sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Se a vida fosse justa

                                                                Ao Amigo Ernesto Penaforte


Se a vida fosse justa, nós, meros mortais neste templo,

Nem mesmo conceberíamos.

Afinal, que é que podemos saber, amado irmão?

Ao fim da curva, a estrada se estende ao infinito,

E nem mesmo sei quanto deste caminho percorreremos lado a lado.


Paredes erguidas de concreto e sonho, 

Uma cidade inteira em que nós dois, a despeito do tempo

                                            e de qualquer responsabilidade]

Inúmeras vezes desbravamos,

Tu contava-me de afeto e ternura,

Eu empilhava os corpos das vítimas de teu charme,

Mas tudo estava bem, os mortos não tem sentimentos

E você tem demais.


Por isso é que digo, a tu somente, meu amigo,

Que se a vida fosse justa, nenhum de nós saberia.

Desenganados novamente pelas expectativas

                                        de sucesso, de holofotes, 

                                        de quartos de hotéis destruídos]

E as filas de pessoas a ir e vir

Das quais jamais nos lembraríamos dos nomes,

Apontando ao Penaforte ensandecido

A tirar frascos dos bolsos do paletó,

Transbordando interesses mesquinhos,

Mesquinhos como nós.


Como eu te amo, meu querido amigo, amo a ilusão que criastes

De que eres qualquer coisa além de um patife,

Me faz acreditar, mesmo que por pouco tempo, que há de fato

                                                     algo de bom no mundo]

Afinal, onde é que encontraria, em um mundo repleto de patifes

Canalhas amontoados em mesas de bares no centro da cidade,

Um outro patife como vós?


Quisera, porém, compartilhar da fé inabalável,

Vós, o verdadeiro publicitário da cristandade,

Cavaleiro desmontado de uma cruzada inútil,

Pois os Deuses nunca lhe pediram nada...


Ainda assim, tu levantas o estandarte do passado

E vai reler os clássicos em seu tempo livre.

Um nobre vagabundo - se me perguntas - é o que tu és,

Da mais alta estirpe dos calhordas dessa terra,

Enganando a quem quer que saiba ler,

Com essa classe de lorde inglês no verão de dez mil sóis 

                                                   desta antiga Vila Velha.]


A natureza realmente é admirável.



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