segunda-feira, 18 de maio de 2020

Estridulação

Quando faltam-me as palavras, calo,

Como se calasse a própria alma inquieta

E remediasse, assim, toda vaidade.



Nos outros dias me derramo.

Como tenho derramado tanto de mim pelas noites,

No devaneio sonolento do crepúsculo desfaço-me,

Irreconciliavelmente,

E o sonho, caloroso, morre

Quando calo-me pela manhã.



Há poesia no silêncio e nas coisas

Não configuráveis,

A mística dos pontos pretos na parede branca,

A metafísica da estridulação dos grilos,

O feitiço do tempo.

Há poesia no silêncio e nas coisas

Que ignoro quando fecho os olhos,

Um mundo além do ideal

Recompondo-se a cada segundo.

Vês que o universo começa aqui,

Mas jamais entenderás sua real extensão

Enquanto mensurá-la com palavras.



Quando faltam-me as palavras, oiço,

Como se ouvisse a própria alma inquieta

E evitasse toda solidão

No canto manso do vento.

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