Distâncias
Contemplo silenciosamente tua ausência,
Enquanto limpo a poeira de tudo aquilo que me cerca.
Tu deixastes marcas fundas nisso tudo,
Seja por lembrar de ti nesta cadeira velha
Ou de quando sentamo-nos na varanda de frente,
Amaldiçoando a vida que nos fizera assim,
Mesmo que houvesse em nós um prazer perverso
De guerrearmos, em palavras e afagos, por muitas e muitas noites.
Sim, querida, tu fazes falta.
Recordo-me ainda de como tudo começou entre nós,
Tu me eras como um capricho novo, daqueles com jeito pra causar grandes estragos.
Sabes como sou e como gosto dos estragos,
Não poderia haver por ti
- Além da clara curiosidade mórbida -
Senão um senso de amor profundo e sério,
Com efeito de tudo aquilo que representas para mim:
Tua pessoa e o cuidado que demandas o trato
De ti, meu animal raríssimo.
Diante de tudo isso, devo dizer que crescemos à parte um do outro,
Não é mesmo?
Por muito anos acompanhei teu sorriso e olhares distantes
- Tu sabes que sempre tive queda por teus olhos -
Como uma recordação retumbante do fracasso de minha pessoa.
Digo também que mereci,
Afinal crescemos à parte, os dois a despeito do tempo, do silêncio,
Da distância...
E embora doa-me saber, de dentro de mim, que dei as costas a felicidade,
Sei hoje que a marca da loucura me trouxe aprendizado
E passei a guardar-lhe (ou aguarda-lhe) com carinho,
Ignorante das chances que me vinham logo em frente.
E tu era apenas uma criança,
Deveria ter me ocorrido que o tempo constrói tudo,
Em lugar da simples negativa, por vezes repetida,
De que não eras para mim, de que não era para ser,
De que o amor já havia sido desperdiçado.
Poderia decorar esta memória com uma centena de versos tristes,
De canções tristes, de momentos tristes, daqueles dias mais tristes que vieram,
E tu e eu sabemos que nosso acervo de tristezas é vasto, meu bem.
Mas alegra-me saber que eles vieram e que foram contigo,
Alegra-me recordar de teu corpo no mar, de teu sorriso no sol,
Das inúmeras ligações trocadas,
E tudo aquilo que construístes, à parte de mim, mas que me enquadrava perfeitamente.
Num movimento delicado de minha pena,
Adiciono-lhe, em definitivo, às minhas viagens repartidas,
Afinal tu és uma parte tão imensa do que eu sou,
Talvez não saibas:
Hoje sigo acompanhando teus olhares
Em sonhos saturados de saudades.
Talvez a vida nos reserve um recomeço em outro dia,
Talvez a marca do passado seja a sorte escancarando teu riso,
Talvez tenha amado de menos e feito de menos por ti
Do que agora a justiça do cognac me propõe,
Mas de ti todas as memórias são incríveis,
Senhora distante,
Mas tão próxima de mim.