Ouça,
O vento assobia esta noite uma canção menor,
Em melodia triste e sóbria, que nada diz sobre a perda,
Sobretudo a perda como um objeto ao qual atribuímos pertencimento,
Uma canção menor que diz apenas de saudades
E das coisas mais bonitas que um passado doce
- Sacramente - guarda.
Ouça,
Pois digo-te com a profundidade de todas as marés,
Com a natureza exposta de todas as serras,
Com a ciência das canções que outrora entoamos juntas,
Que corta-me tua dor,
Não por enxergar em ti qualquer coisa além de força,
Uma geológica força, que em tudo faz jus às ventanias que os amigos lhe atribuem,
Mas por sentir por ti apenas irmandade, uma irmandade que só nós sentimos,
E sentir como em meu próprio peito
Tudo aquilo que te afliges.
Ouça,
Que em tudo ecoo tantas palavras tuas,
Não poderia por ti nutrir senão respeito,
Enquanto tantos buscam compreender a obra
Tu fostes tão fundo que encontrou o lado de dentro,
Mudando permanentemente a ordem de todas as coisas
E se hoje as tardes se escurecem com tua ausência,
Por tanto tempo fostes sol em minha vida.
Ouça,
Pois de fato o coração continuou,
A despeito de mim, como tu previstes,
Mas nunca a despeito de ti,
Nem um de nós sequer cogitou um destino no qual não nos entrelaçaríamos
Nem nunca houve por aqui outra vontade,
Pois tu és parte disto,
Como cada um de nós.
Segui teus passos de perto,
Em franca curiosidade biológica,
Observando experimentalmente tu emergires em asas de tuas cores,
Inimitavelmente tuas,
Inalteravelmente tuas,
E hoje vejo-te, além dos traços mais naturais,
E da lucidez branda das palavras de carinho,
Apenas aquilo que os mestres antigos saberiam descrever,
Em silêncio e admiração.
E resta orgulho, por ti sempre sobrarás orgulho,
Pois fostes tu quem tantas vezes me mostrastes
Que orgulho é fruto da arte mais genuína,
É resultado do exercício honesto e da lapidação constante dos diamantes mais brutos,
E assim tu és, não apenas em arte, mas em vida,
Um trabalho inacabável de esmero exemplar,
Que a própria terra em reverência à tua presença
Recita as obras desta vã literatura,
Assobiando as melodias que tu amas
E fatalmente cantam apenas sobre ti.