segunda-feira, 14 de março de 2011

Mil Desejos Pra Uma Eternidade

Eu era vago, vão, limpo. Uma página em branco, uma caixa vazia, uma ferramenta sem uso conhecido. Mas havia em mim um impulso. Havia em mim uma queda pelo verbo "desejar". Eu era vago, vão, limpo. Um livro em branco, um cofre vazio, um violão sem cordas. Mas havia em mim a possibilidade. Havia um movimento, um dinamismo, uma mudança.
Eis que eu quis algo. Quis ter vontade. Quis ter um desejo por dia, pra permanecer sempre insaciavelmente inconstante. Não saber o que querer, mas sempre tê-lo no final.
Mas a inconstância não me bastava, afinal era insaciável, rabiscava frases irracionais no caderno que era eu.
Logo quis ter menos sangue em minhas veias, menos coração no meu peito. Joguei fora o prazer bruto que devia ser lapidado de cada relação. Quis a frieza.
Mas a frieza não me bastava, pois era sempre a mesma indiferença. Pontuava mil frases que nem sequer tinham tempo de se construir no meu universo a lápis.

Quis ter o conhecimento, sem nem conhecer o que havia por trás disto. Quis conhecer um mundo que não era real por trás de toda a matéria. Quis enxergar os caminhos pra ter cada vez mais coisas. Ganância.
Mas todo o conhecimento do mundo insólito que eu criei me consumia. Cheio de mim mesmo não havia espaço pro mundo lá fora. A janela do mundo desenhada em meu caderno é um auto-retrato.
Também quis não saber nada. Quis ignorar tudo sem nenhuma maldade. Quis lembrar apenas de mim e do que meu corpo, cada vez mais fraco, me pedia. Quis nem saber de mim, deixar de lado tanta rotina.
Mas a ignorância é uma dádiva dos merecedores. Requer um esforço que nunca me pareceu digno. Além do fato de que o “não saber” não curaria minha dor de não ter tudo que queria. Apaguei as linhas do meu caderno, não quis mais ser certo.

Quis gostar da imperfeição. Mas cabia a mim criar algo perfeito. Quis gostar do belo, mas o que pode haver de belo nesse mundo que sou eu? Quis o glamour e o decadente. Um tango em qualquer botequim de qualquer esquina.

Quis poder lembrar de tudo que já quis, apenas pra não querer algo duas vezes. Também quis esquecer tudo o que já quis, mas descobri que não sirvo pra arrependimentos. Quis me corrigir em tantos aspectos... mas descobri que meus pilares são o que há de mais errado na humanidade. Minha vontade é lei e só eu posso ser juiz e jurado, para garantir que a lei seja cumprida.

Quis cantar em cabarés, dançar em velhos teatros, tocar em esquinas vazias. Quis queimar um cabaré, despedaçar um velho teatro, me embebedar em um esquina vazia. Mas pequenas coisas não fazem grandes poemas quando a genialidade é pouca.

Quis ter uma mulher amada e que me amasse, mas vi que a utopia ainda não veio. Contentaria-me, talvez, com uma mulher que me amasse, mas foi pouco demais pra minha vontade orgulhosa. Quis um amor grande demais e ele acabou cedo demais. Quis um amor incerto demais e me entediei com tantas certezas.
Quis tatuar um rosto, mas só pensava na lua. Única mulher que me acompanhou durante toda a vida. Quis ter alguém em minha pele, mas era pouca pele pra tantos ‘ninguéns’.
Quis sentir felicidade, tristeza, euforia, decepção, alívio, pressão, medo. Quis sentir medo da madrugada que só me inspirou em vida. Quis sentir medo da multidão que afogava minha mágoa em futilidade. Mas nem assim escapei do medo da solidão.

Depois quis parar de escrever, mas expressei isso em poesia. Quis não ter escrito tudo isso, mas descobri ser inútil depois da terceira versão escrita queimar na mesma fogueira das outras duas. Com as cinzas escrevi a quarta versão.

Eu quis muita coisa em minha vida. Quis organizar um caderno com tudo que passa dentro de mim. Quis arrancar meu coração e transformá-lo em tinta. Mas seria impossível. Por fim, hoje eu quis dizer que tanta vontade passageira só serviu pra me mostrar o que é o eterno, o infinito. E com isso, eu descobri que a única coisa que quero pra mim é você.

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