Prelúdio
Esvazio-me, como de costume,
No clímax de outra madrugada desperdiçada entre excessos e promessas.
Solenes companheiros de esquina, trajetos repetidos,
E a conhecida sensação de sermos apenas nós, amigos do acaso,
Contra toda sorte de transtorno que a vida tem a oferecer...
Ao fim, resta remorso,
Não por qualquer traço de moral que os inomináveis detentores da sociedade
Garantem, vergonhosamente, ser um único caminho para o céu,
Mas por saber que nosso cinismo já nos deixa mais próximos do inferno.
Viver é fácil,
Basta deixar que o vento sopre e as tempestades caiam,
No meio tempo tudo é só uma trovoada,
Um relance breve de uma eternidade vaga,
Um sopro fresco ou um choque forte,
Qualquer caminho serve quando nada leva a lugar nenhum.
Retas traçadas, viagens repartidas, sonhos que temos adiado pela falta de coragem.
Busca aí outra resposta, qualquer coisa que não fale de energia
E da vontade incognoscível de seres míticos.
Esta confraria reúne-se para admirar os mais belos fracassos,
E a culpa é de cada um de nós.
A César o que é de César,
A Ulisses o que é de Ulisses,
Ou Douglas, Daniel, William, Leopoldo,
Aqueles que podemos citar os nomes,
Todos nós merecemos as moedas de prata que o traidor recebe,
Por buscarmos, incoerentemente, uma saída para baixo
Enquanto contemplamos a Lua,
Os astros,
O vazio que nada mais pode preencher.
O que temos é lindo,
Patético, mas lindo,
Pouca coisa importa quando esvaziamos latas e frascos,
Recipientes sórdidos de angústia,
Prostrados em um presente com aspecto de passado,
Repetindo a punição, porque é tudo o que conhecemos.
Mas a madrugada acaba ao som da última moeda,
E logo voltamos à realidade das coisas,
Tudo aquilo que escolhemos ignorar e logo deixa de existir,
Afogado pela escuridão da noite e o silêncio das casas vizinhas.
Prelúdio de memórias fictícias,
Afinal, o que é real esconde-se muito além desta esquina,
De qualquer praça ou padaria,
E já não me interessa nada que eu possa viver de forma prática,
Hoje só quero sonhar.
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