terça-feira, 31 de agosto de 2010

Antífona

"Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras

Formas do Amor, constelarmante puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas ...

Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...

Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...

Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.

Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.

Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.

Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...

Cristais diluídos de clarões alacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...

Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...

Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte..."

Cruz e Souza

Penúltimas Notas

Há dias que simplesmente não acabam...
As nuvens parecem não se mover
O Sol não quer descer, a Lua não vai nascer
As palavras, as pessoas, desabam.

Sentado em meu abismo virtual
Eu me repito em cada ritual
E é tão igual, até o que se muda
Essa constante necessidade de ajuda

Essa busca pela imperfeição
Pelo humano racional sem razão
Pelo sentimento essencial
Que não é da essência real
Já me levou longe demais
Por enquanto quero paz

Distancia dessa maré de eus
Que transbordam de mim
Distancia de espectros seus
De tudo que não me pertence enfim

De tudo que foi, tudo o que era
De tantas vidas vistas pela janela
E ainda assim buscar por ela
Aguentar toda essa espera

Porque o que há de imperfeito
Me basta por um momento
E o que guardo como defeito
Talvez seja só alimento
Pra uma chance de mudança
Alguma sutil e suja esperança

domingo, 29 de agosto de 2010

É... Morena

Por que é que tudo tem que ser assim?
Digas, se sabe morena...
Sei. Sei que algumas pessoas de alma tão pequena,
Já lhe golpearam o coração
E ainda assim com alma plena
Usa tanto de tua razão

Mas diga-me se puder, morena
O que há de errado com esses tolos
Que teimam em lhe destratar?
Tantos foram... já nem contas
E de você restaram pontas
Pedaços pra se concertar

O que há de errado com eles?
Será um mau jeito pra se amar?
Será que já não sabemos nada
Ou tudo que era já não vale?
Se souberes, por favor, me fale
Se é que há resposta tão caçada

Já nem sei por onde ir
Nem espero que me sigas
Só que enfim consigas
Alguém que te mereça realmente
Que lhe tome com vontade, amor ardente
Ou que só te faça sorrir

Despertar é Preciso

"Na primeira noite eles aproximam-se e colhem uma Flor do nosso jardim e não dizemos nada.
Na segunda noite, Já não se escondem; pisam as flores, matam o nosso cão, e não dizemos nada.
Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, Já não podemos dizer nada.
"

Vladimir Maiakóvski

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O Cego, Surdo e Vivo

Reler o que se escreve sobre a vida é uma tarefa difícil.

Era um dia comum. Era cinza, como todos os dias naquela bela cidade. Chovia... Algo próximo de uma garoa bem fina, como sempre. Todos passavam sem reparar em quem ficava para trás. Na verdade todos passavam sem reparar em nada. Uma constante meditação que consistia na simples tarefa de olhar para a ponta do próprio nariz e assim esquecer todo o mundo a sua volta, mas é claro, sem a parte de olhar para a ponta do nariz.

Dentro do meu mundo solitário eu observava o caos da rua em frente. Essa triste pintura que surgia na minha janela. Não sei se as janelas estavam sujas, mas o céu estava cinza, assim como tudo lá fora. O vapor do meu café embaçava meus óculo, talvez isso tenha mudado um pouco as cores do mundo lá fora, mas o importante não é nada disso. Enclausurado nessas grades que são meus pensamentos relia tudo o que já havia sido escrito pra ela.

"Por que será que é sempre igual?
O homem espera o fim pra tentar entender o princípio... Espera tudo dar errado para começar a considerar que errou... Espera não ter chances para começar a tentar.
E ainda assim quando tudo dá errado, nossa primeira atitude é contar pra todos a nossa volta todos os detalhes sobre tudo o que aconteceu. Será que existe alguma necessidade de explicar aos outros sobre sua vida? Não, o homem conta passo a passo todos os seus erros para enfim tentar entender onde errou. Ninguém fala sobre seus problemas para os outros, o outro nessa situação é apenas um espelho, um retorno... um modo de escutar o que você nunca quis ouvir, de enxergar o que nunca quis ver...
De sentir o que você nem ao menos se preocupou em entender"


As pessoas me perguntam por que escrevo tantos desabafos.
Isso é apenas um modo de organizar as minhas idéias pra ver se me convenço sobre o que eu já cansei de convencer os outros.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Meu Eros e Psique

Por enquanto é isso... Mas pode aumentar.

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Havia a muito um rapaz
Jovem, porém vivido
Falante e tal qual contido
Muito, muito tempo atrás

Havia também outra metade
Dama, rainha de suas ilusões
Chama, ardia em seus corações
Não pede lugar... Invade.

Eros e sua psique
Entre eles um mundo
Um instante, um segundo
Um abismo... Um porquê

Dizia um Eros alterado
“Queria ser como tu és
E poder enfim mover meus pés
E assim te deixar de lado”

“Queria ainda te querer
Ter um desejo sincero
Ou ter lhe um pouco como quero”
Chorava, sua Psique

Sofria Eros, amargurado
“Veja como lhe amo
Ouça o quanto lhe chamo
Sinta como tenho mudado”

“Será que isso já não basta?
Esse amor descontrolado
Um vício tão desenfreado
Essa paixão tão vasta?”

“Verá-me sofrer sem fazer nada?
Entrego-me e você se esconde
E ainda assim não me responde
Sobre essa dor tão impensada”

Psique se desespera
“Eros... Pense em mim agora
E não vá embora, como outrora
Fostes, deixando-me na primavera”

Mas Eros não pensa só nela
E sim na tristeza que sentia
E no mundo lá fora, suposta alegria
Foi embora, deixando sua bela

Eros e Psique

"Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia. "

Fernando Pessoa

domingo, 22 de agosto de 2010

Eu...

"Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho,e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!"

Florbela Espanca

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Café, Cigarros e Tristezas

Acho que te vejo demais

Por essas ruas já cansei de andar
E me cansei de sentar
Em todo e qualquer bar
Apenas pra te esperar...

Não sei mais que horas são
E nem pra onde as pessoas vão
E só eu sei qual é a razão
Dessa insensata solidão...

E eu ainda te vejo em cada esquina
Em cada espelho eu te desejo
Em cada cigarro eu te devoro

E eu ainda seguro cada ruína
E a cada instante és tu que vejo
E é por ti que aqui imploro...

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Conversas de Bar

Mudanças Repentinas

Estávamos sentados, naquela mesa de sempre.
Fato no mínimo estranho pra mim - voltar a conviver com um grande amigo do passado que se revelou um grande amigo de hoje - e a conversa fluía como nos tempos passados. Costumávamos conversar sobre tantas coisas... Política, música, livros, teatro, sociedade... vida, principalmente a vida.

Devo admitir que nunca fui muito interessado nos rituais habituais de cada pessoa a minha volta, mas sempre me agradou a perspectiva de saber um pouco da vida de cada um. E ali estava ele, falando sobre tantas questões musicais que permeiam nossas vidas, quando um comentário escapou de minha boca:

_ Ando tão desiludido com música...

Desilusão é uma palavra usada frequentemente nas nossas conversas.

_ Cara... desilusão com música não existe, é tudo temporário, não se detenha por isso. Eu, porém, ando tão desiludido com as pessoas. Costumava ter tantos amigos e parece que só assisti o processo de afastamento de cada um, tudo mudou tão repentinamente...

_ Olha só, o mesmo aconteceu comigo, talvez em escalas maiores e de uma forma mais dolorosa. As vezes penso que ainda nem acabou. Acho que ainda não existe um remédio pra mudanças súbitas, mas se existisse as pessoas se matariam motivadas pelo tédio de tamanha monotonia.

_ Mas eu passei todo o meu ano passado com essas pessoas e elas se afastaram apenas por considerar que eu estava mais próximo de colegas da faculdade

_ O que posso lhe dizer é que devemos nos acostumar com essa grande estação de trem que é nossa vida. Tantos vão e tantos vem e um dia você irá também.

Brinde.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Retrato

"Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
Em que espelho ficou perdida a minha face?"

Cecília Meireles

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Convexando

Obsessão ou minha cura?
Tudo soa tão igual
Razão... cativante loucura,
Muito além de bem ou mal

Se através de algum reflexo
Enxergo um eu tão desconexo
Será só eu que estou errado?

Se o meu espelho no seu olho
É tudo o que eu não escolho
Será que o mundo tem girado?

Só solidão? Amargura?
Ou o mundo perdeu seu sal?
Teu coração já não me jura
Mente... meu inferno astral

Sons, sem alma, em anexo
Tua voz, minha falta de nexo
Sem jeito e sem lado

E agora nem planto... só colho
Diante de teus olhos eu encolho
Ninguém pra ver se tenho mudado...

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Participo Sendo

"Vou mostrando como sou
E vou sendo como posso,
Jogando meu corpo no mundo,
Andando por todos os cantos
E pela lei natural dos encontros
Eu deixo e recebo um tanto"


E cada passo marcado por pranto
Resulta depois em algum canto
A tristeza de um tempo, de um tanto
Nos passa como um tempo santo

E permaço sendo o que posso
Desprezando qualquer mundo nosso
Cada fato amargo, eu adoço
Lembrando de algum sorriso vosso

E essa lei natural dos encontros
Marcada por tantos desencontros
Por tanta gente que vem e vai
E eu ainda movo o meu corpo
Visando um alto, algum topo
Um céu só meu, que não cai

Trecho em itálico da música "Mistério do Planeta" dos Novos Baianos

domingo, 15 de agosto de 2010

Na eternidade de um instante

Tudo muda em um instante
E ninguém quer ficar parado
Mas um ser tão inconstante
Vai sendo aos poucos apagado


Ainda ouço a tua voz
Fantasiada em sutilezas
E ainda assim me privo
Por imensas incertezas

Ainda sinto tua presença
Rodeando a minha mesa
E ainda assim me privo
Dessa gigante beleza

Ainda penso no teu tempo
Em como tinhas razão
E ainda assim me privo
Me entrego a solidão

Ainda escrevo teu nome
Sem dar muita atenção
E ainda assim me privo
De tudo que remete a paixão

Arrisque
Apague a incerteza
Acorde o seu inativo
Porém grande, coração

Pra mim um uísque
Pra esquecer a frieza
Esquecer do que me privo
E me joga ao chão

Triste
É ver a tua tristeza
E ver que sou motivo
E não mais solução

Último Soneto

"Já da noite o palor me cobre o rosto,
Nos lábios meus o alento desfalece,
Surda agonia o coração fenece,
E devora meu ser mortal desgosto!

Do leito, embalde num macio encosto,
Tento o sono reter!... Já esmorece
O corpo exausto que o repouso esquece...
Eis o estado em que a mágoa me tem posto!

O adeus, o teu adeus, minha saudade,
Fazem que insano do viver me prive
E tenha os olhos meus na escuridade.

Dá-me a esperança com que o ser mantive!
Volve ao amante os olhos, por piedade,
Olhos por quem viveu quem já não vive!"

Álvares de Azevedo

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Poesia Rima Com Nostalgia Pt. 7

O tempo continua pra todos
E todos passam por mim
Aqui não há relógios
E nada parece ter fim

Julho... Divisor de tempos
Horas passam devagar
Mais compassos solucionados
Tudo pode enfim melhorar


Minha crueldade vulgar
Nos levou até o fim
É triste pra você
Mas as coisas são assim

Recobrei a consciência
Criei intento
Agreguei vontades
E chegou o momento

Agora sente-se, sinta-me
Veja os muros da paz
A sensação, senso, ação
Os mundos dos demais

E agora lembre-me
De tentar esquecer
De ser assim
Ou ao menos tentar ser

Veio fácil, foi embora
E agora, será que algo restou?
Engraçado a princípio
E veja agora onde estou

Mate-me, pelo menos isso
Não acabe com a confiança
Não me torture
Não tire a esperança

Lembre-se de como eu fui
Mesmo que por pouco
Velhos pros anos que consomem
Talvez apenas um louco

E eu me pergunto sempre
Qual o motivo, a razão?
E quando estava caído
Fostes chute ou mão?

Ou então, bem melhor
De onde veio tanto azar?
Nunca entendi como é
Essa tendência a piorar

O mundo passa na janela
E eu de longe, na moldura
No esquife, preso, cinza
Não diferencio o real da pintura

Aqui de sorriso morto
De face dura e gasta
Pra mim não há palavra
Pra ti só ela não basta

Não há exemplo em nada
A peça se dissolveu
Minha existência ocorre
O Mundo desapareceu

E ainda assim compartilhamos
A mesma vontade, violência
Presos na mesma tempestade
E sofrendo pela mesma essência

É preciso coragem
De seguir em frente
Não adianta só querer
Preciso enfim ser diferente

O tempo vai parando aos poucos
E os tempos já não tem fim
Aqui não há pressa
E nada sobra em mim

Julho... morto por tempos
Horas tendem a passar
Mais compassos mal contados
Tudo pode enfim desandar.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Giz

"Quero que saibas que me lembro
Queria até que pudesses me ver
És parte ainda do que me faz forte
E pra ser honesto só um pouquinho infeliz
Mas tudo bem, tudo bem, tudo bem"

Renato Russo

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Recordando

"Meu coração e meu olhar, em paz constante
Vivem a mutuar, agora, estreme agrado
Quando o olhar fome tem de ver algum semblante
Ou o coração a arder de amor se afoga ansiado

Do meu amor na bela efígie o olhar refaz-se
Da fome, e o coração com ele se banqueteia
Do coração também conviva é o olhar e, em face
Um do outro, tem os dois sonhos que o amor ateia

Ambos, assim, por meu amor, por teu retrato
Embora estejas longe, a mim te põem presente
Porque o meu pensamento, aonde fores, de fato
Irá, é porque estou nele e ele está em ti permanentemente

Se ele dorme, a tua efígie o coração me alerta
Para o gozo cordial e visual que desperta"

William Shakespeare, Sonetos

Motivo(ação)

Fácil demais é aceitar
Como parte do destino
Azar e sorte, um cassino.
Mudar, isso sim é jogar

Tristezas vem e vão
E há alegrias que não vem
Para causar algum bem
E assim passam em vão

Bem pior do que a mudança
É a contínua insegurança
De quem fica a esperar

Bem pior do que a morte
Talvez só depender da sorte
Para enfim se melhorar

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Longe de Ti

"Quando longe de ti eu vegeto,
Nessas horas de largos instantes,
O ponteiro, que passa os quadrantes,
Marca séculos, se esquece de andar.
Fito o céu — é uma nave sem lâmpada.
Fito a terra — é uma várzea sem flores.
O universo é um abismo de dores,
Se a madona não brilha no altar.


Então lembro os momentos passados.
Lembro então tuas frases queridas,
Como o infante que as pedras luzidas
Uma a uma desfia na mão.
Como a virgem que as jóias de noiva
Conta alegre a sorrir de alegria,
Conto os risos que deste-me um dia
E que eu guardo no meu coração.


Lembro ainda o lugar onde estavas...
Teu cabelo, teu rir, teu vestido...
De teu lábio o fulgor incendido...
Destas mãos a beleza ideal...
Lembro ainda em teus olhos, querida,
Este olhar de tão lânguido raios,
Este olhar que me mata em desmaios
Doce, terno, amoroso, fatal!...


Quando a estrela serena da noite
Vem banhar minha fonte saudosa,
Julgo ver nessa luz misteriosa,
Doce amiga, um carinho dos teus!
E ao silêncio da noite que anseia
De volúpia, de anelos, de vida.
Eu confio o teu nome, querida,
Para as brisas levarem-no aos céus.


De ti longe minh’alma vegeta,
Vive só de saudade e lembrança,
Respirando a suave esperança
De viver como escravo a teus pés,
De sonhar teus menores desejos,
De velar em teus sonhos dourados,
"Mais humilde que os servos curvados!
Inda mais orgulhoso que os reis"!


Ó meu Deus! Manda às horas que fujam,
Que deslizem em fio os instantes...
E o ponteiro que passa os quadrantes
Marque a hora em que a posso fitar!
Como Tântalo à sede morria,
Sem achar o conforto preciso...
Morro à míngua, meu Deus, de um sorriso!
Tenho sede, Senhor, de um olhar."

Castro Alves

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Tédio

Regulares suspiros fracos
Olhos que nada enxergam
Dedos que já não pecam
Sonhos se tornam opacos

Limita-se ao céu escuro
Já não quer mudar nada
Nem empunhar uma espada
Não quer um desejo puro

Dos outros não espera
Nada além da solidão
Do silêncio em conjunto

Com futuros não coopera
Se contenta com o não
E com a falta de assunto

domingo, 8 de agosto de 2010

Aos Que Passam Em Nossas Vidas

"Cada um que passa em nossa vida passa sozinho...
Porque cada pessoa é única para nós,
e nenhuma substitui a outra.
Cada um que passa em nossa vida passa sozinho,
mas não vai só...
Levam um pouco de nós mesmos
e nos deixam um pouco de si mesmos.

Há os que levam muito,
mas não há os que não levam nada.
Há os que deixam muito,
mas não há os que não deixam nada.

Esta é a mais bela realidade da vida...
A prova tremenda de que cada um é importante
e que ninguém se aproxima do outro por acaso..."

Antoine de Saint-Exupéry

Sonhos Invisíveis

Surgiu.
Lentamente.
Mistificada.
Atraente.

Sutil.
Passava levemente.
Não guardava nada.
Inconseqüente.

Sorriu,
E o mundo de repente
Deu a volta errada.
Indiferente.

Agiu.
Como serpente.
Preparada
Para o bote eminente.

Seguiu.
Passos pra frente.
Sua alma machucada.
Sua pele ardente.

Subiu
O inexistente,
Em sua escada
Incoerente.

Caiu.
No meio da gente,
No meio da estrada,
No meio da corrente.

Fugiu.
Com medo diferente
De nunca ser notada
Inocente.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Sombreiro

Envolvendo a mente

Escondida dentro de minha
Cabeça se encontra a liberdade
Ela voa livre e sem pressa...
Mas só volta muito tarde

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Discreta e Formosíssima Maria

"Discreta, e formosíssima Maria,
Enquanto estamos vendo a qualquer hora
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos, e boca o Sol, e o dia:

Enquanto com gentil descortesia
O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança voadora,
Quando vem passear-te pela fria:

Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trota a toda ligeireza,
E imprime em toda a flor sua pisada.

Oh, não aguardes, que a madura idade
Te converta em flor, essa beleza
Em terra, em cinza, em pó, em sobra, em nada."

Gregório de Mattos

O Que Couber

Conflituoso em versos vagos
De mil dores muito humanas
E de certezas tão insanas
Um estranho em meio a magos

Colecionador de estragos
Trazia dentro das entranhas
Tantas sensações estranhas
Passos, vazios tão largos

De tanto estrago e desaponto
Ele ia passo a passo
Vivia cada dia um dia

De tanto amargo triste encontro
Ele carregava no braço
Tudo o que ele não podia

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Independas

Não dependes de mim
Nem sequer dependes
De um qualquer ruim
E assim, não aprendes

Não dependes de ninguém
E ainda não sabes dizer
Pra que lado pendes, meu bem
Nunca soubestes escolher

Não dependes nem de ti
De ninguém presente aqui
Enquanto todos dependem
De te ver sorrir
E de esperar em vão
Sua independente paixão