quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Protesto ao vento

                                    à amiga Viviane Joslin


Tu e eu éramos outros, 
Jovens e impetuosos, diante de uma estrada longa
E de temperamentos mais curtos do que, em geral, considera-se certo.
Do alto de um praça alta, observando a cidade baixa,
Com um senso de nobreza - que há tanto nos deixou -
Sentados frente a frente, como quem prestava-se a observar sinais de fogo,
Mesmo que tudo que enxergássemos fosse apenas fumaça,
Provavelmente dos cigarros já queimados
Ou das ideias exploradas em excesso
[Como sinto falta dos excessos],
Debatendo concertos e comédias, os meus desacertos
As tuas tragédias.

Tu vinhas, brisa leve, de caprichos peculiares
E eu todo ventania, soprando forte as tuas certezas,
Deste acaso fez-se encontro e todo vento veio ver,
Que da sarjeta mais suja desta Rua Sergipe
Nasceu um belo monstro, de grandeza até então desconhecida,
Mas que já prometia o caos
E a fúria, em todos os seus empreendimentos.
De fato nosso encontro incomodava muita gente,
O que tornava tudo deveras divertido,
Aos teus sacros olhos cor de mar
E às minhas tempestades e ondas nos cabelos.

Depois deste tornado, havia ainda tempo para repousos,
Intervalos usados para aprofundar o lobby gratuito que fazíamos
Em defesa de uma vida sem valores,
Cruzando bares, praças e avenidas, convencendo a todos que nada
 - e ninguém -
Poderia convence-los de qualquer coisa, pois nosso objetivo nunca fora este,
Apenas oficializar uma forma menos nociva de levar as coisas,
Em que a pressão do meio não nos atingisse,
Ou ao menos não nos importasse.

Em outras noites reuníamos neste velho centro,
Deixando-nos tomar por uma buliçosa angústia,
Sentimento intrinsecamente mineiro, mas que preenchia teu ser paulista
E meu coração capixaba,
Um tédio daqueles bares e das tantas faces repetidas,
A ti - e a ti somente - ainda despontava um interesse diariamente renovado,
Pela vida, pelas narrativas, por estes pobres condenados,
E quando vinhas, com estes teus olhos brilhantes, me contar das tuas aventuras,
De safanão resgatava-te antes que fosse tarde
E tu caísses de paixões ou desajeitos, coisa muito sua.
A mim não interessavam os outros,
A não ser que os outros fossem tu ou 
Penaforte, algumas vezes o Inácio e a Cruz de Sá,
E quiçá aquele outro amigo, o tempestuoso,
A que chamo Oliveira.

E por longos anos nutrimos estas poesias dolorosas,
Entre sonhos e pesadelos - talvez até alguma realidade -
Nos encontramos diversas vezes, quando os astros convergiam
Ao encontro de Gêmeos e Libra. 
Pouco sei - e nada me importa - destes fenômenos astrológicos,
Mas reconheço a importância das estrelas em minhas noites,
Principalmente nas noites que passamos juntos,
Eu e tu.
O que fizeram de nós, amiga?

Tanto vento nos levou a outras vidas, novos endereços,
Cada vez mais distantes, tornaste-te senhora de si,
De pensamentos alinhados e teorias que não entendo bem,
Eu retomei o tédio de minha Vila Velha, e tenho escrito 
Estas memórias sem forma, deixando-me levar, principalmente,
Pelo sopro da afetividade.
Já nem mesmo me importa o que, de fato, vivemos juntos,
Há quem diga que tudo isso não passa de ficção,
Mas nós estávamos lá, guardo com carinho o teu sorriso sombreado,
As cifras tatuadas em tua mão esquerda,
E a torpe sensação de ter deixado o tempo passar,
Sem ter ao menos escrito um protesto ao vento,
Que nos uniu, mas também nos separou.


Já fazem tantos anos, tu e eu éramos outros.

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