quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Brevemente

Quisera poder apontar-lhe em um só verso
Inúmeras questões que lhe afligem, pobre alma,
Pontuar, calmo, a série larga destes medos que cultivas
A ponderar, mineiramente, esta ressaca em tua vida
Que lhe acompanha, fielmente, desde outros carnavais,
Mas falta tempo.

Proponho tão somente a certa máxima,
Que tua esquiva prepotência já não poderás fugir,
Ao menos sabes de si mesmo, a ponto de não ter resposta
E, ainda assim, sentar-se a mesa com qualquer que te retruque?
Tu sabes que és o culpado por tua própria decadência,
Então porque dói tanto em ti que seja outro que lhe diga?

Te fizestes herói, detetive, errante, mesmo quando sabias
Das respostas desde o início, alimentando a ficção, recriando
Cenários a troco de nada - quer dizer - a troco de muito tempo,
Permanentemente jogado fora, enquanto tu, ó pobre vítima,
Chafurdava nesta lama, com o gosto pecaminoso da indiferença,
Farta sobremesa ao teu azedume, este desgosto que emulas.

Digo-lhe que erga-te, de que maneira não me importa,
Mas dá-me certa ojeriza ver-te tão largado às traças,
Tu, que outros ainda teimam em defender, sem ter razão,
Tu que despencas, de propósito, sempre do mesmo 
Precipício, só por saber que após a queda, a cama
Quente ainda te espera.

Trata de ser forte, que nem mesmo a fantasia
Concebe este teatro, este retrato mal tirado
De tuas velhas intenções, conto antigo, adulterado,
Em que se retira a essência arquetípica proposta,
Pasteurizando toda a trama pra vender uma moral
Que nunca te disse nada, convenhamos.

Pobre herói...
Que preso à sina de salvar qualquer donzela
Se afoga em drama e desvirtua a própria sorte,
Até restar somente o espelho objetivo
Que só reflete eternamente uma questão:
Salvas a ti ou esta que tu mal conheces?


quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Protesto ao vento

                                    à amiga Viviane Joslin


Tu e eu éramos outros, 
Jovens e impetuosos, diante de uma estrada longa
E de temperamentos mais curtos do que, em geral, considera-se certo.
Do alto de um praça alta, observando a cidade baixa,
Com um senso de nobreza - que há tanto nos deixou -
Sentados frente a frente, como quem prestava-se a observar sinais de fogo,
Mesmo que tudo que enxergássemos fosse apenas fumaça,
Provavelmente dos cigarros já queimados
Ou das ideias exploradas em excesso
[Como sinto falta dos excessos],
Debatendo concertos e comédias, os meus desacertos
As tuas tragédias.

Tu vinhas, brisa leve, de caprichos peculiares
E eu todo ventania, soprando forte as tuas certezas,
Deste acaso fez-se encontro e todo vento veio ver,
Que da sarjeta mais suja desta Rua Sergipe
Nasceu um belo monstro, de grandeza até então desconhecida,
Mas que já prometia o caos
E a fúria, em todos os seus empreendimentos.
De fato nosso encontro incomodava muita gente,
O que tornava tudo deveras divertido,
Aos teus sacros olhos cor de mar
E às minhas tempestades e ondas nos cabelos.

Depois deste tornado, havia ainda tempo para repousos,
Intervalos usados para aprofundar o lobby gratuito que fazíamos
Em defesa de uma vida sem valores,
Cruzando bares, praças e avenidas, convencendo a todos que nada
 - e ninguém -
Poderia convence-los de qualquer coisa, pois nosso objetivo nunca fora este,
Apenas oficializar uma forma menos nociva de levar as coisas,
Em que a pressão do meio não nos atingisse,
Ou ao menos não nos importasse.

Em outras noites reuníamos neste velho centro,
Deixando-nos tomar por uma buliçosa angústia,
Sentimento intrinsecamente mineiro, mas que preenchia teu ser paulista
E meu coração capixaba,
Um tédio daqueles bares e das tantas faces repetidas,
A ti - e a ti somente - ainda despontava um interesse diariamente renovado,
Pela vida, pelas narrativas, por estes pobres condenados,
E quando vinhas, com estes teus olhos brilhantes, me contar das tuas aventuras,
De safanão resgatava-te antes que fosse tarde
E tu caísses de paixões ou desajeitos, coisa muito sua.
A mim não interessavam os outros,
A não ser que os outros fossem tu ou 
Penaforte, algumas vezes o Inácio e a Cruz de Sá,
E quiçá aquele outro amigo, o tempestuoso,
A que chamo Oliveira.

E por longos anos nutrimos estas poesias dolorosas,
Entre sonhos e pesadelos - talvez até alguma realidade -
Nos encontramos diversas vezes, quando os astros convergiam
Ao encontro de Gêmeos e Libra. 
Pouco sei - e nada me importa - destes fenômenos astrológicos,
Mas reconheço a importância das estrelas em minhas noites,
Principalmente nas noites que passamos juntos,
Eu e tu.
O que fizeram de nós, amiga?

Tanto vento nos levou a outras vidas, novos endereços,
Cada vez mais distantes, tornaste-te senhora de si,
De pensamentos alinhados e teorias que não entendo bem,
Eu retomei o tédio de minha Vila Velha, e tenho escrito 
Estas memórias sem forma, deixando-me levar, principalmente,
Pelo sopro da afetividade.
Já nem mesmo me importa o que, de fato, vivemos juntos,
Há quem diga que tudo isso não passa de ficção,
Mas nós estávamos lá, guardo com carinho o teu sorriso sombreado,
As cifras tatuadas em tua mão esquerda,
E a torpe sensação de ter deixado o tempo passar,
Sem ter ao menos escrito um protesto ao vento,
Que nos uniu, mas também nos separou.


Já fazem tantos anos, tu e eu éramos outros.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Os Sensatos

Dizem por aí que pensas em fugir
Pensas em criar estrada aonde o sonho já não chega,
Que se assustou com a correnteza, com as certezas a ruir,
E agora busca um outro palco pra tua tragédia grega.

Dizem por aí que tu já fostes outro homem,
E que entrou nestes buracos, pois sabia achar saída, 
Hoje a luz não chega ao fundo, hoje medos lhe consomem,
E os amigos bem duvidam da figura tão sofrida.

Dizem por aí que tu perdestes as chances,
E que não vai ter outro jeito, que o tempo vai cobrar,
Vai tirar o teu conforto, vai matar outros romances,
E acabar com toda forma que tens pra recomeçar.

Mas que chance tens se tu aceitas?
Se te rende às maldições e às consequências de teus atos?
É melhor tentar a glória que viver só de suspeitas,
É melhor ser doido e só que viver entre os sensatos.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Domador de Destinos

Encantador de demônios, tu, domador de destinos,

Filho de abismos e sonhos, distantes, mas tão parecidos,

Perdidos, teus planos e enganos, perdidos, teus poucos caminhos.

Forjado, trocado e esquecido, tu segues agora o teu próprio instinto.


Basta falar de si próprio, não bastam os séculos idos.

Não bastam revoltas e tramas dentro dos ciclos que tens repetido.

Basta amar teu monótono e óbvio utópico desfecho escolhido,

Nunca cumprido, trâmite interno, que a ti soa tão específico.


O futuro não aguarda ninguém, sobrepõe-se, insolente, ao presente,

E tu, que és tão conivente, nem sabes que vens permitindo,

O ar vai aos poucos sumindo, os medos vão te consumindo

E preso em delírios de feras, tua alma se vai diluindo.


Quem brinca com fogo se queima, quem ora por sombras se apaga,

Quem tudo quer, ganha nada, e, disso, tu já sabes bem...

Benção é a noite de sono, glória é o sol da manhã,

Graça é ser quem tu és, a despeito do amor de outrem.


Eras sobre eras se somem, pelo poder que o tempo tem,

Tudo que passa cumpre o propósito e poucos enxergam além.

Orfeu se perdeu por bem menos e tu ainda olhas pra trás,

Mais vale esta dor que te faz recordar daquilo que vives também.


Falta-lhe apreço, gratuito e sincero, por si, por sua história, por tudo,

A estrada tomada é difícil, mas o chão foi por outros batido

Alegra-te por estares vivo, as chances, de certo, virão

Crê, sobretudo, em tua força, esquece os pecados já cometidos.