sexta-feira, 20 de março de 2020

Sinto mesmo à distância seus olhos sobre meus passos

Caro Ernesto,
Sinto mesmo à distância seus olhos sobre meus passos e me pergunto o que posso ter feito eu para merecer tão súbito afeto. Sei que temos ambos em coração e alma a fúria de tempestades, calores de magma reluzente e paixão de mar revolto. Mas lendo suas cartas vejo você tão distante, não só em plano físico. Vou ao espelho tentar me ver em suas palavras mas tudo o que há é um corpo frágil, faço minha pele em caixa de Pandora, sempre tremendo de terror de liberar todos seus pecados ao mundo, vejo pequeno animal noturno, com o olhar amedrontado, nômade, fugidia, volátil, porém presa. Enquanto em ti sinto espírito de pássaro, posso até imaginar suas asas, batendo violentamente no horizonte, brilhando em penas multicoloridas, livre, tão livre e disposto a pousar em madrugada para cantar seu amor noturno a tão arisca felina. Me falta entendimento mas não me falta afeto, me amedronto na vênus que esculpe com teus olhos, mas confio que na carne encontrará calor distinto ao mármore, e que você poderá ver beleza, mesmo em meio ao sangue as veias e as vísceras. 

Monelle

20 de março

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