quarta-feira, 31 de março de 2010

Equilibristas

"A paixão aumenta em função dos obstáculos que se lhe opõe."
Shakespeare

Existe uma porta que eles sempre quiseram reabrir, com certa falta de jeito - Aquela daqueles que acreditam que um raio pode cair duas vezes no mesmo lugar e que os homens podem errar duas vezes o mesmo passo.

Ele já tinha estrada, ela apenas pés dispostos, mas despreparados.
A tal porta, como que por crueldade rangia para os dois lados, mas sempre parava no mesmo lugar, alinhada ao seu eixo. Perfeitamente fechada.
Só para aumentar o desespero dos dois e a impaciencia dele

Ele não negava já ter dado as costas a porta, mas não sempre, também havia se atirado a porta tentando arromba-la. Falta de paciência. Ela tentava da mesma forma, mas não sempre, algumas vezes havia se distraido por alguma janela ou outra voz dentro do cômodo.
Quando o sangue dos dois acabou a porta se abriu.

Agora os dois estavam no chão, mas não estavam mortos, e a porta aberta.
Chegaram no ponto que queriam e lá estava ele de pé, mas ele não podia invadir o quarto dela, a vida dela.
O caminho estava livre, mas eles só podiam se encontrar na porta, um não podia ultrapassar o limite do outro, nem o seu próprio.

Mas agora ela não tinha forças para continuar e ele só podia olhar.
Ele não podia se atrever a ajuda-la, não podia quebrar as regras da casa.
E agora ele estava lá, de peito aberto, sangrando descontroladamente e ela já não tinha o que sangrar.

Em seu instante de maior desespero ele entendeu que mesmo que as portas se abram de nada valhe se os dois não se postarem nos seus limites para se encontrar. A porta só se abriria no momento em que os dois tentassem juntos ou falhassem juntos, mas essa sincronia jamais existira.

Faltou a harmonia que faria com que os dois se fantasiassem de equilibristas e andassem pela tênue linha que os dividia, um de encontro ao outro. Faltou a vontade mútua e verdadeira, pois só haviam momentos de cada um, nada dos dois.

"As palavras são como os patifes desde o momento em que as promessas os desonraram. Elas tornaram-se de tal maneira impostoras que me repugna servir-me delas para provar que tenho razão."
Shakespeare

terça-feira, 30 de março de 2010

Versos Sem Som

Pra cada dia passado ao sol
Uma cicatriz, uma queimadura
Pra cada dia passado a sos
Aumenta a solidão e a amargura

Para cada dia em silêncio
Fere a garganta, palavras silenciadas
Para cada dia vagando nas ruas
Rostos em branco, tristes caminhadas

Para cada soco no espelho
Menos uma parte de mim
Para cada ego ferido
Mais um passo pro fim

Para cada verso sem som
Mais um grito contido
Para cada canto sem tom
Mais um coração partido

segunda-feira, 29 de março de 2010

Cântico aos Bêbados

Encostados em cada mesa
Ou jogados pelo chão
Na alegria e tristeza
Regamos nossa ilusão

Pelos becos e avenidas
No meio de qualquer quarteirão
Apagando nossas vidas
Entre a rua e a multidão

A cada brinde sem razão
A cada gole em sincronia
Um a cada decepção
Esquecendo a agonia

Enfeitando cada praça
Estamos em qualquer lugar
Bebendo de taça em taça
Ainda é cedo pra parar

A cada esquina que se passa
Garrafas pela metade
De cachaça ou desgraça
Necessária insanidade

A cada brinde sem razão
A cada gole em sincronia
Um a cada decepção
Esquecendo a agonia

domingo, 28 de março de 2010

Doce Amargura

Minhas escolhas só eu tomo
Só eu sei o meu melhor
Se o que fazes pesa os ombros
Sei de ti tudo de cor

Do meu amargo só eu sei
Só eu trilho meus caminhos
E desse, árduo, que trilhei
Só eu conheço os prejuízos

Não tente me beneficiar
Haja enfim só por você
Não ache que iras melhorar
Não tente resolver
Que minha Doce Amargura
É você, crua e pura

sábado, 27 de março de 2010

Taverna

No fundo de mares. Eis a taverna. A taverna.
Por lá e ai eu encontro bêbados
Eu encontro boêmios em pares.
Eu encontro homens fora da lei.
Na taverna eu me encontro,
Eu vejo as mulheres
Que lindas raparigas !
Por todos os bares.
Lindas questionadoras:
-"Chi è?!"

Eu digo que sou o capitão do barco
para os franceses, Saint-eau
la goutte d’eau !
Eu digo que sou. O som do barco
Ich bin der Schiff heilig !
Der Finale.
Der Finale.

sexta-feira, 26 de março de 2010

O Caco do Esquecimento (Velho Amanhecer)

O Caco do Esquecimento

O esquecimento é o preço que ele paga pelos anos de negligência...
Pelos anos passados das amizades verdadeiras.
Em algum momento do passado ele era de fato amigo de seus amigos,
Hoje não é mais do que casualidade.


Esquecido

Sobre ser esquecido ele não sabia nada. Sempre vivera rodeado de amigos, seja por conveniência ou por vontade. Mas a medida que novos surgiam, os antigos iam se distanciando, sumindo, sendo esquecidos.
O tempo passou e o mesmo aconteceu com ele. Ele também haveria de ser esquecido.


Nada errado em tudo isso
É o preço que ele paga
Por ter sido sempre omisso
É lembrança apagada

O destino que o aguarda
É o seu próprio veneno
No seu mundo pequeno
De cidades solitárias


Esquecido, então sozinho
Em silêncio aprisionado
Sem companhia no caminho
Totalmente apagado...

quinta-feira, 25 de março de 2010

Colar

De três em três, de ano em ano
Seis partes em um só
Divididos nesse plano
Faço então papel de nó

Separadas dentro e fora
De mim e do mundo todo
Reunidas só por hora
Envolta do meu pescoço

Minha alma se divide
Entre duas muito amadas
Minha cabeça coincide
Com músicas acabadas
Me restaram duas belas
Meu coração, dou a elas

quarta-feira, 24 de março de 2010

O Caco do Transtorno (Velho Amanhecer)

O Caco do Transtorno

O transtorno apesar de enorme era único.
Único e ao mesmo tempo duplo, pois o transtorno o fazia equilibrar-se em um linha tênue e ele nunca havia sido um bom equilibrista.
O transtorno o levava a dois lugares ao mesmo tempo, a duas vidas ao mesmo tempo, e ele nunca havia tido a chance de escolher o que lhe parecia mais justo. O que parecia melhor.


A Linha

Cada passo dado em vão era um fim. Toda vez que ele se desequilibrava para algum lado instantaneamente as coisas ao seu redor acabavam. O transtorno tinha o impressionante poder de acabar com todas as suas conquistas com algumas palavras.

Transtornado e impreciso
Caminhando em tortos passos
Abismado ou indeciso
Vivendo em múltiplos traços

Eu te odeio, por favor, não me deixe...


Nada ao certo definia
A razão dessa agonia
Da tortura ou dia a dia
Todas raras alegrias
Pouca e fraca poesia
Acabo-me em nostalgia
Entrego-me a maresia
Novas raras alegrias

Transtornado e caminhando
Passos tortos imprecisos
Sobre o abismo vagando
Sobre traços indecisos

Eu te amo, vá embora
Não me deixe, por favor,
Não insista mais agora
Só, eu fico em estupor


A linha que me separa
De nós ou de mim mesmo
É a mesma linha na qual caminho
A esmo

terça-feira, 23 de março de 2010

O Caco da Solidão (Velho Amanhecer)

O Caco da Solidão

Esqueça meu nome e limpe as provas
O resto é silêncio


A solidão desses dias é forte
É fria
É mórbida
É bela e cinza


A Solidão da Alma


Dentro dele já não havia calor
Não havia mais vida
A solidão fechou as portas
Já não havia saída

O silêncio só não era maior que o vazio
A beleza da solidão
Pra cada beijo morto e abraço frio
Tudo morria em papel, inspiração

A solidão desses dias é dolorosa... Me destrói aos poucos.
Mas devo encarar como a vida que escolhi. O tempo de solidão é necessário,
A solidão é necessária,
O frio, a claustrofobia
O vazio, a nostalgia.
Tudo se fazia preciso e presente
Tudo são passos dados pra frente...


A solidão da minha alma é certa
Sofro pela escolha que tomei
A solidão da minha alma é bela
Sofro pelo caminho que trilhei
A solidão da minha alma é justa
Sofro por tudo o que lutei
A solidão da minha alma é pura
Minhas escolha definirão o que serei

Esqueça as provas e limpe meu nome
O resto é silêncio
Esqueça os atos e o resto some
Viverei em meu tempo

Erros

O certo e o errado sempre confundiram e se embolaram em um só. Merlin, o mago, estava a refletir sobre suas escolhas, se eram certas ou erradas.

"O que é certo?" Pensou Merlin, "o certo é o melhor para todos ou o melhor para mim?. Devo eu deixar de lado o que quero pensando no que é certo? Devo excluir de minha vida o que é errado?"

Afinal, quem decide o que é certo ou errado? E o que é certo para um é sempre o certo para todos? Será que existe de fato algo errado?

"As pessoas pensam sempre no que é melhor ou pior para elas, mas se confundem ao pensar que o pior é errado. O pior é certo também, nos ensina muito mais sobre atitudes do que o melhor."

"As pessoas erram muito nas escolhas de certo ou errado, de bem ou mal. Erram na escolha de exemplos. Pensam que alguém que viveu um pouco mais ou é mais lider que os outros nunca erra. Nós, magos, somos um ótimo exemplo disso."

A verdade é que nós, magistas, também erramos. Por sermos livres demais não aceitamos conselhos. Ninguém nos fala o que é certo ou errado, cabe a nós o destino incerto de tentar. Ninguém intercede por nós. Ninguém nos mostra como agir.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Laços e Amarras

Pra cada corrente que hoje me prende,
Um brinde.
Pra cada amarra em meus braços e pernas, pra cada porta e janela trancada, pra cada não que se recebe, pra cada sexta feira em que passamos assistindo TV,
Um brinde.
Pra cada mulher que passou e fez questão de só passar, e pra cada mulher que eu fiz questão que só pasasse,
Um brinde.
Pra cada amigo que me chama de amigo, cada amigo que eu chamo de amigo, pra cada amigo que chamo de inimigo, pra cada inimigo que eu chamo de idiota,
Um brinde.

Pra todos os que fazem parte do meu castigo de cada dia e pra cada pessoa que eu faço questão de ignorar em cada dia.
Pra cada laço e cada amarra que me prendem ao mundo e que graças aos deuses me prendem a vocês e graças aos meus demônios me prendem a vocês.
Brindes.

O Velho Caco da Solidão (Velho Amanhecer)

O Velho Caco da Solidão

A solidão daqueles tempos era a solidão barulhenta. Ele estava só no meio de todas as pessoas. Ele estava só no meio de todas as vozes. Estava só no meio de tudo e todos.


Solidão Desnecessária

No meio de todas as vozes ele estava sozinho
No meio de todas as pessoas ele estava em silêncio
No meio de todas as vozes estava o silêncio
No meio todo o silêncio, as pessoas...

Ele olhava pros lados e não via ninguém
Atrás de ninguém havia todo mundo
Mesmo com todos ao seu redor
Todos ao seu redor
Redor
Todos
Todos ao seu redor o tornavam só
Só ele no meio de todos estava sozinho


No meio de todo o silêncio não havia nada
No meio da solidão não havia ninguém
No meio de todos ao seu redor havia a solidão
No meio de ninguém continuava ele, sozinho

Só no meio de todos.

sábado, 20 de março de 2010

Outro Caco Único da Obsessão (Velho Amanhecer)

Outro Caco Único da Obsessão

Obsessão pelas frases
Palavras, sons
Versos e mil fases
Músicas e mil tons



Obsessão Necessária

Progressividade Alternativa Gótico Psicodélica
Existencialista Poética Samba Jazz Exotérica
Filosófica Clichê Cyber Xamã Roquenrol
Cult Pernambucana Arcadista Hindu Meio Retrô
Meio Deprê Sadomasoquista Aprisionado
Completamente Musical Sempre Meio Deixado de Lado


Versos sem nenhum sentido
Passos sem nenhum sentido
Caminho de uma Obsessão
Caminho para qualquer direção

Obsessão pelo som
Obsessão pela voz
Obsessão pelo som
Obsessão pelo nós
As letras
Expressões
As notas
Vibrações
Som
Som
Som e o Silêncio
Silêncio jamais
Um som a mais.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Um Outro Caco da Obsessão (Velho Amanhecer)

Um Outro Caco da Obsessão

A obsessão não tem consistência
Não tem limite algum
A obsessão é a mera existência
De qualquer homem, homem nenhum



Obsessão Obscura


Ou seria a obsessão pelo obscuro?
A obsessão pela decadência
Por vozes no escuro
Pela mísera existência

Pelo papel apodrecido
A cera quente sobre a tinta
Pela noite escura e fria
Cacos pisados, destruídos

Soturna obsessão
Por tudo que vem e vai em vão
Pela solidão
Podridão
Amargura
Fissura
Decadente e pura
Obsessão

quinta-feira, 18 de março de 2010

Um Caco da Obsessão (Velho Amanhecer)

Um caco da Obsessão

A obsessão não pode ocupar só um degrau nessa escada
Não pode se resumir poucas frases sem razão
Não pode ser uma única tortura
Não pode ser verso de falsa emoção


Obsessão Primária


A primeira obsessão nasceu com ele. Já era parte dele desde que se entendia por gente. Desde o começo, quando viu a necessidade de conversar e conhecer pessoas, descobriu que tudo se resumia a um jogo. Tudo se resumia a um jogo.

A obsessão por jogos o levou a onde ele sempre quis chegar, o centro das atenções. Mantinha as pessoas interessadas pelo seu suspense diário. “Isso vai acontecer assim, mas vai demorar algum tempo pra que se manifeste”, ria de como coisas assim surtiam efeito nas pessoas.

Jogou com tudo e todos. Jogou com os riscos por querer mais riscos. Jogou com as emoções pra conseguir mais emoções. Jogou com os amigos porque não queria só amigos, queria “servos”, idólatras. Jogou com as pessoas porque queria dominá-las.

Jogou com si próprio, pois se divertia tanto que não conseguia parar. E perdeu o próprio jogo.

Depois de muito perder percebeu que as pessoas tinham aprendido a jogar. Descobriu que depois de usá-las muito se tornara previsível. Acabou só
Obsessivo

quarta-feira, 17 de março de 2010

O Caco da Loucura (Velho Amanhecer)

Tudo se resume a recordações agora. São partes de um vitral que hoje ilustra uma fase pouco iluminada da minha igreja, da minha fé, da minha vida. Esse vitral será divido em partes para que nada seja perdido. Os Contos do Velho Amanhecer

O Caco da Loucura

Suas feridas eram eminentes
Seus fracassos colecionáveis
Seu passado era o presente
Suas palavras pouco estáveis

A loucura era sua marca
E ao mesmo tempo cicatriz
Sua inteligência pura farsa
Pra conquistar o que já quis

Seu orgulho atropelado
Vaidade teria de que?
O seu ego sempre inflado
Sem nem mesmo um porquê

No auge da pouca idade
Já era alguém muito vivido
Aprendia com a cidade
E com o que tinha sofrido

Mesmo em noites a só
Ele tinha companheiros
Tudo convertido em pó
Preparado nos banheiros

O primeiro passo errado
Foi o fim da lucidez
E o segundo passo dado
Piorou tudo de vez

O Caco da Loucura
Trata de um vício antigo
Viciado em amargura
Viciado em perigo.

terça-feira, 16 de março de 2010

Absconditum Mentis

Um juramento de ma fé
A palavra de um qualquer
A promessa feita em vão
Um mero ator em qualquer palco
Teatral e sempre falso
Pura manipulação

Enclausurado em minha mente
E não mais que derrepente
A conhecida escuridão
Do vazio o medo antigo
E o próximo perigo
A má e nova solidão

Escorregando em cada vão
Sofro da manipulação
Que eu mesmo comecei
Me perco em escuridão
A qual chamo solidão
E assim me acabei

segunda-feira, 15 de março de 2010

Alternante

Mudo o dobro a cada dia
Já não fico mais estável
Já não lembro o que fazia
Não fui nada memorável

Altero a vida sem razão
Já não fico estagnado
Já não tenho em minhas mãos
A vida que tinha no passado

Troco jeitos como roupa
Já não uso frases feitas
Já não canto com voz rouca
Não sou mais da velha seita

Já não fico mais estável
Já não fico estagnado
Já não uso frases feitas
E sei que não serei lembrado

domingo, 14 de março de 2010

Passante

Ocupando minhas lacunas
Com frases sem nenhum valor
Recriando meu espaço
Com meus versos sem pudor

Construindo seus limites
Com os tijolos que desenho
Para cada um dos meus trabalhos
Nem Deus mede meu empenho

Dos esforços passageiros
Só recordo o meu desgaste
Dos meu jovens companheiros
Mal me recordo das faces
Dos amores veraneios
Espero que o retrato baste

sábado, 13 de março de 2010

Goles e Olhares

Cem goles e olhares
Já nem ligo mais para ti
Garrafas, me acompanham milhares
Já não te sinto mais aqui

E no entanto sobra tanto
Espaço que você deixou
Lembranças, querida, nem sabes o quanto
O quanto ficou e o que acabou

Eu juro que a cada dose
Me tornarei mais seu
Mesmo que o acaso nos sobre
E que os copos definam meu eu

O vinho hoje se tornou amargo
Você passou em minha frente
Meu vazio está virando fardo
Mesmo vazio, o peso se sente

Sem goles e olhares
E eu aqui preso ao vinho
Não há você para bens ou males
Não consigo mais trilhar um caminho

Eu juro que a cada dose
Me tornarei mais seu
Mesmo que o acaso nos sobre
E que os copos definam meu eu

Eu juro que mesmo que a cada taça
Eu me torne uma intragável dose
Espero pela hora em que ela passa
Passados pedem seu brinde, mais uma dose

sexta-feira, 12 de março de 2010

Ode aos Sagrados

Marcados, homens de vida vazia
Hoje são apenas vários desesperados
Marcados, ninguém pensava no que fazia
Hoje não passam de pobres escravos

Aos sagrados dias em que éramos livres
Aos sagrados cantos de uma só voz
Aos sagrados dias em que fomos felizes
Pois os sagrados éramos nós

Passados, homens que já não tem vida
Hoje são símbolos, exemplos pros fracos
Passados, homens que já não tem nada
Ontem sagrados, hoje sós, marcos

Aos sagrados dias que já não vivem
Aos sagrados tempos de Deus nenhum
Aos sagrados homens que já não vivem
Aos sagrados que eram só um

quarta-feira, 10 de março de 2010

Música ao Longe

Eu alí, sentando longe, tocando meu violão
Eu alí, bem perto de onde eu costumava me esconder
E então alí, se existe o longe eu componho minha canção
E então se eu existo não tenho mais do que correr

Se eu estou assim tão perto jamais direi a vós
Se eu sempre me escondo talvez não queira ser achado
Se tudo sempre acaba em desastre para nós
Talvez o melhor seja permanecer trancado

Pois é amor, até com palavras me escondo
Mas me mostro só pra ti se quiseres me entender
Se quiseres então traçar o caminho mais longo
Saiba que ao seu lado ninguém pode me prender
Sou som e cor, sou lobo e monge
Sou apenas aquela velha música ao longe

terça-feira, 9 de março de 2010

Saudades

A saudade é abismo
Os seres se atiram nesse abismo achando que essa é a lei da vida
Acostumaram-se com a idéia de que toda dor se cura com remédios
E fazem do abismo uma ferida

A saudade é abismo
Os seres se atiram nesse abismo achando que esse é o amor
Acostumaram-se com a idéia de que todo amor é sofrido
E fazem do abismo motivo de louvor

A minha saudade é uma ponte
Eu a atravesso para que assim veja você e só assim
Me encontro, e não me acostumo e nem me conformo
Não espero de nós nada além de um sim

A minha saudade é uma casa
Eu a habito e a deixo assim
Cheia de ti, de nós e de mim
Pois sei que abismo nenhum significa um fim

segunda-feira, 8 de março de 2010

Não saber

So you were just waiting
To a chance to show yourself
But not for me, you know
To everybody else

I know that when it’s over
I can just say goodbye
And imagine your reaction
If you would just ask why...


Eu não posso esquecer que eu sou
Mas já não quero lembrar do que fui
Hoje penso apenas pra onde vou
Assim quem sabe o tempo flui

Não quero saber de passados
Já penso em viver meus presentes
Permaneço assistindo palcos armados
Que eu crio com as minhas lentes

Já não penso em eles e nós
E como sempre lembro de mim
De como faltava e minha voz
Do que eu fui até o fim

E se fujo do que eu criei
Faço apenas por impaciência
Fujo da culpa que eu edifiquei
Tiro o peso de minha consciência


Trecho em itálico da música "How to say goodbye" de autoría da Díade

Primavera em cores

Sou o vento que te chama na janela

Assobiando cantigas que vagam pelo pensamento


Escute, estou a chamar para uma nova dança

Pois o amanhecer já se projeta nas frestas da cortina

Colorindo o quarto escuro de vida


Dance comigo a canção silenciosa das estrelas

Que se escondem à procura da lua

Que pouco a pouco se esvai


Não pare.

Porque a música nunca descansa

Ela sempre recomeça no final de um suspiro


Dance.

Sua alma quer sentir a sua própria existência

Quer perceber que faz parte dessa infinita sinfonia


A música faz morada nos fragmentos do mundo

Está na beira do precipício a preencher o horizonte

Dance também nessa corda bamba

Se cair, você não passa dos sonhos


Faça do despertar uma bela dança

Que encanta os olhos até o desabrochar do crepúsculo.

domingo, 7 de março de 2010

O Par

O Par ( The Time)

Time runs slowly in my clock
The hours will never set me free
Time will never end or just stop
There’s no way to scape can’t you see?

Os dias vão e voltam de repente
Os meses sempre tem que terminar
E tudo é tão rápido pra gente
Quando é que vamos nos acostumar?

Tudo que fazemos tem seu fim
Um dia nossa vida há de parar
Tudo que era belo vai-se enfim
E ainda tentamos tudo controlar
Everything we are will end someday
We can’t just live until this Day
Nothing that you think, do or say
Can’t make us go to other way

O tempo no relógio corre lento
As horas nunca vão me libertar
Não podemos nos livrar do tempo
E ele não vai nunca acabar

The days comes around my mind
The month will be over fast
The answer only ourselves can find
The year gives his place to the next

Everything we do will end someday
And stop the clock is just a lie
Nothing that you think, do or say
Will give us chance against time
Tudo que nós somos vai passar
Tudo o que fizemos acabar
Só podemos viver o que restar
Fazer do tempo o nosso par

sexta-feira, 5 de março de 2010

Além

Nas ondas que se desmancham encontrei a paz
Fui ao mar em busca do fim e o começo foi o que achei
Pois só quero que me levem, o lugar tanto faz
Pra onde quer que o barco vire eu sei que viverei

Nas ondas que se formam encontrei a vontade
Fui ao mar em busca da cura e me deram o caminho
Pois o que eu quero, conseguirei com naturalidade
Pra onde quer que siga, talvez seja certo ir sozinho

Nas ondas que eu não sinto mais, encontrei a mim
Fui ao mar para fugir da vida e me achei perdido
Pois serei navegante do início ao fim
Nas ondas que batem acabei ferido
Fui ao mar em busca do meu próprio bem
Pra onde quer que seja, que seja sempre além

quinta-feira, 4 de março de 2010

Não

"...Não."
O mundo inteiro voltou dois anos no tempo até o momento exato que deu início àquela tragédia. Desde um sim não expresso em palavras, em um canto qualquer de algum lugar que não lhes era importante, não naquela hora. E ele encostado naquela parede lembrava de tudo o que tinha feito e do tanto que tinha mudado pra conseguir construir aquele momento. Lembrou das dúvidas e das indiretas. As primeiras palavras românticas ditas com sinceridade na hora certa, isso era novo pros dois.

O tempo então foi passando e degastando o que eles haviam construido. Ele nunca foi paciente, nunca aguentou os problemas de relacionamentos. Ele tinha seu modo próprio de resolver os problemas, um singelo "acabou". Ela batalhava pra estar ao seu lado até o fim, sempre. Ele não gostava do sempre, mas adorava usar o nunca. Ela não sabia lidar com nenhum dos dois.

Ele acabou com tudo. "É melhor assim" mentiu aos amigos. Sabia do que sentia, mas sempre preferira a emoção e o risco da vingança a monotonia do amor. E o fez. Escreveu a maior peça de teatro já encenada na humanidade. Foi até o fim, mas era estranho pra ela. Ele dizia a verdade, da forma dele, mas dizia. E ela o escutou, como sempre, confiou nele. Mas o teatro terminou em tragédia, como boa parte de sua vida e de seus (des)casos.

Desse ponto até o não foi só um ciclo repetitivo. Ele não podia esperar por ninguém, seu egoísmo sempre falou mais alto. Seu egoísmo escreveu aquele "Não"

quarta-feira, 3 de março de 2010

A Segunda Carta

A Segunda Carta foi escrita pelo Insone.


Tempo. Eu nunca soube lidar com ele. Não soube administra-lo e perde parte da minha vida lutando contra ele. Não soube viver cada um dos momentos, sempre fiquei preocupado com o tempo que eles durariam e não com o quanto ele me marcariam. Tempo. Minha vida acabou se tornando uma linha de tempo nada cronológica. Sempre baseada em indas e vindas, nunca soube terminar o que já havia começado. Nunca consegui começar algo novo pois não me desligava do que já havia começado. Tempo, meu maior inimigo.

Insistência. Nunca notei os apelos das pessoas que estavam próximas de mim, sempre fui egoísta e cego, só eu importava. Nunca notei os desejos das pessoas que amava e que me amavam, perdi partes de mim por isso. A única mulher que amei hoje não me quer, meu egoísta foi aos poucos destruindo ela por dentro e ela enfim desistiu de se machucar. Insistência. Perdi meu único eterno amigo, meu irmão. Ele que sempre foi o melhor pra mim, sempre fez tudo o que podia. Nunca reparei nos seus desejos, suas VONTADES! Não conheci meu melhor amigo por egoísmo. Insistência, meu erro.

Força. Sempre me escondi atrás de uma suposta força. Nunca fui eu pela falsa necessidade de ser forte. Me tornei arrogante e misterioso para inspirar força e afastei mais ainda as pessoas de mim. Queria ser admirado e consegui, por pessoas que só queriam um pouco da minhas força e não queriam saber de mim. Força. Nunca tive a força necessária para me livrar das mentiras, dos jogos, dos teatros e de toda essa rede de falsidade que me envolve. Força, minha máscara.

Silêncio. Sempre evitei o silêncio, a solidão. Preferi estar próximo de pessoas que não faziam questão da minha presença, para evitar a falta de música, de vozes, de palavras. Falei absurdos para gerar polêmica. Sempre gostei de discussões, adorei me expor, aliás, expor o personagem que criei pra mim mesmo. Silêncio. Nunca reparei como o silêncio da mulher que eu amo dizia tudo que eu precisava ouvir. Nunca reparei que o silêncio de meu irmão era composto de uma melodia triste, nunca soube contornar o silêncio e conversar da forma que deveria. Silêncio, meu maior medo.

Consideração. Essa palavra não existia em meu dicionário. Nunca levei em conta os esforços alheios, nunca dei valor as pessoas que me davam valor. Queria sempre mais, busquei o novo. Queria o risco, a emoção. Ignorei que a maior emoção que podia sentir era aquele beijo, aquela conversa no bar. Consideração. Perdi as pessoas que me importavam por não saber demonstrar essa importância. Perdi meus amores, minha vida. Demonstrei consideração algumas vezes, por medo de ser deixado de lado, mas eram tentativas falsas, baseadas unicamente no medo de perder pelos meus erros. Perdi da mesma forma. Consideração, o grande nó em minha garganta.

Dúvidas. Nunca tive. Nunca me arrependi, nunca senti remorso, só pelo que eu não fiz. Hoje aprendi que tomando decisões deixei de trilhar outros caminhos que talvez me fizessem mais feliz. Me arrependo de não ter ficado ao seu lado quando deveria, meu amor, de não ter lhe dado ouvidos, de não ter lutado mais por você. Me arrependo de não ter permanecido ao seu lado, meu irmão, você sempre foi minha companhia e hoje estou realmente só. Dúvidas. Duvidei dos sentimentos e das palavras, mas sempre julguei. Julguei a tudo e a todos, hoje estou sendo julgado, por mim mesmo. Dúvidas, a minha sentença.

Vícios. Me escondi atrás deles. Busquei nele a força e as respostas que tanto precisava. Vi minha vida escorrer de minhas mãos aos poucos por causa desses vícios. Mas eles me davam emoção, risco. Eles me proporcionavam loucuras, que hoje talvez sejam os momentos mais felizes que me recordo, mas não pelos vícios e sim pelas companhias. Vícios. Os meus maiores eram a bajulação, o ego, a mentira. As pessoas me rodeando para me ouvir. Vícios, minha vida adulterada.

Insônia. Hoje sei que tudo aconteceu porque eu não tinha a coragem necessária de enfrentar o mundo. Bater no peito e deixar que a bala venha, deixar me rasgar aos poucos. Isso é a vida, lutar pelo que se deve e nem sempre pelo que se quer. Sei que as noites de sono que não tive foram proporcionadas pelos erros que cometi e ignorei. E então quando meu irmão fraquejou pela última vez me senti livre, não dele, mas do problema que não tinha coragem de resolver. Me repúdio por isso, me sinto bem por um problema sumir. Insônia. Só poderei voltar a dormir depois de estar em paz e essa paz não me cabe mais nesse mundo. Na morte a gente esquece, no amor a gente fica em paz. Não tenho mais o amor, só poss então esquecer. Insônia, meu castigo.

Pânico. Foi o meu carrasco durante toda a vida, e hoje sem apoio e força perdi a luta. Me entrego ao medo do novo, mas esse medo é bom. O pânico não me impedirá mais, serei livre daqui pra frente. Pânico. Esse é o motivo de tudo que fiz, não tinha coragem pra lidar com os problemas. Me desculpe meu amor, minha Lua. Me desculpe meu irmão, meu Sol. Não fui homem o suficiente de lutar por vocês e não quero que lutem por mim, não mais. Não mereço vocês, não mereço o mundo, não mereço a vida. Pânico, a luz que gerou a sombra, sombra que sou eu.

Morte. É a solução. Me despeço do mundo, pois a cada esquina minha vida caiu mais e mais, hoje não a tenho mais e não posso continuar de pé nesse mundo. Morte. Venha e me leve, a vida me deixou em duas etapas, um amor e um irmão. Morte, minha amiga fiel.

Morte. Adeus.

terça-feira, 2 de março de 2010

A Primeira Carta

Essa carta é citada no quinto e último capítulo da história do Insone e do Covarde. É a primeira de duas cartas, sendo essa escrita pelo covarde e destinada ao insone e a segunda escrita pelo Insone para o mundo.

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Já está ficando tarde, mas mesmo assim eu não conheci a vida. Tive medo. Devia ter gritado ao mundo sobre os meus desejos. Devia ter feito dos fantasmas os meus companheiros fiéis, meus amigos. Eu devia ter vivido o medo como uma fase única da minha vida, sombria e perigosa, mas única. Eu devia ter dado ouvidos a quem me disse que eu devia viver e não existir.

Me desculpe, meu irmão. Já anuncio aqui a hora de minha partida, mas diferentemente da música que tanto gostei, eu sei que rumo irei tomar. Não sei se vai se lembrar dessa música, nunca foi do seu agrado, como tudo o que eu fazia. As vezes lembro daquele tempo distante em que eu chamava a sua atenção pra cada um dos meus pequenos feitos e você nunca prestava atenção. Me desculpe pela insistência, mas aquilo era a única coisa que eu sabia fazer.

Você não. Você sempre foi forte, corajoso. Sempre encarou seus problemas com dignidade de homem. Sempre me senti um peso em suas costas meu irmão. Não posso mais esperar que as coisas se resolvam. Não posso esperar que venhas até aqui e que lhe diga tudo isso pessoalmente e você não atendeu meus telefonemas, deve estar ocupado. Queria poder dormir e esperar até o dia em que você me acordaria, embora eu saiba que nenhum problema se resolve com uma boa noite de sono, o sono só mascara as bruxas e os monstros e os deixa amigáveis pro nosso constante baile, a vida.

As vezes sinto que você tenta me esquecer, me ignorar. Devo ser um atraso em sua vida. Continuo a pensar na noite de ontem, quando você se levantou. Não consegui encontrar a minha falha, não consegui achar meus erros, minhas inconveniências. Se te magoei com minha fraqueza, meu silêncio sem nexo, minhas palavras vazias, me perdoe, sempre quis ser bom o suficiente pra você, mas nunca consegui. Sei que nada disso é surpresa pra você. Como queria ser alguém forte...

Tentei te ligar de novo agora. Você não atendeu. Será que você não se importa com minhas tentativas de conversar? Vou tentar de novo, se você atender jogarei essa carta e todas as outras no fogo. Nada. Acho que você está com raiva de mim. Me desculpe irmão.

Imagino agora que me falta pouco tempo. Será que você conseguirá encontrar o que restar de mim? Será que alguém na rua lhe dirá que saí? Será que ira procurar nosso velho conhecido no bar? Se por algum acaso voltar a me procurar em casa, achará muito estranho ver que não estarei no quarto. Será que tentará me ligar? Acho que não, se quisesse me falar atenderia algum de meus telefonemas.

Depois de quatro meses sem pisar fora de casa, o sol e a lua parecem diferentes meu irmão. O Mundo parece maior, mais medonho. Esse grande moinho já triturou os meus sonhos que eram tão mesquinhos, já reduziu minhas ilusões a pó... ao pó que eu tanto recorri pra criar novas ilusões. O mesmo pó que iria acabar com a maior de todas as ilusões, a vida...

Me desculpe por nunca ter lhe contado irmão, mas aquele seu velho conhecido do bar era também meu velho conhecido. Desde que soube dos seus vícios secretos eles se tornaram os meus vícios também. Sabia do efeito que aquilo lhe causava e queria sentir o mesmo, queria me sentir forte, me sentir bom. Me sentia um homem toda vez que usava a cocaína. Hoje, precisei de tudo que tinha para uma dose grande o suficiente pra escrever essa carta. Espero que entenda.

Começo agora a sentir o efeito da reviravolta em meu corpo. A morte está chegando para me buscar, meu irmão, e dessa vez eu não tenho medo. Sei que estou pronto para alcançar um novo plano, um novo horizonte. Queria ter sentido isso em vida, queria ter tido coragem de enfrentar os problemas que sempre me afugentaram.

Se por acaso tiver acesso a essas palavras, meu irmão, peço que não chores, não fique triste. Não fui homem durante a vida, não tive coragem pra enfrentar nem mesmo o sol e a lua, e agora morrendo, pela primeira vez sinto que posso atravessar o vale sombrio do medo. A culpa é minha por ter sido sempre a sua sombra, sempre ter sido o seu protegido e não ter te protegido quando você precisou. A paz está aos poucos tomando meu corpo, em pouco tempo não serei mais o que sou. Lembre-se que a vida foi um moinho pra mim, mas você é forte e vai superar tudo isso. Viva, meu irmão. Sua vida lhe reserva grandes feitos. Você já é grande e será muito maior.

"Preste atenção querida, em cada amor tu herdarás só o cinismo. Quando notáres estás a beira do abismo, abismo que cavaste com teus pés."


Adeus, olharei por ti quando deixar de ser só um covarde.

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Trecho em itálico da música "O Mundo é um Moinho" de Cartola

segunda-feira, 1 de março de 2010

O Insone e o Covarde Pt. 5

Último Capítulo - A Insônia e a Covardia

O covarde se levantou da cama após horas perdidas na tentativa de adormecer. Sentia-se fraco. Sentia-se pior do que fraco, aliás, sempre fora fraco. Ele se sentia derrotado. Tinha perdido a guerra contra seu pior inimigo, ele mesmo. Sucumbiu pelo pânico. Ajoelhou-se e pediu misericórdia diante do seu assassino, o tempo. Já não havia volta para ele. Já não havia meios de sair do abismo que ele mesmo criara. Ele estava sozinho e a beira da queda. E caiu.


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O insone acordou com o telefone tocando. Já se passava das 11:00 da manhã! Como estava feliz por ter adormecido por tanto tempo. Se lembrava apenas de ter se cansado após chorar horas a fio. O telefone continuava tocando, mas ele ignorou, quem quer que fosse poderia esperar. Ele devia gritar ao mundo sobre sua alegria de ter dormido toda aquela noite. Sabia o que fazer, visitaria o irmão.

Foi tomar banho e ligou o rádio, que tocava um bocado de músicas que ele não conhecia, há muito não acompanhava o cotidiano. Desligou o chuveiro e se secou. Cantarolava uma música que seu irmão gostava muito..." Ainda é cedo amor... mal começastes a conhecer a vida..." nãnãnã e qualquer coisa. Nuna prestara muita atenção no que o irmão de fato fazia.

Vestiu-se e foi até a sala, ligou a televisão e um repórter falava sobre o congestionamento no centro. Seu irmão podia esperar mais algum tempo, afinal não valia a pena sair agora. Foi até a cozinha preparar um sanduíche e tomar um café. Acendeu um cigarro. Ah, sentia-se vivo novamente, como se não houvesse mais pesos em suas costas. Uma boa noite de sono livra qualquer um dos problemas do dia anterior. Estava errado.

O telefone tocou denovo. Pouco lhe importava, não atenderia ninguém naquele dia especial, nem mesmo seu chefe...talvez só o seu chefe. Lembrou-se do irmão, pensou em ligar e avisar sobre a visita. Não, é melhor ser uma surpresa. Será que seu irmão tinha ficado magoado com a sua atitude na noite passada? Esperava que não.

Passou algum tempo e ele resolveu sair. Entrou no carro e dirigiu por aquele caminho que ainda lhe era estranho. O celular tocou. Algum número desconhecido, não iria atender. Ligou o rádio do carro. Continuou o percurso. Pegou um pouco de transito intenso e pensou que iria se atrasar. O celular tocou mais uma vez, mas ele nem se importou.

Chegou a casa de seu irmão e reparou que havia um número incomum de pessoas naquela rua. Ah, deve ser festa em algum lugar da vizinhança. Tocou a campainha. Ninguém atendeu. Tocou de novo...nada...nada. Nada. Girou a maçaneta, a porta estava aberta. Foi até o quarto onde seu irmão costumava ficar. Vazio. Achou estranho. Onde o covarde poderia ter ido? Pegou o seu celular, iria ligar para o irmão. Não tinha o número, nem mesmo o de casa.

Saiu, voltou para o carro. Sentiu-se mais feliz, afinal seu irmão havia saido de casa após quase quatro meses de prisão domiciliar. O rádio contava sobre um rapaz que fora encontrado morto em uma rua perto dalí. "Isso explica essas pessoas aqui", pensou. O radialista contava que o rapaz havia morrido após usar uma altissima dose de cocaína e ter uma overdose. O celular tocou denovo, dessa vez um número diferente, mas desconhecido também. Resolveu atender podia ser seu irmão.

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O covarde sabia onde ir e o que fazer. Pegou todo o dinheiro que tinha e foi até o velho conhecido, em um bar próximo a rua de sua casa. Lá comprou toda a cocaína que podia e a usou alí mesmo. Sentiu que era capaz de tudo. Sentiu que era um super homem, ou ao menos um homem. Pegou o papel e a caneta que guardava pra ocasiões como esta e escreveu tudo o que queria dizer ao irmão. Sabia que não aguentaria muito mais tempo então não podia demorar. "Aqui estão as respostas" escreveu no verso "Me desculpe".

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O médico disse que seu irmão não havia aguentado a dose tão alta de cocaína e teve uma overdose fulminante. Entregou-lhe o bilhete que ele havia escrito e foi embora. O insone não conseguia falar, nem andar e quase não respirava. Foi pra casa tentar entender o que tinha acontecido com seu irmão.

Leu tudo três vezes e não conseguiu parar de chorar. Sabia que a culpa havia sido sua. Sabia que quem merecia tudo aquilo era ele e não seu irmão. Sabia o que tinha que fazer, embora fosse contra o último pedido do irmão. Escreveu tudo o que queria ter dito ao mundo em papéis manchados e sujos, colocou-os em cima da mesa, junto com tudo o que tinha de valor. Não haveriam mais noites intermináveis, nem medo, nem pânico, só o silêncio. A paz tomaria conta dele, a paz de espírito. Disparou. Mais um corpo caiu no chão aquele dia.