quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Da Noite Passada

Mais um cigarro queimando entre meus dedos.

Existem dias que a convivência consigo mesmo é insuportável, bem, aquele era um desses dias.

O despertador tocou e ele se virou na cama, "hoje não, por favor", foi tudo o que ele conseguiu falar diante da música que saía do celular, como se o seu apelo fosse impedir que seus ouvidos escutassem. Bom, não foi o suficiente. Ele se levantou e foi tomar um banho. Nada mais lastimável do que ficar em um estado misto de sono e desespero debaixo da água que cai do chuveiro, mas a idéia de que tinha um dia inteiro pela frente não lhe saía da cabeça e devorava grosseiramente sua tranquilidade.

Nem mesmo as boas notícias do dia anterior conseguiram lhe resgatar do poço que é viver todos os dias, sem excessões, e ele seguia na calçada amaldiçoando o vinho da noite passada. Aquele vinho barato e de qualidade duvidosa, mas que era, no fundo, uma de suas paixões.

Sentou-se no meio fio, no meio que um lugar qualquer, e acendeu um cigarro. Algo tinha de lhe manter acordado e com certeza seria o fumo. Entretanto, seu estado de embriagues derivada do sono lhe proporcionou uma ilusão que consistia em se desligar do mundo. Enquanto a fumaça saía devagar de sua boca o mundo a sua volta parou. O tempo parou. E ele, bem, cochilou.

Não foi um cochilo longo, mas duradouro o suficiente para caber um sonho. Sonhou que os relógios de todo o mundo haviam parado. Isso sim era um sonho pra ele. Dentro de sua cabeça ele começou a recordar todos os momentos em que disserá que queria que o tempo parasse e uma conversa em especial lhe "prendeu a atenção". A conversa da noite anterior, quando ele recitou o velho jargão de todos os dias: "Queria que o tempo parasse pra gente" e a resposta tal qual sutíl: "Pena que se o tempo parasse pra gente o tempo do resto do mundo continuaria correndo". É, o tempo continuaria correndo.

Acordou por fim, com o que restara de seu cigarro lhe queimando os dedos. Olhou o relógio e constatou mais uma vez. O tempo continuou, e continuará sempre, correndo.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Nó na Garganta

As vezes falta a palavra
Silêncio quando falo
E no fundo não me calo
No fundo só me escondo

As vezes falta a palavra
Em minha garganta calo
Nem sou, vou pelo ralo
Me abro com um estrondo

Falta a fala, sobra voz
Sinto silêncio, me calo
Um verso se forma lento

Um vazio mudo entro nós
E sobre o resto nem falo
Tudo se desfaz no vento

domingo, 24 de outubro de 2010

Cantante

Não que nada seja pouco
Ou que tudo seja um tanto
Mas pra quem procura encanto
Antes nada do que um louco

Sei que a sorte é o acaso
E que o azar sou eu quem faço
Mas seguir o mesmo traço
Deixa tudo tão mais raso

Pra os que são sem nada ser
E que andam sem cessar
E Procuram o que buscar
Os que sonham sem viver
Que nada querem por querer
Imerso em medo de errar
No topo de um mal estar
Que está a muito a crescer

Sei, o tempo não é certo
Sei, o certo não é meu
Que o errado me escolheu
Pra andar sempre por perto

Sei de tudo que mudei
E que mudaram muito em mim
Que o final só é o fim
Porque no fundo me cansei

Futuros são só dias
E passados não passaram
Presenteados transformaram
O presente em várias vias
Agora junto agonias
Pra o que os dias me lembraram
E tudo o que marcaram
Eu transformo em poesia

No Silencio dos Seus Olhos

"Em que língua se diz, em que nação,
Em que outra humanidade se aprendeu
A palavra que ordene a confusão
Que neste remoinho se teceu?

Que murmúrio de vento, que dourados
Cantos de ave pousada em altos ramos
Dirão, em som, as coisas que, calados,
No silêncio dos olhos confessamos?"

José Saramago

sábado, 23 de outubro de 2010

Oito Caminhos Adiante

No começo era medo
Compartilhado segredo
Nada demais até então

Depois de outra maneira
No precipício, na beira
Nós, tão longe do chão

Nosso tempo passou lento
Do tempo veio mais tempo
E nós sem mais tempo pra dar

E havia tanto espaço
Ainda erramos o passo
Acabamos sem um lugar

E havia tanto caminho
Bem dentro daquele vinho
Agora nada nos resta

Nem momento de pura paz
Nem nada que me satisfaz
Nem beijo, choro ou festa

Só sigo adiante por mim
Ou por não temer mais o fim
Ou por ter outro sorriso

Sei o que carrego nas mãos
E outros dias, loucos ou sãos
Serão tudo que preciso

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Ai, Palavras!

"Ai, palavras, ai palavras,
que estranha potência, a vossa!
Ai, palavras, ai palavras,
sois o vento, ides no vento,
e, em tão rápida existência,
tudo se forma e transforma!
Sois de vento, ides no vento,
e quedais, com sorte nova!
Ai, palavras, ai palavras,
que estranha potência, a vossa!
Todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois audácia,
calúnia, fúria, derrota…
A liberdade das almas,
ai! com letras se elabora…
E dos venenos humanos
sois a mais fina retorta:
frágil como o vidro
e mais que o são poderosa!
Reis, impérios, povos, tempos,
pelo vosso impulso rodam…"

Cecília Meireles

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Outro Dia

É desnecessário dizer
Já não me sinto mais
Já não preciso mais
De lutar por paz

É fácil pra quem quer ver
O passado ficou para trás
O futuro ficou para trás
E pra nós agora tanto faz

Agora busco outro caminho
Viver algum outro dia
Buscar outra nova alegria
E não me ver mais na poesia

E veja, já não estou sozinho
E não resta pra nós a agonia
E nem outra conversa fria
Nenhuma atitude tão vazia...

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Momento

Um par dançava sob a luz, na rua
Juntos como um, uma sombra e só
Dividindo tudo o que lhes dava a lua

Juntos em um só embalo, um só passo
Juntos como se presos por nó
E as marcas no chão, o tempo, o espaço

E tudo o que havia além deles
Nem mesmo a seus olhos chegava
Nada no mundo importava, só eles

E tudo se ignorava, em tempo...
Parecia-lhes que o tempo aumentava
Pra um embalo lento, pr'O momento.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Cedo

Ainda há medo dentro de mim
Ainda tenho o mesmo olhar triste
Não sei nada sobre um fim
Sei: existe

Sei que o par é como o ser
E sei o que isso pode parecer
Se o ser acaba de repente
Seria o par diferente?

Sei também que cada fim
É muito mais que só, assim...
É muito mais que fim, e só
É um recomeço...
Da cinza, do pó
Outra chance de evitar o tropeço

E ainda há caos dentro de mim
Suficiente pra nós dois
Pra tudo o que passar agora
E pra depois.

E ainda é cedo pra esperar
E pro que não foi, mudar, crescer
É cedo, muito cedo
Pra sofrer

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Primavera Nos Dentes

"Quem tem consciência pra se ter coragem
Quem tem a força de saber que existe
E no centro da própria engrenagem
Inventa a contra mola que resiste

Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca desespera
E envolto em tempestade decepado
Entre os dentes segura a primavera"

Secos & Molhados

domingo, 17 de outubro de 2010

Tentativas

Tentei não pensar mais em você.
Juro que tentei...
Tentei apagar nosso passado
E te apagar do meu presente.
Tentei te tirar do meu lado
E ignorar o que você já não sente...

Tentei não sentir mais nada.
Juro que tentei...
Tentei não ficar estagnado
E sem você seguir em frente.
Vi que nada sera mudado
Por mais que eu mude realmente.

Sabe,
Algo de fato mudou
Talvez toda a dor que sua imagem me causou
Talvez o conformismo com aquilo que restou...

Sabe,
Algo pra nós acabou
Sei que nada é pra sempre, pra você ou pra mim
Mas sei que o que a gente sente não terá mais um fim

Acho que tentar nunca é o suficiente,
Nem sentar e esperar algo mudar na gente
Mas agora sei onde você está
Sei onde é o meu lugar
Sei que nada mais vai mudar
Por mais que eu (não) tente.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O Inimigo

"A mocidade foi-me um temporal bem triste,
Onde raro brilhou a luz d'um claro dia;
Tanta chuva caiu, que quase não existe
Uma flor no jardim da minha fantasia.

E agora, que alcancei o outono, alquebrantado,
Que paciente labor não preciso — ai de mim! —
Se quiser renovar o terreno encharcado,
Cheio de boqueirões, que é hoje o meu jardim!

E quem sabe se as flor's ideais que ora cobiço
Iriam encontrar no chão alagadiço
O preciso alimento ao seu desabrochar?

Corre o tempo veloz, num galope desfeito,
E a Dor, a ingente Dor, que nos corrói o peito,
Com nosso próprio sangue, a crescer, a medrar!"

Charles Baudelaire

Teu Sono, Meu Sonho

Ainda espero um tal momento
Em que tudo há de se acertar
Que talvez você possa acordar
E não mais passar, como se vento

Nesse despertar fantasiado
Quero poder estar a teu lado
Quero não calcular e nem saber
Mas te sentir e até te viver

Faça do nosso dia a sua noite
Faça do meu sonho nossa vida
Faça que eu não pense, que seja

Mesmo que o vento nos açoite
E que o caminho nos divida
Onde quer que eu vá, que esteja

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Da Janela Do Meu Quarto

Olha só... o mundo surpreende
Tudo ocorre quando não se espera
E aí sim nossa mente opera
E aí sim a gente aprende

Veja, como tudo está mudado
Já não há tanta distância
Nem enxergo tanta discrepância
Com você aqui ao meu lado

Enquanto todos seguem voando
Eu espero que o tempo pare
E que a minha ferida não sare
E na verdade, sigo esperando

Só espero não te ver fugindo
Como se fosse a única saída
Como se estivesse dividida
Como se nós estivéssemos caindo
Sumindo...

domingo, 10 de outubro de 2010

Fumaça

Há no homem um segredo
Anunciado em sua fronte
Desejo seco, quase medo
Sua fonte.

Há no homem um valor
Que não é de fato nada
O ódio a sua dor
Tão amada.

Há no homem outro alguém
Que nem sei se existe
Que atua também:
Só assiste.

Há no homem o que não há
E o que há já foi
Vivemos pra nos libertar
Depois.

sábado, 9 de outubro de 2010

Sofrimento

"No oceano integra-se (bem pouco)
uma pedra de sal.

Ficou o espírito, mais livre
que o corpo.

A música, muito além
do instrumento.

Da alavanca,
sua razão de ser: o impulso.

Ficou o selo, o remate
da obra.

A luz que sobrevive à estrela
e é sua coroa.

O maravilhoso. O imortal.

O que se perdeu foi pouco.

Mas era o que eu mais amava. "

Henriqueta Lisboa

Equinócio

"Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre inteira."

Cecília Meireles

Aprendi a gostar das Primaveras,
a esperar-te na porta, sem nem ao menos saber se um dia de fato voltarias.

Aprendi também a temer os Invernos,
que sempre vêm destruir tudo o que eu havia plantado,e guardado pra te dar.

Aprendi que as Primaveras nem sempre vêm,
mas quando estão aqui são suficientes pra me resgatar de um insensato desejo

Aprendi que os Invernos as vezes não acabam,
prendem-se a mim e vão congelando cada parte do meu corpo, até mesmo meu pobre coração

Aprendi que a Primavera me da coragem
e só pede em troca que eu de fato a use

Enquanto o Inverno me da apenas angústia
Solidão e alguma inspiração pra que me mascare, ou não

Aprendi que posso ser bem mais feliz vivendo a Primavera do que esperando o Inverno acabar.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

E Se

"Se em um instante se nasce e um instante se morre,um instante é o bastante pra vida inteira"

Cecília Meireles

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E se for só saudade?
Não passar de uma lembrança?
Se for apenas por maldade
Ou quem sabe insegurança?

E se tudo se repetir?
Se for só um modo de fugir?
E se for tudo mentira?
Quem sabe a vida interfira?

Mas e se for tudo verdade?
E se tudo, enfim, der certo?
E se não for só momento?
Se os dois tem as mesmas vontades
E podem enfim ficar por perto
Porque apagar o sentimento?

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Insolitude

Plena In Solidão
Solitude é nó
Insólito só
A plenitude e o não

Sois sóis lá onde não há
Qualquer outra razão
Qualquer outro a lutar
Por pura interpretação

O mundo é seu campo de batalha
Onde se luta sem poder errar
É você dentro da falha
Que é o próprio verbo pensar

Sois insolúveis verdades
Sois insensatez e só
Só...
Vestígios de estrada e pó

Tantas certezas incertas
Plenitude nas vontades
Tantas duvidas encobertas
Solitudes, só vaidades

Sois saudades
De tempos não passados
De dias não chegados
De outras e outras grades

Plena In Solidão
Solitude é nó
Insólito só
A plenitude e o não

Sois sóis e apenas
Razões que o tempo mude
Sois vozes e cenas
Sois plena Insolitude

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Aguarde-nos

domingo, 3 de outubro de 2010

Motivo

"Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste,
sou poeta.


Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.


Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
Não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.


Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
mais nada."

Cecília Meireles

sábado, 2 de outubro de 2010

A Valsa de Esmeralda

Por que valsas, Esmeralda?
Por que bailas, triste assim?
Qual falta grita em sua alma
Que soa em cordas de bandolim?

Esmeralda, segue a dança
Segue o som, caminho seu
Só seguindo se alcança
O que a muito se perdeu

Quem sabe a liberdade falsa?
Quem sabe um motivo qualquer?
Quem sabe por que a valsa
É tudo aquilo que se quer?

Segue o passo, Esmeralda
Siga e passe sem olhar
Que o povo assim te aplauda
Apenas por te ver passar

Segue a trilha, segue o rumo
Siga o vento que soprar
E assim que for eu sumo
Sempre a te procurar.