sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Tu Tens Um Medo

"Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo dia.
No amor.
Na tristeza
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.
Não ames como os homens amam.
Não ames com amor.
Ama sem amor.
Ama sem querer.
Ama sem sentir.
Ama como se fosses outro.
Como se fosses amar.
Sem esperar.
Tão separado do que ama, em ti,
Que não te inquiete
Se o amor leva à felicidade,
Se leva à morte,
Se leva a algum destino.
Se te leva.
E se vai, ele mesmo...
Não faças de ti
Um sonho a realizar.
Vai.
Sem caminho marcado.
Tu és o de todos os caminhos.
Sê apenas uma presença.
Invisível presença silenciosa.
Todas as coisas esperam a luz,
Sem dizerem que a esperam.
Sem saberem que existe.
Todas as coisas esperarão por ti,
Sem te falarem.
Sem lhes falares.
Sê o que renuncia
Altamente:
Sem tristeza da tua renúncia!
Sem orgulho da tua renúncia!
Abre as tuas mãos sobre o infinito.
E não deixes ficar de ti
Nem esse último gesto!
O que tu viste amargo,
Doloroso,
Difícil,
O que tu viste inútil
Foi o que viram os teus olhos
Humanos,
Esquecidos...
Enganados...
No momento da tua renúncia
Estende sobre a vida
Os teus olhos
E tu verás o que vias:
Mas tu verás melhor...
... E tudo que era efêmero
se desfez.
E ficaste só tu, que é eterno."

Cecília Meireles

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Quatro Eras

Primeiro foi o tempo da força, o tempo onde cada homem lutava pelo que julgava ser seu com as próprias mãos. Um tempo de praticidade, pouca posse e pouca vida. Um tempo onde era comum a despedida.

Depois veio o tempo das mentes, quando as guerras só podiam ser vencidas com muita inteligência e estratégia. Livros, pouca paz, sabedoria. Um tempo de gênios, luzes e alta magia.

Por fim abateu-se sobre nós o tempo da ignorância, um tempo que quem menos sabe mais é valorizado. Dignidade e confiança não são mais postas a prova, conquistadas e perdidas.
São compradas e vendidas.

Mas virá, na hora certa, um tempo de simplicidade, o tempo das almas puras, corações grandes, espírito. Um tempo de contatos e grandezas, olhares e sutilezas. Um tempo que estagnará.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Conveniência

São os últimos momentos
Os últimos suspiros de algo que já parece morto
Então, eu busco o porto
E espero que outros caminhos se façam com os ventos


Não há porque sustentar o que já desabou
Segurar o peso de tua culpa em meus ombros
Se meu desejo que era forte já se apagou
Nosso amor aos poucos se reduz a escombros

Não somos mais o que éramos a alguns meses
Ainda podemos tentar acertar algumas vezes
Mas talvez errar seja melhor pra nós dois
Pra ter de fato algo pra corrigir depois

Nós buscamos perfeições inexistentes
Nos queremos tanto de formas incoerentes
Esperamos mudanças e consolidações
Esquecemos lembranças e emoções
Somos o resto de anos de insistência
Em busca de um sentimento por conveniência

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Sintomas

Eu criei isso pra mim
Essa solidão, essa amargura
Quis assim, do início ao fim
Agora eu alimento a criatura

Me protegi com essa mentira
Que me empurrou pra esse abismo
A queda é a justificativa
Que encontrei pro meu sofismo

Essa doença que me toma
Dia após dia, não tem cura
Essa tristeza é só sintoma
Faz de mim essa gravura
Depois que eu acordar do coma
Talvez retome a compostura

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Da Volta

Mais uma vez eu me entrego
E sem nem saber a que
E mais uma vez eu não nego
Justamente por não saber o porquê

Mas não espero por nada
De mim e nem de você
Vou a guerra sem escudo e espada
Pronto pra mais uma vez perder

Me perco em outra cidade
Que eu já nem lembro qual
Só pra te ver, mais ninguém
Estranho é ter tanta vontade
Pra lutar pelo que me faz mal
E não aguentar o que faz bem

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Intangível

"Quero-te como quero à abóbada nocturna,
Ó vazo de tristeza, ó grande taciturna!
E tanto mais te quero, ó minha bem amada,
Por te ver a fugir, mostrado-te empenhada
Em fazer aumentar, irónica, a distância

Que me separa a mim da celestial estância.
Bem a quero atingir, a abóbada estrelada,
Mas, se julgo alcançar, vejo-a mais afastada!
Pois se eu adoro até - ferro monstro, acredita! -
O teu frio desdém, que te faz mais bonita! "

Charles Baudelaire

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Ano Novo

De volta dos dias em que as noites tinham fim
Trago sorrisos e tristezas, várias incertezas
Trago um pouco de tudo que resta de ti em mim
Trago inimigos e belezas, inúmeras riquezas

Já sei de cor as vias em que as pessoas são ruins
Com mapas de fortalezas não me perco mais aqui
Andei só por tantos dias, só eu e meu bandolim
Perdi a conta das durezas que passei por ti

E toda a solidão que eu ainda vou viver
Que venha com a certeza de que vai passar
E pra toda a razão que eu perdi por você
Que eu tenha a firmeza pra reconquistar

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Lábios

Ele não tinha algo para chamar de lar
Ele não tinha um horizonte definido a visitar
Ele estava cansado.

Passava superficialmente em cada lugar
Nunca tivera raízes e as queria
Nunca fora notado, mas como se achava bonito.

Ele cantava.
Um grito silenciosamente alto
Queria um amor.
Mas ele estava cansado.

Viajava por todas as luas.
Preenchia linhas imaginárias.
Estava em todo lugar e ao mesmo tempo não estava.

Sussurrou...
Sussurrou...
Sussurrou...

Ele se apaixonou.
Encontrou um rosto para acariciar.
Lábios que beijavam suas canções.

Até o vento tinha alguém para amar.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Soneto de Dezembro

Todo sonho morre um dia
Toda vontade vai embora
Mesmo com toda a demora
Todo grito silencia

Toda certeza fica incerta
Toda beleza se apaga
E a esperança fica vaga
Quando o coração aperta

Mas o que se vive de verdade
Não nos deixa num instante
Como um desejo que tem fim
Permanece então saudade
E a dor contagiante
Que é você, dentro de mim

Amadurecência

"A poesia prevalece

O primeiro senso é a fuga.
Bom...
Na verdade é o medo.
Daí então a fuga.
Evoca-se na sombra uma inquietude,
uma alteridade disfarçada,
Inquilina de todos os nossos riscos...
A juventude plena e sem planos... se esvai
O parto ocorre.
Parto-me.
Parto-me.
Parto-me.
Aborto certas convicções,
Abordo demônios e manias.
Flagelo-me.
Exponho cicatrizes
E acordo os meus, com muito mais cuidado,
Muito mais atenção!
E a tensão que parecia nunca não passar,
O ser vil que passou pra servir...
Pra discernir...
Harmonizar o tom,
Movimento, som.
Toda terra que devo doar,
Todo voto que devo parir,
Nunca dever ao devir,
Nunca deixar de ouvir...
com outros olhos."

Fernando Anitelli

sábado, 18 de dezembro de 2010

Melhores Dias

"Devolva as verdades que eu inventei
Devolva a paz que eu fingi não ter
E todas as noites mal dormidas
Devolva as cartas de despedida

Devolva o silêncio que me irritou
Devolva todo o meu tormento
Devolva enganos, ressentimentos
Devolva tudo e não esqueça nada

Me deixe em paz pra morrer de amor

Devolva os danos que eu te causei
A minha carne presa em teus dentes
Devolva todos os meus pecados
Meu coração mesmo que em pedaços"

Renato Godá

Cabaret

Em meio a tanta música
Cigarros, whisky, pouca luz
Versos ruins
Bêbados condenados
A vida noturna que não acaba
Não começa, não tem fim
As marcas vermelhas de batom

Minha vida é múltipla
Cigarros, whisky, minha cruz
Dias ruins
Poemas apaixonados
Carta soturna da estrada
Que não começa e não tem fim
Esperança de mudar de tom

Sua presença é única
Cigarros, whisky, tua luz
Em botequins
Homens entregados
A taciturna vida passada
Que atravessa, passa por mim
Procurando algo de bom

Entro em metafísica
Cigarros, whisky, o que isso induz
Os bandolins
Sons sujos, embaçados
A vida noturna acabada
Que recomeça e vai ter fim
Que nasce e morre em som

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A Quem Só Se Contradiz

Esqueça os versos que lhe fiz
E toda voz e qualquer som
E tudo o que restar de bom
E tudo o que a gente quis...

Tua verdade já não condiz
Com a realidade que nos prende
Dia após dia o amor se rende
Aos teus inúmeros perfis

Permaneço um aprendiz
Do seu domínio inconsciente
Permaneço um inconsequente
Perante ao que a vida diz

Descontruo tudo o que fiz
E levo embora a cicatriz
Cansei da vida por um triz
Que só assim te faz feliz

Atualidade Emocional

"Ora veja… é o que sempre acontece às pessoas românticas: enfeitam uma criatura, até o último momento, com penas de pavão, e não querem ver, nela, senão o que é bom, muito embora sentindo tudo ao contrário. Jamais querem, antecipadamente, dar às coisas o seu devido nome. Essa simples idéia lhes parece insuportável. A verdade, repelem-na com todas as forças até o momento em que aquela pessoa, engalamada por elas próprias, lhes mete um murro na cara"

Fiódor Dostoiévski

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Loucos e Santos

"Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril."

Oscar Wilde

Algum Lapso de Compreensão

Talvez a noção do perigo tenha se perdido
Talvez nem exista razão
Talvez seja orgulho ferido, desmedido
Ou talvez seja simples paixão

O fato é que ainda andamos sozinhos
Vagando entre o sim e o não
Ainda buscamos avisos e caminhos
Qualquer indício de fim pra solidão

Talvez nosso tempo passe veloz
Talvez sobre a falta de convicção
Talvez ainda não entendemos o "nós"
Talvez falte espaço no teu coração
Talvez nosso destino pareça atroz
Mas isso é parte da nossa (in)decisão

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Crônico Irônico

Tantas fases já passadas, tantos dias pra lembrar
Tantas certezas apagadas e várias outras pra mudar
Tantas noites mal dormidas, tentando te esquecer
São tantas rotas divididas para a gente se perder

Ainda não sei onde erramos, nem sei ao menos se acertamos
Talvez o que nós dois amamos seja ver tudo esvaecer
Nem sei se nos esforçamos, se tentamos entender
O que pra nós se parecia com o sentido de "alguém ter"

Acho que nosso problema sempre foi o que nós éramos
Maravilhosamente errados um pro outro,
Terrivelmente certos separados.

Talvez nosso maior erro
Foi ter tentado acertar
O que era bem melhor errado

sábado, 11 de dezembro de 2010

Os Baralhos dos Coringas

Há tanto tempo eu digo que vou voltar a ser quem era. Acho que já nem lembro mais dos detalhes que me formavam e eram a ilustração do mundo em minha alma.
Digo tanto que vou tomar coragem pra mudar todas as coisas que, há muito, me incomodam em mim mesmo. Ironicamente, hoje nem ao menos tenho a coragem pra conversar com os outros sobre essas coisas que me incomodam.

Aos poucos criei uma imagem de mim mesmo que de forma alguma corresponde com a realidade. Impus respeito pelo temor, criei vínculos por conveniência e os fortaleci pela necessidade, necessidade que tinha de não estar só, mesmo jamais estando inteiramente acompanhado, e uma necessidade que os outros tinham do que eu podia lhes dar, seja isso uma dose de algum conhecimento oculto, que por alguma razão só eu tive acesso, ou outro motivo qualquer.
Engraçado, é ver como isso aos poucos se tornou também a imagem que eu tinha de mim mesmo.
A ocasião fez de mim um personagem que eu abracei e ainda hoje não penso em largar.
A ocasião me fortaleceu, me deixou impenetrável. Não sinto nem os meus sentimentos e, por isso, não enxergo nada que venha dos outros.

Transformaram-me em um líder que eu sempre quis ser por motivos que eu nunca escolhi. Hoje lido com feridas que causei em mim mesmo, atacando o espelho.

Cada pessoa que tirei da minha vida saiu como uma carta que sai do baralho. Unitariamente nenhuma delas me fez falta, mas aos poucos já não haviam cartas... Só coringas, que eu nunca saberei se estão no meu jogo ou se jogam comigo.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Se Par Es

Havia um sonho e seus pilares
E mil estradas de saída
Haviam rostos e olhares
E a consciência dividida
Haviam medos e pesares
E alguma alma deprimida
Haviam valsas e certos pares
E um belo ritmo pra vida

sábado, 4 de dezembro de 2010

Escrevo-te com lábios de saudade

Mergulhada nos olhares absortos que te gritam

Seu perfume paira procurando meu corpo só


Vem e pinte um sorriso em meu rosto

Abraça forte minha alma para que ela fique cheia de ti

Ela quer voar, se elevar.


Quero contigo tecer sonhos.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Versos

"Versos! Versos! Sei lá o que são versos…
Pedaços de sorriso, branca espuma,
Gargalhadas de luz. cantos dispersos,
Ou pétalas que caem uma a uma.

Versos!… Sei lá! Um verso é teu olhar,
Um verso é teu sorriso e os de Dante
Eram o seu amor a soluçar
Aos pés da sua estremecida amante!

Meus versos!… Sei eu lá também que são…
Sei lá! Sei lá!… Meu pobre coração
Partido em mil pedaços são talvez…

Versos! Versos! Sei lá o que são versos..
Meus soluços de dor que andam dispersos
Por este grande amor em que não crês!…"

Florbela Espanca