quinta-feira, 19 de março de 2020

Monelle #1

19 de março de 2020

Monelle,

A ti escrevo, por já não mais suportar a distância, que é só o que conhecemos. Sinceros são meus votos de que este isolamento seja parte do processo que nos une, enquanto gasto meu tempo aprofundando a riqueza de detalhes desta ilusão, que é teu toque e o teu beijo, a promessa de teus braços. Lassos, estes olhos que te velam, em súbita necessidade de lhe tomar a mão e te guiar por um caminho nosso. A quarentena segue, mas o desejo a faz presente.

O passar das horas está sob teu domínio. Os ponteiros, distraídos, pararam de correr, aguardam tua ordem para que a vida prossiga. Alquebrantado, percebo em mim tanta vileza, mas existe a tua serenidade, mesmo quando o castanho dos teus olhos carrega esta sinceridade amarga, que tu teimas em traduzir como expressão de tua alma, mas eu sei bem que a tua alma é repleta de outras coisas, minha intangível companheira.

Quebro este silêncio e perturbo a tua paz com meus lamentos, mas tu és a que me ouve, sem necessariamente escutar o que as frequências cantam, mas percebendo a sutileza mais perene em minha lírica. Nada mais importa no momento, além da carta que lhe escrevo e teus olhos, doces olhos, que apenas assistem o espectro - algo que nem sou - mas que me querem perfilar, que me querem dissuadir e o fazem, mesmo essencialmente longe, mesmo que entre nós exista todo o mar de gente igual, que desprezamos, tens em mim o alento que quiseres e toda sorte de amor vindouro, despontando ingenuamente destas camadas de mistério.

Combato todo tipo de abismo, conversando dentro de mim mesmo com a razão que de ti emana. Busco a tua silhueta pela rua, mas não é possível distinguir o que é o sonho e o encontro, apenas guardo-me para o momento em que estaremos juntos, Monelle.

Já pertenço, sei que sim, já me quedo à tua chamada, mesmo no triste exílio de minha casa. Imagino-te nestes lençóis frios, aquecendo, irreparavelmente, o que está congelado em mim. Subo ao alto das casas vizinhas e lhe converto em norte, para as noites de vigília. Residirá em ti o objetivo derradeiro dos próximos momentos. Que se danem os outros, apenas quero o beijo teu.

Distante, mas presente em pensamento,
Ernesto Penaforte

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