sexta-feira, 26 de agosto de 2016

DL

Eu não tenho palavras pra expressar os fins de noite
O amanhecer me deixa frágil, talvez seja isso mesmo
Não reconhecer direito o que é a dor e o que é o açoite
Não saber se sigo em frente ou se só caminho a esmo

Certamente a mudança vem com o tempo que se vai
E as dúvidas de outrora vão perdendo a importância
Parece que a incerteza desmedida nos atrai
Mas tudo isso vai sempre perdendo a relevância

Não reconheço amargura nas máximas de hoje em dia
Me encontro muito mais em um realismo envergonhado
Em que eu sei o que fazer, mas prefiro nem tentar
As experiências moldam a nossa sintonia
A gente se esbarra em memórias do passado
E dá adeus pra tudo o que não vale continuar

Memorial In Aqua Scribere II

Daqui tanto se fez e tão pouco foi feito
Guardei apreço e mágoa sem pensar em economia
Aqui eu nunca precisei esperar por algum dia
Em que as coisas finalmente funcionassem do meu jeito

Foi aqui que me criei e aqui que envelheci
Foi aqui que formulei as frases certas mais erradas
Dos dias mais bonitos e as angústias já passadas
Foi aqui que eu finalmente me reconheci

Gravei tudo o que podia, guardei o que passou
Me encontrei em alguns momentos em que o essencial
Foi transformar meus pensamentos em algo material
Só assim que tanta dor e sofrimento acabou

Agora eu nem ao certo sei qual é a serventia
Desse amigo e confidente que me acompanhou por anos
Talvez pra relembrar das consequências e dos danos
E esperar que algum dia eu me reencontre na poesia

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Autorretrato

Fruto de mim mesmo tenho a chance de acertar
Senhor de minha angústia, sou apenas o que sou
Contando as incertezas do que é que me restou
Me vejo no retrato e me engano por gostar

Tudo me preenche porque nada me contém
Deixo tanto em tudo e ainda resta tanto em mim
Nada disso basta, porque eu não sou assim
Eu quero muito mais do que aquilo que convém

Eu que penso em cores e formas de viver
Imerso em tanta coisa e nada diz de mim
Me perco e me desfaço, me entrego ao que vier
Cerro os olhos, frágil, aguardo pelo fim

Eu que vivo fora do comum e do usual
Aceito as madrugadas e a falta de razão
Abraço as indecências e essa minha condição
De não conviver com o que é só normal

Na caligrafia eu me escorro muito mais
Em duas dimensões completamente desleais
Aqui eu sou imenso e o infinito se desfaz
Não tenho limites, então porque ainda tento?

Num autorretrato eu me escondo na moldura
Sou só o que eu escrevo e nunca aquilo que aparento
Num autorretrato eu me escondo na moldura
Em sonhos coloridos que revelam meu momento

sábado, 6 de agosto de 2016

Ensaio Sobre a Coragem

Esse é mais um dia no cotidiano de quem busca por respostas. As coisas as vezes se nublam por aqui, nem sempre é fácil viver um dia após o outro, mas optamos por continuar, porque no fundo acreditamos que isso aqui vai dar em algo, ou talvez acreditemos que no fim valerá a pena, ou na pior das hipóteses, esperamos que o mundo se baste em uma enorme brincadeira de mau gosto, aí a gente ri e se perdoa pelas crenças infundadas. Um sorriso a menos nesse dia, um sorriso a mais no fim de tudo, o que é que realmente importa?

Tomar café pela manhã e refletir durante a tarde. As demandas de hoje em dia devem nos absorver, porque assim a gente não consegue refletir sobre o que estamos criando e o que eles querem que você acredite estar criando. Sem conspirações, aqui tudo é muito mais tangível, olhe pro lado e analise os resultados de quem está ao seu lado. Você faz parte da solução ou do problema?

Tudo tem solução. Qualquer que seja o problema, só é problema enquanto a gente deixa acontecer. A gente se dá bem com as coisas que fingimos padecer, é natural pra nossa vida aceitar a dor como necessária e parte de um crescimento abstrato, mas digno. Parte disso se deve à convenção do que é maturidade, parte disso se deve às histórias de heróis, e eu sempre gostei dos heróis. Uma hora a gente enxerga que vem encarando o mundo como inimigo, por alguns instantes até acreditamos que podemos vencer, porque essa é a lógica básica dos heróis, eles vencem no final, passando por cima de todas as mazelas do mundo.

Se você já leu qualquer história que se preze, então sabes que nada disso vale a pena no final das contas, que toda força que é despendida causa reações em outras partes dessa cadeia e nem sempre a gente consegue calcular os estragos que causamos. Em um dado momento a gente busca a fuga da obviedade do herói, porque passamos a entender que morreremos no final, e os romances nunca chegam a tal ponto. O que vem depois daí? A gente nunca sabe.

O mundo não está aqui pra ser combatido e nem mudado, ele está aqui porque ele veio antes, nós somos as consequências de outras forças que já repercutiram em todos os cantos dessa existência e que morreram no silêncio quando o centro de tudo já não era mais alcançável. Talvez esse seja o nosso vindouro fim, não mais encontrar a raiz do que nos move e cedermos as agitações externas, pouco a pouco nos deixando derrotar por qualquer abalo que vier, afinal já não conseguimos mais depender de nós mesmos.

O laço disso tudo é pensar que a gente romantiza coisas pequenas, porque essa é a nossa única chance de felicidade. A peça que falta é a visão de que tudo isso é ensaiado por gerações pra parecer perfeito, a gente luta guerras invisíveis porque não existe mais um inimigo próximo, a gente se move a passos curtos porque não conseguimos mais enxergar futuro em nada disso. Vão te dar a chance de ser bom e a chance de ser útil, por qual delas você vai optar?

Se a luta que se trava hoje é internalizada, quantos de nós vão se perder apenas por não conseguirem mais olhar pra dentro? Se o mal que nos causamos hoje é a única coisa que podemos sentir, quando é que o mal que causamos a nós mesmos será perceptível e combatido?

Quando os heróis se aposentarem por cansaço.