quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O Antiquário de Sentimentos

E lá estava a velha gaveta, trancada a chave alguma, sempre escancarada pra quem quisesse examina-la. Sepultados alí haviam lembranças antigas, sentimentos antiquados, medos daquela bela época que ele esquecia o nome, algo parecido com infância. Mas restava ainda um receio maior, quais seriam os fantasmas do passado que surgiriam se aquela gaveta se abrisse? Não, ele não haveria de faze-lo. Sempre se sentira bem com as preocupações do presente, não gastava seu tempo com lembranças; Se acostumara com as novas razões da moda, sentimentos eram para os poetas e para filosofias vãs, ele não era disso; Sabia agora se esconder das aflições, dos sustos do dia-a-dia.

Não lhe restava tempo pra gavetas empoeiradas...velhos documentos de tempos e vidas longinquas. Vivia o hoje e desprava o ontem, mantinha a cabeça no amanhã. Não vivia nenhum dos três e todos sabiam dessa amarga verdade, inclusive ele, mas não se vive só de conforto e ele devia ir a luta. Viver? Ele mantinha sua cabeça no trabalho. Finais de semana, claro, a solução, pois ele tinha sábados e domingos pra organizar as papeladas de segunda.

Acordou um dia no meio da madrugada, péssimos sonhos, levantou-se e abriu o notebook, olhou as horas, ainda restava tempo antes do trabalho. Parou. Tempo antes do trabalho? Sua cabeça girou. O que era isso? O que ele iria fazer nas muitas horas que se alongavam antes da hora de sair de casa?

Olhou para a escrivaninha no canto do quarto, a terceira gaveta de cima pra baixo, sussurrou seu nome. Foi até lá, fez força para abrir a gaveta que há muito não era aberta. Olhou aqueles lixos amontoados. Amores que ele julgara eternos, ideais que ele jurara carregar por toda a vida e é claro, aquele velho desejo juvenil de ser alguém bom, importante. Ahhh, como ele havia amado aqueles anos horrorosos de sua adolescência, como queria vive-los novamente.

Horas se passaram e um despertador tocou. Sua cabeça voltou ao normal e ele se flagrou venerando um homem que morrera aos 18 anos, ele mesmo, e chorou. Mas sabia o que fazer e era o que devia ter feito a muito tempo. Leu o nome daquele velho amor dos seus 15 anos, procurou em sua agenda um telefone, algo que os ligasse novamente. Conseguiu um e-mail. Voltou ao notebook, escreveu tudo o que sempre quis ter dito àquela mulher que ele não conhecera, talvez tivesse conhecido a menina que se tornaria o que é hoje. Enviou o e-mail. Voltou ao canto do quarto e pegou aquela gaveta inteira, todos os documentos das vidas passadas, as provas da existência de um traidor que ainda estava acorrentado naquele corpo batido. Sabia o que fazer. Queimou todos os vestigios.

Foi embora, para esquecer o passado e criar um novo futuro, o futuro de alguém que não era só ele,
Eramos nós.

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