quarta-feira, 22 de abril de 2020

Soneto ao Desengano

Preciso de todo controle do mundo,
De dias de sol e de noites de estrelas.
Palavras tão belas, não posso contê-las,
Derramo o excesso que pesa-me os ombros.

Sombrios os dias de nossa existência.
Janelas fechadas não renovam os ares,
Derrama-se o choro de tantos pesares
E recomeçamos, diante de escombros.

Tu sabes, como eu, dos fins das semanas
De sombras na sala, vazias de amor,
Tentar, tudo em vão, pra ver se te enganas...
Vem, que eu te teço minhas lendas e planos,
Te levo comigo, pr'onde quer que eu for,
Não há tempo pra enganos, não é hora de dor.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Soneto pra nós dois

Irrompe o continente americano, a bruma mística,
O delírio estático que emana dos casais apaixonados
E em cento e vinte minutos, muito bem passados,
Afunda, no Oceano Atlântico, toda a silogística.

Não há bom senso que explique a conjuntura.
A vida é dura para quem se lança ao mar
E em qualquer primeira vista quer amar,
Como se não restasse outro tipo de aventura.

Veja bem, eu sempre me agarro à chance,
Qualquer caminho leva, sempre, a algum lugar...
E não importa muito o que é que vem depois.
Veja bem, talvez haja um caminho pro romance,
Porque a vida fez questão de me levar
A escrever este soneto pra nós dois.



sexta-feira, 17 de abril de 2020

Martírio

Tenho as mãos fracas e o espírito abatido
Já não há nada de forte no que sai da pena
Não resta nem um dia de vigília e quarentena
Agora eu sou a sombra do que poderia ter sido

Semimorto neste leito do hospital de campanha
Tenciono a derradeira tentativa de escrever-lhe
Oro pra que anjos que te guardem e o Senhor te aconselhe
Posso não estar presente, mas minha alma lhe acompanha

Silenciosamente, cedo à febre e ao delírio
Serei só estatística, da morte e da paixão
Sonho, mas acordo, e é real minha solidão...
Foi tudo por amor ou por loucura ou por martírio
Foi tudo o que havia de melhor em Penaforte
Se não tenho o beijo teu, ao menos tenho o da morte

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Não posso afirmar que esta não é a mesma tempestade que caía no dia em que nos conhecemos,

Monelle,

Não posso afirmar que esta não é a mesma tempestade que caía no dia em que nos conhecemos, mas garanto que meus sentimentos são os mesmos, este coração tempestuoso segue relampeando ao ouvir teu nome e desaguando por tua ausência. Não posso afirmar que todas essas madrugadas não foram a mesma madrugada, mas posso garantir que todas elas foram tuas e reconhecer, serenamente, que foram estes os únicos momentos em que vivi, e não apenas existi como um coitado, que se lamenta enquanto assiste o movimento do alto das casas vizinhas.

Sei como é difícil sofrer em solidão. Passo os dias prometendo calar-me e, mesmo diante da revolta, não sair desesperado à tua procura. Sei que é difícil, pois é difícil para mim também. Dói-me não habitar, conscientemente, os mesmos sonhos que sonhas à noite, mas hei de amansar as tempestades de meus olhos, pra seguir minha vigília... Na última noite as sombras chegaram mais perto.

Pelas noites tenho visto cada coisa, meu amor, as vezes penso que seria melhor orar para que o Senhor nos leve, pois não sei se existe proteção contra a perversão humana. Os fanáticos seguem festejando, agora mesmo posso ouvir o som de suas vozes pelas ruas. Enquanto escrevo estas palavras febris, sinto calor e medo. Será que o mundo realmente merece ser salvo? Apenas agradeço por ter encontrado a ti, antes que a morte me encontrasse, mesmo que apenas nossas almas saboreiem o romance. Meu corpo trêmulo se encolhe debilmente, as criaturas da noite estão aqui...

Rezarei, mais uma vez, ao pé da cama. Meu terço velho de tão usado está quente ou talvez seja o meu desejo ou talvez seja só a febre...  Não sei. Gritei seu nome bem forte em minha mente, que é pra espantar todos os males que me acossam e ver se assim eu durmo, em paz, só dessa vez. Todo delírio vai passar amanhã, Monelle, só preciso dormir.

Penaforte

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Ernesto #5

Ernesto,
Você diz para pintar o nosso amor, mas sinto que foi o que fiz a vida toda, agora choro e odeio minha posição de oráculo, jamais teria pintado a morte se soubesse esta ser o retrato de nós dois. Apesar de toda minha desesperança, tenho tido sonhos cada vez mais vívidos com você, neles te toco, sinto a textura da sua pele e seu calor febril, mas seus olhos continuam a brilhar em sua loucura de poeta herói, que vence a morte pra buscar sua amada. Vivemos tantas aventuras em minhas noites, que rezo para que meu poder de premeditação esteja no onírico e não nas imagens que surgem em minhas telas. Mas de qualquer forma, em meio a tanto horror e sofrimento, não consigo mais negar que já me entreguei em alma a você, sou sua e se este for realmente o seu fim, o meu virá em seguida e meu último desejo será ter o meu corpo enterrado sobre o seu, para que os vermes partilhem nossa carne em um banquete, até nossa matéria se tornar uma, e que da terra fertilizada por nossas vísceras nasçam as mais belas flores, escarlates do desejo que não desfrutamos em vida.
Monelle