender-se ao chão,
Travaste as batalhas erradas
À ordem de um sonho
Que nunca foi teu.

A porta batida detrás, jamais
Tornará a se abrir,
Enquanto tu fechas o invólucro
E decreta o recesso da luta
À sombra de tua soberba.

Tu sonhas, amigo, eu sei,
Vislumbra jardins e fontes gloriosas,
O reencontro catártico
O perdão transcendental
Que tua metafísica aponta como saída.

Mas teus pés pisam em falso
E tuas forças emanam do equívoco.
És todo remorso e já não sabes
Ser capaz, já não tentas ser correto,
Já não pode se importar.

Cantas a solitude egoísta da noite
E repousas oculto pelas manhãs.
Teus olhos tencionam a indiferença,
Mas traem-se na dor da cobiça
Enquanto atravessas a sala apressado.

Sorri, dividido, sem dentes expostos
Ostentando a máscara do que tu não és.
Tua alma cansada não podes mentir:
És refém de si mesmo, amigo, pois segues
Sonhando com a vida que perdes sonhando.

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Banimento

Doce senhorita, perdoa o mal que lhe causei, 
Perdoa os versos doces que não tomaram vida,
A marca da memória e o vazio que criei,
Perdoa, pois a nós só resta a despedida.

Nada em ti grita por mim, mas ainda assim te escuto,
Tenho velado à distância o teu frágil coração
E posso garantir que tu reténs minha atenção...
Me calo, pois eu sei que fui embora resoluto.

Teu coração reside ainda em teu peito, senhorita
Cansado e desiludido, mas ainda resta amor
Saibas que o intento estava em cada frase escrita,
O intento mais sincero era amar-te com fervor.

Já não há feitiço e encanto, foi-se o meu magnetismo...
Tudo que escrevi a ti seguirá sempre sendo teu,
A marca desse amor que nunca aconteceu,
Mas que de alguma forma ainda deixa saudosismo.

terça-feira, 14 de julho de 2020

Desfez-se, na baía silente dos sonhos, meu último castelo de areia,

Desfez-se, na baía silente dos sonhos, meu último castelo de areia,
A obra frágil e imperfeita, que eu nunca pretendi criar.
Teve desfecho, aquele que ninguém anseia:
Morreu no mar. 

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Donos do Mundo

O amor descabível, absurdo
A linha tênue do perigo
Não diz e nem pode dizer
Do que se passa comigo.

O amor descomedido dos contos
A marca aberta dos dias do passado
Se perdem na bruma dos sonhos
Que tenho vivido ao teu lado.

Tardes eternas que se anunciam
Por sob o crepúsculo de tua chegada,
Finalmente o sonho persiste ao lençol.
Seremos bem mais do que eles desconfiam,
Amantes da lua, por toda a madrugada,
Donos do mundo, do espaço e do sol.



terça-feira, 7 de julho de 2020

Feiticeiros

Se ao menos eu fizesse justiça ao nome que carrego
E, por força de vontade, repensasse o encantamento.
Sei, de mago tenho pouco, mas o feitiço eu não nego,
Quero estar enfeitiçado por ti a todo momento.

Não somente por poesia, por encanto a este feitiço,
Por saber que todo dia eu viveria imaginando
Se me prenderia o amor ou o respeito ao compromisso,
Quando menos esperava, já estava me entregando.

Me admira tanta sorte, que eu nem mesmo merecia,
Por detrás de toda bruma havia mais do que o esperado,
Eu, quando tomei o barco, não esqueci o que dizias,
E voltei só por saber que o meu lugar é do teu lado.

Ah, se os sábios do passado soubessem desse conto,
Em que o charlatão mais falso se descobre verdadeiro,
Eu que fugia do amor, mas não fujo do confronto,
Agora só posso pensar em como te amar por inteiro.

sábado, 4 de julho de 2020

Valioso

Que o Senhor revigore meus olhos, conceda-nos tempo de sobra
E caso questionem sua obra, que nosso amor sirva de exemplo.
O mundo se acaba lá fora, enquanto apenas a contemplo
Ergo em meu peito teu templo, imune ao passar das horas.

Sonhos da vida real, teus olhos que fitam meus versos
Tantos lamentos dispersos à força de tua presença
Sei que isso não é normal, mas será que faz diferença?
Nós nos encontraríamos, mesmo em caminhos diversos.

Pousa tua mão na minha, aquilo que nos falta agora
É tão pouco diante da imensa cumplicidade,
Tu cessa a tormenta que envolve este coração ansioso.
Vês, não estás mais sozinha. Esquece as dores de outrora,
Que agora tu conhecerás o que é amor de verdade.
Buscava o brilho e a glória, mas achei algo mais valioso.

terça-feira, 30 de junho de 2020

Teu Corpo Hipotético

Todo espelho revela-me, ao fundo os mistérios,
Decifra o sorriso que ostento e direi:
Há no reflexo um sujeito poético
Que grita em silêncio o que já calei.

Pressiono em meu peito teu corpo hipotético,
E beijo-o, em sonho, como beijaria em vida.
As coisas que sinto, que penso e que sonho
Se reinventarem quando encontrei você.

Por sob as certezas mais nobres da alma,
De dentro da câmara quente do coração,
As noites se estendem quando, tolo, imagino
Todas as noites que logo virão.

Se houvesse, mesmo que insólita, a chance
De tê-la em meus braços esta noite, a teria.
Dois dias de insônia, delírio e fraqueza
Dois dias de amor - quem acreditaria?

Esta noite de estrelas, esvaziada de essência,
Os astros proíbem nossa plenitude,
A lua brilha, mas já não ilumina mais nada
Por compaixão aos amantes distantes.

Se fosse possível lhe daria a posse
De cada emoção que fizeste-me sentir
E a faria senhora de nosso tempo juntos
Dona de tudo que eu quero escrever.

Mas resta tua ausência, gritante e exposta
Mais verdadeira que nosso romance,
Que o tempo passe e o peito descanse,
Pois logo seremos inseparáveis.

Duvida da paz, duvida da morte
Questiona as estrelas, a lua e o sol
Duvida do amor, duvida da sorte
Mas acredita em minha declaração.

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Diante do Mar

Sento-me diante do mar
A imaginar como seria
O corpo distante do meu
Aquecendo a cama fria.

Se um dia pudesse te amar
Do resto todo esqueceria,
Assim como o mundo esqueceu
Como se escreve poesia.

És livre, vem me libertar
Da solidão e da agonia,
Toma este corpo que é teu,
Preenche esta mulher vazia.

Mas só venhas se for pra ficar,
Pois eu jamais saberia
Como escrever um adeus
À minha própria alegria. 



Quando menos esperar

Quando menos esperar, já serás parte de meu canto,
Parte destas linhas tortas que te escrevo displicente.
Então, só pelo susto, é que eu logo te adianto
Que me apaixonar agora é um tanto coerente.

Quando menos esperar é que eu ajo, silencioso,
E te escrevo novamente, pra frisar o envolvimento.
Não peço que respondas, é somente o que não ouso,
Mas saibas que a desejo, a todo momento.

Quando menos esperar, já estarás me esperando,
Mas nunca saberás ao certo o que deves esperar,
Se até a mim assustas o desenrolar dos planos.
Quando é que a espera acaba? Isso está me inquietando.
Ansiosos, como nós, nunca souberam esperar,
Mas é que nós dois sabemos evitar os desenganos.



Desastres e Transtornos

Te fiz uma promessa, aos teus olhos desatino,
Entretanto cá estou mais uma vez versificando
A mística imprecisa do meu mais novo encanto,
Já não sei o que esperar de tantas peças do destino.

Me conta toda a história que viveu até aqui
Que eu enfeito com palavras o momento que vivemos
Não críamos ser possível, como nos surpreendemos,
A minha próxima história tem espaço para ti.

Vem, mas traz o teu desastre e teu transtorno
O que deu errado antes, que é pra gente consertar,
E o que ainda quer viver nos anos que vem a seguir.
Vem, mas saiba que depois não há retorno,
Cada poema que escrevo é só pra te enfeitiçar
Com essa ânsia de viver o que ainda vamos construir.


sexta-feira, 26 de junho de 2020

A Criança e o Mar

O mar logo será natural aos teus olhos, criança,
Não se assuste com a imensidão a frente,
Tua vida veio como um sopro de esperança
Que renova um mundo indiferente.

Virão vários dias de luta e algumas noites de sonho,
E as vezes a força parece falhar, é verdade,
Mas saibas que tu terás sempre o tamanho
Das tuas ideias, somadas à força de tua vontade.

Tua história não acaba na praia, entre a areia
E o sol que te banha, não se prenda ao medo latente
Que emana das feras do fundo do mar.
Escuta somente aquilo que teu próprio peito anseia,
E faz tua história como vier-lhe à mente,
Tu tens um mundo a conquistar.



quinta-feira, 25 de junho de 2020

Códigos e Cifras

O passado mais terrível que edificou o lastre
Foi ressignificado à memória tragicômica
Uma relação com estragos de proporção atômica
E que seria sempre o meu melhor desastre.

Nós, piada do destino, reescrita anualmente,
Tão distantes e unidos, nestas longas madrugadas,
Receosos de tomar novas decisões erradas,
Mas cientes de que o outro sempre estará presente.

Sob um mar de letras, caladas e descontentes,
Há meus códigos e cifras, disfarçados, tão amáveis,
As verdades de meu peito sempre tão indecifráveis,
Dentre tantos que me leem, só tu, de fato, entendes.

Por justiça e por amor, porque sempre mereceste,
Ao teu lado seguirei todo o caminho em frente
Se é pra dizer coisas de uma forma diferente:
Nunca houve um tempo mais nosso do que este.

sábado, 20 de junho de 2020

Resposta Completa

Quero que percas teus receios e a contagem das horas,
As preocupações de todo dia e os anseios de amanhã,
Quero que abra teus braços para minhas palavras vãs
E à vasta realidade que teu olhar ignoras.

Ah, logo vem o sol e outro dia fugidio,
Tudo aquilo que nos prende e nos faz tão incompletos
Também encontrará seu fim diante o tempo e seus decretos.
Vê se esquece dos poréns e pensa só no desafio.

Vê se pensas, vê se pensas, tu me dizes sem pensar,
Como se houvesse prazer em uma resposta mais completa.
Ah, quimeras que residem em tua expressão quieta...
Já não sei o que é que penso, quando tu me volta o olhar.

Veja bem, estou certo destes versos, mesmo imerso em incerteza,
Vou deixar pra trás um mundo imperfeito em tua ausência
E me prender em teus braços, encantar-me por tua essência,
Me fazer, mais uma vez, cantor de tua beleza.

terça-feira, 16 de junho de 2020

Formol

Ampulhetas, ampulhetas de um tempo errado,
Das luzes mais brilhantes que cegaram os vagalumes,
Arte que já não se nota em um mundo fragmentado
E só vai desafogar devido a força do costume.

São questões obsoletas, mas é tudo o que eu tenho,
As perguntas que não calam tem que ter encerramento...
A glória que nunca veio, em detrimento deste empenho
De manter-me vivo a noite, condensando o pensamento.

Ah, estas pobres borboletas vão morrer com a luz do sol
O bater das asas move, mas o sonho não se sustenta,
Só lhes restarão as cores, conservadas no formol,
E a imposição do belo, da forma mais violenta.

Nem poetas, nem cometas, nem qualquer revolução,
As frases de maior efeito hoje estampam camisetas,
Românticos, modernos, pós-modernos, tudo em vão,
Todos estão condenados a morrer nas baionetas.

sábado, 13 de junho de 2020

Bela

Rejeito a explicação mais coerente
E é sorrindo que me assumo enfeitiçado.
Rendido à mística desse amor urgente
Que se apossou do coração abandonado.

Que bela surpresa era o destino reservado
Tão complicado traduzir em poesia
É que se eu soubesse que você existia
Não descansaria até estar ao teu lado.

Toma cuidado, coração, vê se te acalma,
Palavras belas não serão suficientes
Dessa vez tens que fazer por merecer.
Eu já sabia, bem no fundo de minha alma,
Que a completude me aguardava logo em frente,
Tu já me tinhas, muito antes de saber.

sábado, 6 de junho de 2020

Estranhos que se cruzam na rua,

Estranhos que se cruzam na rua,
Como nós.
A face muda que evita o olhar
Já nem pensa o que dizer,
Imaginando se o outro sente o mesmo.

Estranhos que se cruzam na rua,
Como nós temos sido.
Talvez não tão estranhos
Pela marca da memória, ainda vívida,
Mas distanciados.
Nós que éramos tão próximos,
E talvez por isso distanciados,
Mas só digo de mim
Quando digo que não suportaríamos,
E me dói pensar que tenha que supor
O que tu sentes.
Depois de tantos anos o que é que sei?
O que é que sabes de mim se não história
Aquela que passou e as que te contaram.

Estranhos que se cruzam na rua,
Dispostos frente a frente pelo acaso,
Vamos outra vez virar os olhos e fingir
Que somos ainda mais estranhos.

Vamos passar mais uma vez despercebidos
Até o ponto de nem sermos reconhecidos
No conforto de nunca ter que dizer nada
Pois realmente não há nada pra dizer.

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Quarto tácito

Descansa os teus olhos azuis, meu príncipe,
Que o mundo já lhe roubou seus melhores dias,
Os dias que o sol acentuava-lhe o brilho
Fazendo seu corpo vibrar, sutilmente.
Descansa, que eu velo por ti
Por quantas noites forem necessárias,
Assim como tu fizestes em vida,
Sua doce e pequena vida.

Os próximos dias serão grandes
Não esses, de quarto tácito
Jamais esses dias de tua ausência
Apenas os próximos
Apenas aqueles em que tua alma
Puder descansar em paz.

domingo, 24 de maio de 2020

Parcelas de Verdade

De súbito, iça-me ao céu, como delírio vespertino
Só pra ver se a queda é dura em qualquer situação,
Não sei mais o que fazer com esse tolo coração
Que só de imaginar, rende a ti outro suspiro.

A consciência deste enlace tem tirado meu sossego,
Me aprisiona diariamente nesta cela de saudade.
Sei que soa exagerado, mas há parcelas de verdade,
Nelas busco explicação que justifique o meu apego.

Se me queres, começas por me querer bem,
Além deste revestimento, necessito de cuidado,
Que os anos de solidão me cobriram de poeira.
Se queres desvendar-me, há um segredo e nada além,
Aumento algumas coisas, mas não tenho exagerado
Quando ouso lhe dizer que minha paixão é verdadeira.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Fratura

A certa hora, descanso os olhos 
Mesmo de luzes acesas, descanso-os
E a noite aprofunda-se, incerta, 
Mas tudo se passa lá fora.

Chia, por baixo da porta, uma verdade 
Sobrenaturalmente imposta, 
Toda escuridão é imensa
E as sombras crescem dentro de nós.

Há medos que são como pragas,
Destroem os nossos jardins,
Cobrem as nossas janelas e logo não vemos
Nada, nada além deles.

Estou certa de que minhas sombras
São parte do escuro do mundo,
Pois quando descanso os olhos
Vejo outras luzes acesas.

Cinismo

Suspiro ao abrir os olhos, sinto cansaço,
Como se tivesse sido empurrado às paredes
Por ombros duros, sei que todos carregamos pesos,
Mas alguns esqueceram-se da leveza.

Da luz dos edifícios espelhados
Vejo a vida translucida das janelas,
O espetáculo silencioso do dia a dia
Refletido, inúmeras vezes, torna-se impessoal.

Vivo e vejo todas as coisas, as coisas como são,
Despidas das fantasias do progresso,
A despeito de qualquer mística moderna
Que nos faz crer especiais.

Digo não aos olhos brancos das vitrines,
Mas minha recusa é franca e sem desprezo,
Não aceito, mas sigo sem alarde,
É que desse mundo, eu nunca farei parte.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Desarme

O novo encanto é sempre o mais intenso
Enfeitiça toda a criação poética.
Meu coração deseja, mas minha alma é cética,
Então guardo a mim tudo que penso.

Queria atravessar tudo isso ao lado teu,
Nutrir a mística que anuncia este romance,
Viver o máximo até que você se canse,
Mas não deseje se esquecer do que viveu.

Ah, pareço estar tão vivo agora,
Rendendo versos encantados para ti
Desejando que teu beijo me desarme...
Ah, como seria bom se fosse agora,
Dar sequência a tudo aquilo que senti
Desde quando me encantei pelo teu charme.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Doces Mais Doces

Gosto dos doces mais doces
Que explodem sabores intensos,
Mas logo me enjoam os sentidos
Por serem doces demais.

Gosto do açúcar que sobra,
A mão errada, com gosto,
Que escancara o exagero
Desses desejos banais.

Chego a ser deselegante...
O problema não é a frequência,
As doses são altas demais,
Como todos de uma vez só.

Nunca pensei no amanhã,
Nem sei do que será feito,
Mas não guardo nada
Com prazo de validade.

terça-feira, 19 de maio de 2020

Versos Tricotados

Subitamente desaba a tempestade,
Toma meu peito por outra madrugada inteira,
E tão somente quando a sombra derradeira
Vai embora, volta a criatividade.

Queria o encanto da promessa fácil, mas
O coração ordena sempre outro caminho
E agora ponho-me a contar fio por fio
Desse novelo em que eu me envolvo e nada mais.

Nasce outro dia, desta vez peço que dure
Muito mais tempo do que os outros tem durado,
Acho que agora encontrei uma saída.
Veja bem, este presente é pra que o frio não perdure,
Sobre teus ombros estes versos tricotados
Serão o início do que nos vem em seguida.

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Não Deseje Nada Além da Plenitude

Não deseje nada além da plenitude,
Nem o céu, nem as estrelas, nem o azul dos oceanos,
Não deseje que a sorte vá a encontro de seus planos,
Que os sonhos grandes trazem somente inquietude.

Não deseje a morte com palavras incoerentes,
Nem o céu, nem o inferno, nem jardim da salvação,
Não deseje que o tempo de descanso ao coração,
Pois tristeza e solidão são problemas recorrentes.

Não deseje força pra aguentar a tempestade,
Nem que o céu desague as águas em qualquer outro dia,
Não deseje o ombro amigo, que tuas dores alivia,
Tu tens o mesmo tamanho que a tua força de vontade.


Estridulação

Quando faltam-me as palavras, calo,

Como se calasse a própria alma inquieta

E remediasse, assim, toda vaidade.



Nos outros dias me derramo.

Como tenho derramado tanto de mim pelas noites,

No devaneio sonolento do crepúsculo desfaço-me,

Irreconciliavelmente,

E o sonho, caloroso, morre

Quando calo-me pela manhã.



Há poesia no silêncio e nas coisas

Não configuráveis,

A mística dos pontos pretos na parede branca,

A metafísica da estridulação dos grilos,

O feitiço do tempo.

Há poesia no silêncio e nas coisas

Que ignoro quando fecho os olhos,

Um mundo além do ideal

Recompondo-se a cada segundo.

Vês que o universo começa aqui,

Mas jamais entenderás sua real extensão

Enquanto mensurá-la com palavras.



Quando faltam-me as palavras, oiço,

Como se ouvisse a própria alma inquieta

E evitasse toda solidão

No canto manso do vento.

terça-feira, 12 de maio de 2020

Jovens Tristes

Caiu, imperceptível, teu pranto no passado,
Doce fantasma dos dias mais cinzas que vieram,
Descansa o peito desse mal que lhe fizeram,
Eu sei tão bem o quanto a teria amado.

Duras as penas dessa via que se estende
Atravessando pelos mares e oceanos...
Como o destino, tão irônico, pretende
Conectar o que não existe há tantos anos?

Dorme, tua sombra não pesa mais nada,
O sol do Senhor ilumina a tua glória,
Meus versos de amor estavam errados...
De certo a resposta já foi encontrada:
Faltava era eu, junto a ti, em tua história,
Dois jovens tristes e apaixonados.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Síndrome Respiratória

Arfa teu peito, arde por dentro como brasa,
Procura o ar, que só te falta isso.
Respira, com a mente resoluta e o objetivo
Fixo em buscar alívio.

Há métodos, não tão convencionais, 
Que certamente, tão sombrios, tem verdade,
Tuas respostas não estão nas capas de jornais,
Olha pra dentro.

O ar, que não existe agora, foi sumindo
Com os anos passados em branco,
Aos poucos se diluindo na insensatez,
Como se cansasse de ti.

Afinal, quem não se cansaria?
Você que já não se levanta de sua cama,
E torce, vergonhosamente,
Pra que a glória pouse em tua janela.

domingo, 10 de maio de 2020

Caprichos

Verifico os bolsos e cadernos, faltam palavras,
Nada, além do acaso que nos une, está escrito,
É tempo, ainda, de considerações
Acerca do amor que vivo e repito.

Por todo o mar que nos separa, derramo 
A essência triste deste dia,
A lírica padece, os olhos cerram-se,
O resto é só sinestesia.

Resiste, na distância, o sentimento 
- Declaro guerra a toda abstração -
Quero viver o que é concreto
Mesmo que o concreto seja a solidão.

Não há pares além do par que somos
E, por capricho, nós nem somos nada.
Descanso o corpo sobre as ondas,
Há batalhas que não devem ser travadas.




domingo, 3 de maio de 2020

Desenrolar de Eventos

Existe um charme na loucura irracional
E no que se apresenta sempre tão intenso.
Meu coração é meio estranho e sem consenso,
Mas desejar-lhe, querida, é tão normal.

É natural o desenrolar de eventos.
Eu só penso em tua presença a toda hora
E como o mundo estende essa demora
E não te traz, enfim, aos meus aposentos.

Se tudo envolta é só o caos e a intemperança
Vamos fechar todas as portas e janelas,
Que só me importa o que nos vem a seguir.
Eu me permito, me preencho de esperança,
Me apaixonando a cada pouco revelas...
Ansioso pelo que eu ainda vou sentir.


sexta-feira, 1 de maio de 2020

Despreparado

Intocável, por sob uma camada de poeira,
Descansa, em paz, meu coração
Salvo de qualquer transtorno ou emoção,
Guardado apenas à paixão certeira.

A ti, guardei um tanto pra depois.
A história inteira ficará pra outro momento,
Pois na distância não há de haver contentamento
E certas coisas são melhores a dois.

Concebo sonhos bem mais loucos do que este.
O que seria mais um outro desengano? 
Eu já desejo as tuas palavras todo dia...
Quisera ter um outro peito que não ardesse,
Mas tu viestes de surpresa neste ano
Ah - se eu soubesse - eu me prepararia...

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Soneto ao Desengano

Preciso de todo controle do mundo,
De dias de sol e de noites de estrelas.
Palavras tão belas, não posso contê-las,
Derramo o excesso que pesa-me os ombros.

Sombrios os dias de nossa existência.
Janelas fechadas não renovam os ares,
Derrama-se o choro de tantos pesares
E recomeçamos, diante de escombros.

Tu sabes, como eu, dos fins das semanas
De sombras na sala, vazias de amor,
Tentar, tudo em vão, pra ver se te enganas...
Vem, que eu te teço minhas lendas e planos,
Te levo comigo, pr'onde quer que eu for,
Não há tempo pra enganos, não é hora de dor.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Soneto pra nós dois

Irrompe o continente americano, a bruma mística,
O delírio estático que emana dos casais apaixonados
E em cento e vinte minutos, muito bem passados,
Afunda, no Oceano Atlântico, toda a silogística.

Não há bom senso que explique a conjuntura.
A vida é dura para quem se lança ao mar
E em qualquer primeira vista quer amar,
Como se não restasse outro tipo de aventura.

Veja bem, eu sempre me agarro à chance,
Qualquer caminho leva, sempre, a algum lugar...
E não importa muito o que é que vem depois.
Veja bem, talvez haja um caminho pro romance,
Porque a vida fez questão de me levar
A escrever este soneto pra nós dois.



sexta-feira, 17 de abril de 2020

Martírio

Tenho as mãos fracas e o espírito abatido
Já não há nada de forte no que sai da pena
Não resta nem um dia de vigília e quarentena
Agora eu sou a sombra do que poderia ter sido

Semimorto neste leito do hospital de campanha
Tenciono a derradeira tentativa de escrever-lhe
Oro pra que anjos que te guardem e o Senhor te aconselhe
Posso não estar presente, mas minha alma lhe acompanha

Silenciosamente, cedo à febre e ao delírio
Serei só estatística, da morte e da paixão
Sonho, mas acordo, e é real minha solidão...
Foi tudo por amor ou por loucura ou por martírio
Foi tudo o que havia de melhor em Penaforte
Se não tenho o beijo teu, ao menos tenho o da morte

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Não posso afirmar que esta não é a mesma tempestade que caía no dia em que nos conhecemos,

Monelle,

Não posso afirmar que esta não é a mesma tempestade que caía no dia em que nos conhecemos, mas garanto que meus sentimentos são os mesmos, este coração tempestuoso segue relampeando ao ouvir teu nome e desaguando por tua ausência. Não posso afirmar que todas essas madrugadas não foram a mesma madrugada, mas posso garantir que todas elas foram tuas e reconhecer, serenamente, que foram estes os únicos momentos em que vivi, e não apenas existi como um coitado, que se lamenta enquanto assiste o movimento do alto das casas vizinhas.

Sei como é difícil sofrer em solidão. Passo os dias prometendo calar-me e, mesmo diante da revolta, não sair desesperado à tua procura. Sei que é difícil, pois é difícil para mim também. Dói-me não habitar, conscientemente, os mesmos sonhos que sonhas à noite, mas hei de amansar as tempestades de meus olhos, pra seguir minha vigília... Na última noite as sombras chegaram mais perto.

Pelas noites tenho visto cada coisa, meu amor, as vezes penso que seria melhor orar para que o Senhor nos leve, pois não sei se existe proteção contra a perversão humana. Os fanáticos seguem festejando, agora mesmo posso ouvir o som de suas vozes pelas ruas. Enquanto escrevo estas palavras febris, sinto calor e medo. Será que o mundo realmente merece ser salvo? Apenas agradeço por ter encontrado a ti, antes que a morte me encontrasse, mesmo que apenas nossas almas saboreiem o romance. Meu corpo trêmulo se encolhe debilmente, as criaturas da noite estão aqui...

Rezarei, mais uma vez, ao pé da cama. Meu terço velho de tão usado está quente ou talvez seja o meu desejo ou talvez seja só a febre...  Não sei. Gritei seu nome bem forte em minha mente, que é pra espantar todos os males que me acossam e ver se assim eu durmo, em paz, só dessa vez. Todo delírio vai passar amanhã, Monelle, só preciso dormir.

Penaforte

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Ernesto #5

Ernesto,
Você diz para pintar o nosso amor, mas sinto que foi o que fiz a vida toda, agora choro e odeio minha posição de oráculo, jamais teria pintado a morte se soubesse esta ser o retrato de nós dois. Apesar de toda minha desesperança, tenho tido sonhos cada vez mais vívidos com você, neles te toco, sinto a textura da sua pele e seu calor febril, mas seus olhos continuam a brilhar em sua loucura de poeta herói, que vence a morte pra buscar sua amada. Vivemos tantas aventuras em minhas noites, que rezo para que meu poder de premeditação esteja no onírico e não nas imagens que surgem em minhas telas. Mas de qualquer forma, em meio a tanto horror e sofrimento, não consigo mais negar que já me entreguei em alma a você, sou sua e se este for realmente o seu fim, o meu virá em seguida e meu último desejo será ter o meu corpo enterrado sobre o seu, para que os vermes partilhem nossa carne em um banquete, até nossa matéria se tornar uma, e que da terra fertilizada por nossas vísceras nasçam as mais belas flores, escarlates do desejo que não desfrutamos em vida.
Monelle

domingo, 29 de março de 2020

Cânticos

I

O dia do Senhor amanheceu em cinza claro
Pelas esquinas os rumores antecipam o estopim...
Eles vão andando em bandos, os fanáticos do fim,
Tão seguros e tranquilos, mesmo sem nenhum amparo.

Lá de longe, em outro bairro, eu assisto o movimento
Desses carros funerários que carregam os defuntos
Mortos de vala comum, não se fala outros assuntos,
Todos assistindo a vida se encerrar em tom cinzento.

Para além do muro e rua, existe a praça de defronte
Proclamando disparates, os fanáticos comungam,
Os que passam por aqui, por trás das máscaras, resmungam
Todos eles, tristes corpos, irão aumentar o monte...

A revolução aguarda, silenciosa, nos porões
Eu espero a minha ordem e o sinal de meu Senhor
Oro pra que os anjos a guardem, imaculada, meu amor,
Pois logo estarei pela rua, entre os rifles e canhões.

II

O cavaleiro branco já nos reina absoluto
Nos governa, bem do alto, sob a mira de sua seta
Faz deitar ao chão a chuva, sua purificação direta,
Vendo a angústia dos doentes, permanece resoluto.

Vêm, trajando preto, os antigos latifundiários
Que se negam a dividir os frutos de tua bonança
Assistem o desespero, enquanto pesam na balança
O quanto irão negar a teus famintos funcionários

Rubro, ao brilho de tua espada, chega o novo cavaleiro
Para incentivar o atrito que nos ceifará da terra
Especializado em tudo que é pequeno e causa guerra
E cumpre, lealmente, cada horror desse roteiro

Por fim chega a criatura, com os seus olhos dourados
Trazendo nas mãos a mortalha e no riso o próprio inferno
Já assistiu a tanta coisa, o cavaleiro sempiterno,
Mas ainda não havia visto o fim de tantos condenados

III

Sob a luz do sol, não há terror que tome conta
Seguimos adiante, enfeitiçados na ilusão,
A morte tão distante não nos toca na razão
E a pilha de cadáveres no jornal não amedronta.

Os demônios se esgueiram nas sombras e nos cantos
Sussurrando as tentações que só a rua nos concede,
Mal dizendo a opinião pública, que do lucro nos impede:
"Do que nos serve ter dinheiro e não viver os teus encantos?

Iremos ocupar as praças, avenidas, prefeituras
A câmara dos deputados, o senado, os sindicatos,
As escolas, faculdades, os liceus e os internatos
E todo espaço em que ressoam os disparates e as loucuras"

Mas sob a luz do sol, não há terror na realidade
Por detrás do céu azul, há um paraíso inalcançável
Só nos resta construir o nosso Éden comerciável
E viver, aqui nos trópicos, o sonho que é verdade

IV

Vês, sou apenas mais um que sofre na tribulação
Como se assistisse a hera tomar conta do jardim
E somente esperasse pela surpresa no fim
Me escondendo, tão covarde, em minha própria criação

Logo mais virá a noite, a paranoia, a intensidade
E as sombras que se agrupam nos telhados vizinhos
Horrores de outro mundo construindo aqui seus ninhos,
Que aguardam o pesadelo para destilar maldade

Eu te busco, minha amada, te insiro na minha rima
A ti crio um mundo inteiro, em que tudo está melhor
E nós dois nos deitaremos, sem ninguém ao redor
E concretizaremos esse amor que é nossa sina

Estou febril, entristecido, talvez não me reste tanto
Não sei se a antologia de meus versos sobrevive
Ou se, dessas batalhas, qualquer êxito obtive
Mas o meu coração se rende, para sempre, ao teu encanto



sábado, 28 de março de 2020

Monelle #4

Monelle,

Por aqui as janelas já não se abrem, e por detrás delas um mundo inteiro morre a cada hora. Do alto das casas vizinhas tenho percebido o movimento constante dos transportes funerários, mas tudo é só o silêncio das máscaras. Já não sei o que pensar... Alguns ciclos se fecham e talvez um dos próximos seja o nosso. Restam poucos que sujeitam-se à sorte, esse ferozes fanáticos do fim, erguendo as vozes nas filas de farmácia e o estandarte da contra-revolução. Eu peço apenas pra que o Senhor nos ilumine e guarde, pois a piada só me deixou um gosto amargo.

As manhãs já saem do horizonte cinzas e só tuas cores fazem o dia valer a pena. Me dizes cego, mas não vês que enxergo além? Mesmo imerso na mesmice, eu te distinguo dos demais, Monelle, pois até os seus perigos me seduzem. Quisera ter algum vislumbre do futuro, qualquer coisa que nos garantisse o acerto, mas estamos presos por debaixo do escafandro e eu só sinto a falta de ar... Acordo, febril, mais uma vez diante da mesa e penso em ti. Acendo o cigarro sigo pensando em como seria bom se acordássemos de um sonho coletivo e nos encontrássemos novamente, apenas pelo instinto de que o amor está em ti. Mas ainda acordaremos separados, em incontáveis manhãs e tardes, tateando o vazio e suspirando.

Mas haverá o nosso amor, como já existe, como já nasceu e vive. Vive em mim, poeta de olhos calmos, e em ti, minha tempestuosa artista. Não se assuste com as perspectivas e as matérias de jornais, aceita em teu coração o expurgo que se aproxima, o Senhor lhe guarda, lealmente. Usas de teus olhos lúcidos e de tuas mãos habilidosas, pinta o nosso amor de fim de mundo. Tenho vivido apenas pra ser teu amante, seguirei sendo pelo tempo que me concederes ou até que o golpe do carrasco venha.

Entretanto, preciso pedir-lhe que redobre seus cuidados, meu amor, pois coisas terríveis nos espreitam lá fora e eu jamais prosseguiria sem você.. Ouvi pelos mercados que o pior está por vir.

Orarei por nós esta noite,
Penaforte

sexta-feira, 27 de março de 2020

Ernesto #4

Seriam todos os poetas cegos? Pois parece a mim Ernesto, que você nada vê, que és constantemente um flâneur a ouvir a arrebentação e sentir o cheiro do manjericão que exala no orvalho, vives a pensar palavras sem nunca as contemplar, deixando ressoar apenas sua musicalidade no fundo de teu crânio. Queria eu com uma lâmina cortar-lhe a carne em cem aberturas eternamente doloridas chamadas olhos, essas aberturas eternamente cruéis e salgadas, que não perdoam e não permitem ilusão, mundos românticos, em que eu e você iremos dividir um quarto, partilhar o mesmo ar, ar que nos falta sem a presença um do outro, seremos eternamente suspirantes, incompletos, aterrorizados pela ausência, nossa pele continuará virgem em sua maldição, nunca seremos sombra porque nunca haverá sol para raiar a luz que iluminará o nosso amor, amor natimorto.
Monelle

Soneto Inflamável

Versos tristes, beijos quentes e a posse de meu coração
São somente estas três coisas que, hoje, posso oferecer.
Vivo pra seguir o ofício de nutrir a sensação
De que amo tudo aquilo que acabo de conhecer.

Tenho uma cama curta, travesseiros, cobertores 
E uma porção de livros velhos, que não contam nosso drama
Algo de poesia e canto pra acender os teus ardores,
De um desejo tão intenso, que ao menor toque inflama.

Sou por tantas vezes parvo, ignorante e desatento,
Insensato, indecoroso e desprovido de etiqueta,
E olha que nem comecei a falar sobre essa loucura...
Busco, insone, na angústia um novo contentamento:
Saber que, mesmo louco, o teu coração me aceita
E ver a tempestade lavar toda esta amargura.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Só conheço o dissabor e a intemperança, como se o crepúsculo durasse para sempre

Só conheço o dissabor e a intemperança, como se o crepúsculo durasse para sempre. Nesta fria madrugada, tuas palavras são como todas as estrelas, brilham, mesmo que distantes, guiando a nave que carrega meu destino, como se tudo que eu conhecesse fosse o teu norte. Mas o Senhor nos concedeu a quarta-feira, como outra chance de viver um amor - esse amor de serafins - gravado em fogo da tua pele, fruto de ardores e desejos.

Somos como duas sombras, vivendo apenas quando nossos corpos se encontram sob o sol, espectros tristes das pessoas que somos. Mas ainda resta a cria amada: o doce amor de uma semana, que parece não ser parte desse mundo. Me sento à calçada, o que hei de fazer? Sou poeta apenas por ofício, mas, aos olhos de nosso Senhor, sou só mais um amante, seguindo só pela estrada da saudade, essa estrada que, não obstante as direções que escolhamos, só me leva pra mais longe de ti, Monelle. Não se derrames em vão, sou tudo o que quiser que seja, mas não posso ser o mar, que sorveria as tuas lágrimas de sal e solidão.

Não ceda à angústia, não entregue a tua doçura por desalento e desespero. Somos dois desajustados que aos poucos têm se ajustado melhor, dois estrangeiros na terra dos simplórios, ainda nos resta o objetivo derradeiro: ser somente amor. Ofélia nenhuma saberias dizer-lhe como é ser objeto de tamanho sentimento. Se guarde na torre, o mundo lá fora jamais te mereceu.

Atravessando a cerração e violência, logo nos encontraremos.

Ernesto Penaforte


Ernesto #3

Ernesto,
Mata-me de desejo e desprezo, faz nascer rios em meu corpo de mulher, hora gélido hora febril, me inquieto com sua presença ausente, desfaleço em minha solidão. Às tempestades das quais tanto fala caem também de meus olhos, lágrimas pesadas, ardentes, sufocantes, e no meio à asfixia, sinto suas mãos, em meu pescoço e em minha vulva, desaguando em mares mornos, preenchendo cavidades, desatando gritos, tremo, esperneio, te odeio e despeja mais calor em mim. Acordo nadando em minha própria imundície, arrebatada por seu encanto, enfurecida por seu abandono. Queria me dissolver nas águas, ver meu corpo reviver em folhas, pétalas e no reflexo multicolorido da luz, mas me nego a ser sua Ofélia e sigo assombrando minha torre, com as mãos atadas e o pensamento a sua procura.
Monelle.

terça-feira, 24 de março de 2020

Anjo Caído

O Senhor doirou os céus pros olhos teus,
Fez nascer sol onde só havia angústia,
Torço somente pra que a dor jamais assuste-a,
Tu és, Monelle, essência destes sonhos meus.

Vivemos tensos pelo alarde a rua afora,
Assistindo ao desespero e o eclipse.
Sigo orando pra que o Senhor certifique-se
E faça desse tempo a nossa aurora

São dias frios, solitários e distantes,
Pra estas mãos, que só desejam teu calor,
Mas pendem fracas desse corpo. Anjo caído...
A redenção não está nas luzes mais brilhantes,
Ela somente vem a mim por teu amor,
E cura todo horror que o mundo tem sofrido.

domingo, 22 de março de 2020

Alguma Solução Profética

Às cinco horas eu acordo, tateando à tua procura
E me perco no silêncio desta insone madrugada
Me proponho tanta coisa, me afogo na ternura
E na imensa sintonia da paixão tão prematura
Como se minha própria alma estivesse embriagada 

Somos dois desajustados, loucamente procurando
Por motivos adequados pra justificar a entrega
E de tanto procurar, acabamos encontrando 
Esse súbito romance vai aos poucos se ajustando,
E, de longe, sinto tudo aquilo que você não nega

Mas com tantos artifícios pra render esta poética
Sei que acabo lhe causando, fatalmente, confusão
Entendo teus anseios, tua postura, que é tão cética,
E não tento lhe vender alguma solução profética
Você diz que não entende, mas até me dá razão

E seguimos construindo esta doce fantasia
Aos olhos de nosso Senhor, que nos deu a permissão
De criar um novo amor, colocado em primazia
Mesmo que o resultado só nos venha em outro dia
Já te guardo, bem segura, dentro de meu coração

Se tu sentes

Entre os teus olhares rápidos, encontrei estas certezas:
Eu me apresso a te buscar, pois no fundo eu encontrei
Todas as razões pelas quais me apaixonei
E escrevo todas elas, disfarçando em sutilezas

Temos muito pouco tempo, mas pra mim há de bastar
Não se deixe assustar pelas doces confissões
Apenas me permita que descreva as sensações
Que me ocorrem quando tu pousas em mim o teu olhar

Se tu sentes - sei que sentes - me preserva em tua vida
E me faz ser tudo aquilo que desejas para si
Nada mais, no mundo todo, me faria mais feliz
Se tu sentes - sei que sentes - sabes que não há saída
Tal qual flor da primavera, em teu peito floresci
E por fim, a ti confesso, isso é o que eu sempre quis

Monelle #3

Monelle,

O próprio Hades haveria de me conceder passagem, caso o beijo frio da morte lhe alcançasse antes do meu, mas estás segura, protegida pelos anjos do Senhor, que intercede gentilmente em minhas várias orações. Se tu és minha Eurídice, saibas que este Orfeu não olha para trás, mirando somente o que está disposto a nossa frente e, assim, planejando cuidadoso um futuro nosso. Nesses versos apolíneos que te escrevo, a carruagem ensolarada é, tão somente, a sua luz. Não se aflijas nem mais um segundo, pois teço a ti os mais solenes juramentos. 

Que venha a guerra, a peste e a morte. Se há espaço no teu seio, edificarei aí nosso recanto com as mais belas palavras que encontrar no vasto léxico. Nossos muros serão altos e robustos, pra impedir que a vida avance para dentro de nossa paz. As janelas serão claras e alinhadas. Com varandas altas, colunas brancas e um aconchegante jardim, de onde colherei as flores que enfeitarão a poesia de todos os dias que passarmos juntos. É belo o desatino... Causa dor imaginar.

Hoje veio a nova tempestade. Sinto que estás se distanciando cada vez mais de mim, mas deve ser somente o tédio, que mina lentamente os ânimos desses corações apaixonados. Não desista do romance, o Senhor nos reserva o encontro em sonho quente. O outono chegou, Monelle, deixe que as folhas caiam e o vento passe taciturno, mas não deixe ressecar o que há de amor em ti.

Aguardo-lhe na morada de Morfeu,
E.P.

Ernesto #2

Ernesto,
Você se veste de Orfeu em seus sonhos, indo procurar no inferno um alguém para chamar de sua doce donzela. Não vou negar que suas palavras e sua melodia me levam a arrepios, lembrança de que ainda vivo, respiro e sinto. Mas mesmo viva e sentindo o sangue púrpura jorrando em minhas entranhas, não posso afirmar que conclua sua aventura satisfeito, pois temo que após enfrentar a angústia, moléstia e o tempo, poderá descepionar-se ao encontrar em meu seio apenas invólucro do que já foi e não mais é, e não cantará mais. Não sei se olhará ou não para trás, mas pelo menos fui sincera escrevendo para ti de minha prisão rodeada de demônios. 

Monelle

sábado, 21 de março de 2020

Poesia dos Excessos

Eu, a beira do colapso, te busco novamente
E me entrego, sem pudor, torpor de meus sentidos
Volto então a desenhar caminhos divididos
Pra acalmar a tempestade que desaba em minha mente

Eu darei início a busca do fim que é só o começo
Nunca me ensinaram a negar meu desejo
Sei que ao fechar os olhos, será você que eu vejo
E acordo de manhã com as dores que mereço

Excessivamente lúcido, no fundo tudo é só rotina
Já não há saída dessa sina, já não há saída dessa sina
Excessivamente lúcido, no fundo tudo é só rotina
Já não há saída dessa sina, já não há saída dessa sina 

Mas afinal, agora é só disritmia, afinal agora tudo
Que eu queria era ter mais, quem sabe um pouco basta
Afinal, eu sigo noite a dentro a linha vasta
E vejo o que não está aqui, sentindo falta, falta…

Eu, a beira do colapso, te busco novamente
E entrego o que pedir de mim, sempre tão sorridente
Volto a desdenhar quase completamente
Eu já não quero mais, só quero diferente

Excessivamente lúcido, no fundo tudo é só rotina
Já não há saída dessa sina, já não há saída dessa sina
Excessivamente lúcido, no fundo tudo é só rotina
Já não há saída dessa sina, já não há saída dessa sina