domingo, 22 de março de 2020

Monelle #3

Monelle,

O próprio Hades haveria de me conceder passagem, caso o beijo frio da morte lhe alcançasse antes do meu, mas estás segura, protegida pelos anjos do Senhor, que intercede gentilmente em minhas várias orações. Se tu és minha Eurídice, saibas que este Orfeu não olha para trás, mirando somente o que está disposto a nossa frente e, assim, planejando cuidadoso um futuro nosso. Nesses versos apolíneos que te escrevo, a carruagem ensolarada é, tão somente, a sua luz. Não se aflijas nem mais um segundo, pois teço a ti os mais solenes juramentos. 

Que venha a guerra, a peste e a morte. Se há espaço no teu seio, edificarei aí nosso recanto com as mais belas palavras que encontrar no vasto léxico. Nossos muros serão altos e robustos, pra impedir que a vida avance para dentro de nossa paz. As janelas serão claras e alinhadas. Com varandas altas, colunas brancas e um aconchegante jardim, de onde colherei as flores que enfeitarão a poesia de todos os dias que passarmos juntos. É belo o desatino... Causa dor imaginar.

Hoje veio a nova tempestade. Sinto que estás se distanciando cada vez mais de mim, mas deve ser somente o tédio, que mina lentamente os ânimos desses corações apaixonados. Não desista do romance, o Senhor nos reserva o encontro em sonho quente. O outono chegou, Monelle, deixe que as folhas caiam e o vento passe taciturno, mas não deixe ressecar o que há de amor em ti.

Aguardo-lhe na morada de Morfeu,
E.P.

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