quinta-feira, 14 de abril de 2016

Ensaio Sobre a Felicidade

Acordei outro dia sem perspectiva de colaboração, quero apenas que o universo me conceda uma saída rápida nessa linha reta da funcionabilidade. Levantei-me, porque deitado eu penso muito, preparei-me e então deitei de novo, agora sim era a hora de pensar. Arquitetei minha armadilha: me prendo nisso e vou buscando as chaves que sempre estiveram no meu bolso, porque o desafio é se convencer de sair do conforto e da segurança dessa melancolia. Como os velhos que já não fazem parte da vida, apenas se enquadram naquele momento que pode durar um dia ou 15 anos, aquele momento que tudo termina. Feito isso, me sentei diante da estante do desinteressante, agora vou contar a história sublime do que apropriei das histórias medíocres.


Aqui de dentro a vida parece mais tranquila. Não assumo compromissos, não me presto à reforma ou revolução, não me apego ao desenrolar do que é natural. Naturalidade para mim é enxergar de fora, porque eu vivo em um futuro calculado nesses horários tortos que me cabem. Por volta das 20 eu já sei o que fizeram, mas meu dia começou, minhas possibilidades são maiores porque as informações são frescas e eu acabo de concentrar minhas energias. Agora é só buscar a chave e sair do refúgio do escafandro. Vejo que ficou tarde, já não há o que fazer depois das 22h.


Como dá pra ser feliz com essa modalidade restrita de vida? Eu fui privado das vivências e enxergo com desconforto os passos dados que eu nunca poderia dar. Mas a escolha é minha, por que é que eu não a tomo?

Pause aqui pra entender o que você não entende. Já parou pra pensar que o que te fazem consumir consome você? Em um milhão de livros eu li mil finais felizes. A literatura morre assim que a última página vem, assim como aquela sensação de fazer parte do irreal. Vamos fazer o seguinte, escreve seu livro com atitudes.


Antes do final do dia, acordo em bares e percebo que há entusiasmo, há um papo sobre qualquer que seja a novidade da semana, talvez da semana passada, eu me confundo nessas linhas cronológicas. Eu tenho um copo, eu tenho um maço, eu tenho voz e os outros tem ouvidos, agora sim posso contar a minha história mais sublime.


O que é a felicidade pros senhores? Devo perguntar isso em voz alta ou esperar as respostas das entrelinhas? Vou abrir a porta, porque tudo isso só funciona se o acesso é liberado. Felicidade é subjetivo, mas não deveria ser. Felicidade é convencionado. Culturalmente, por centenas de anos, a gente vem aceitando que uma única função cumprida é o suficiente pra dormir bem nas várias noites. Comprar seu carro, pagar suas contas, chegar no fim do mês com o sorriso do alívio, por que você confunde isso com felicidade? Trabalhar duro por tantos anos, construir a sua família com essa mesma ideologia. Diversas gerações de homens mecânicos, cumprindo o preestabelecido acordo que você assinou quando assinou seus documentos. Você é só um número, rapaz, e já que gosta de número, vamos conversar sobre a sua conta bancária. Ela compra o que mesmo? Ah é, compra seu carro, paga suas contas e quando chega o fim do mês você é feliz ou aliviado?


A gente tem perdido momentos únicos de 9 às 18, pra ter apenas momentos corriqueiros. Ficar feliz com o novo computador, achar o máximo essa impressora que é scanner, o ar condicionado, o novo software que vai facilitar a sua vida. Faz o seguinte, pega esse conhecimento prático, cria o software que vai mudar sua vida. Das 18 às 22 o que é que você realmente é? Já não é funcionário do expediente, mas será que o expediente saiu? Não, querido, você agora é funcionário de um expediente mais complexo, eu chamo ele de existência, mas você que trabalha tanto, pode só chamar de tédio, a gente vai compreender.


Enquanto isso, eu acordo as quatro, infeliz e livre, talvez a leitura correta seja incompleto e só, mas quem vai me dar essa resposta. Os dias bons vão me dizer que a felicidade está exatamente no copo, no maço, na voz e nos ouvidos, os dias ruins vão me dizer que a felicidade está nos travesseiros, os outros dias dizem nada, mas por que? A gente não precisa se desesperar na busca do futuro, não, a gente precisa se centrar no futuro do passado. Sem clichês, por favor. Claro que é clichê, mas as melhores frases não são? Me diz os seus objetivos e lemas, você acha que tudo isso é só seu?


Tudo isso é corriqueiro, sabe? Se você trabalhasse menos e se afastasse do que a sociedade te oferece, escolheria o meio fio em frente à praça à qualquer televisão de plasma de um milhão de polegadas, até porque em nenhum canal eles vão transmitir o meio fio, mas em todos eles a televisão de plasma estará bem visível. Tudo isso é o que a gente não aceita, porque a sociedade não aceita, o outro, aquele outro bem próximo de ti, vai pedir sua companhia no boteco e eu ainda não conheci nenhum meio fio que pagasse um salário. A gente tem que arcar com as contas, porque se não elas vão arcar com a gente, companheiro.


Então o que é felicidade? Nada
Felicidade é saber que nada disso faz sentido, porque não precisa fazer. Vamos transferir o significado das coisas pras gavetas e buscar o significante, tem que ter algum motivo pra isso funcionar tão bem, não é? Isso não é um texto político, não quero incitar revoltas e nem apontar o sistema como o nêmesis da vida plena, não. Só quero entender porque é que a gente se prende ao alívio como felicidade recorrente.

São só momentos, no final das contas, a vida tá cheia deles. É possível ser feliz em alguns, mas só se de cada um deles, você conseguir elaborar um verso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário