sexta-feira, 27 de março de 2020

Ernesto #4

Seriam todos os poetas cegos? Pois parece a mim Ernesto, que você nada vê, que és constantemente um flâneur a ouvir a arrebentação e sentir o cheiro do manjericão que exala no orvalho, vives a pensar palavras sem nunca as contemplar, deixando ressoar apenas sua musicalidade no fundo de teu crânio. Queria eu com uma lâmina cortar-lhe a carne em cem aberturas eternamente doloridas chamadas olhos, essas aberturas eternamente cruéis e salgadas, que não perdoam e não permitem ilusão, mundos românticos, em que eu e você iremos dividir um quarto, partilhar o mesmo ar, ar que nos falta sem a presença um do outro, seremos eternamente suspirantes, incompletos, aterrorizados pela ausência, nossa pele continuará virgem em sua maldição, nunca seremos sombra porque nunca haverá sol para raiar a luz que iluminará o nosso amor, amor natimorto.
Monelle

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