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terça-feira, 13 de maio de 2025

Justiça

                                                                             Distâncias 

Contemplo silenciosamente tua ausência,
Enquanto limpo a poeira de tudo aquilo que me cerca.
Tu deixastes marcas fundas nisso tudo,
Seja por lembrar de ti nesta cadeira velha
Ou de quando sentamo-nos na varanda de frente,
Amaldiçoando a vida que nos fizera assim,
Mesmo que houvesse em nós um prazer perverso
De guerrearmos, em palavras e afagos, por muitas e muitas noites.
Sim, querida, tu fazes falta.

Recordo-me ainda de como tudo começou entre nós,
Tu me eras como um capricho novo, daqueles com jeito pra causar grandes estragos.
Sabes como sou e como gosto dos estragos,
Não poderia haver por ti
- Além da clara curiosidade mórbida -
Senão um senso de amor profundo e sério,
Com efeito de tudo aquilo que representas para mim:
Tua pessoa e o cuidado que demandas o trato
De ti, meu animal raríssimo.

Diante de tudo isso, devo dizer que crescemos à parte um do outro,
Não é mesmo?
Por muito anos acompanhei teu sorriso e olhares distantes
- Tu sabes que sempre tive queda por teus olhos -
Como uma recordação retumbante do fracasso de minha pessoa.
Digo também que mereci,
Afinal crescemos à parte, os dois a despeito do tempo, do silêncio,
Da distância...
E embora doa-me saber, de dentro de mim, que dei as costas a felicidade,
Sei hoje que a marca da loucura me trouxe aprendizado
E passei a guardar-lhe (ou aguarda-lhe) com carinho,
Ignorante das chances que me vinham logo em frente.

E tu era apenas uma criança,
Deveria ter me ocorrido que o tempo constrói tudo,
Em lugar da simples negativa, por vezes repetida,
De que não eras para mim, de que não era para ser,
De que o amor já havia sido desperdiçado.

Poderia decorar esta memória com uma centena de versos tristes,
De canções tristes, de momentos tristes, daqueles dias mais tristes que vieram,
E tu e eu sabemos que nosso acervo de tristezas é vasto, meu bem.
Mas alegra-me saber que eles vieram e que foram contigo,
Alegra-me recordar de teu corpo no mar, de teu sorriso no sol,
Das inúmeras ligações trocadas,
E tudo aquilo que construístes, à parte de mim, mas que me enquadrava perfeitamente.

Num movimento delicado de minha pena,
Adiciono-lhe, em definitivo, às minhas viagens repartidas,
Afinal tu és uma parte tão imensa do que eu sou,
Talvez não saibas:
Hoje sigo acompanhando teus olhares
Em sonhos saturados de saudades.

Talvez a vida nos reserve um recomeço em outro dia,
Talvez a marca do passado seja a sorte escancarando teu riso,
Talvez tenha amado de menos e feito de menos por ti
Do que agora a justiça do cognac me propõe,
Mas de ti todas as memórias são incríveis,
Senhora distante, 

Mas tão próxima de mim.





quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Confraria

                                                                                                Prelúdio

    

Esvazio-me, como de costume, 

No clímax de outra madrugada desperdiçada entre excessos e promessas.

Solenes companheiros de esquina, trajetos repetidos,

E a conhecida sensação de sermos apenas nós, amigos do acaso, 

Contra toda sorte de transtorno que a vida tem a oferecer...

Ao fim, resta remorso,

Não por qualquer traço de moral que os inomináveis detentores da sociedade

Garantem, vergonhosamente, ser um único caminho para o céu,

Mas por saber que nosso cinismo já nos deixa mais próximos do inferno.


Viver é fácil, 

Basta deixar que o vento sopre e as tempestades caiam, 

No meio tempo tudo é só uma trovoada,

Um relance breve de uma eternidade vaga,

Um sopro fresco ou um choque forte,

Qualquer caminho serve quando nada leva a lugar nenhum.


Retas traçadas, viagens repartidas, sonhos que temos adiado pela falta de coragem.

Busca aí outra resposta, qualquer coisa que não fale de energia

E da vontade incognoscível de seres míticos.

Esta confraria reúne-se para admirar os mais belos fracassos,

E a culpa é de cada um de nós.


A César o que é de César, 

A Ulisses o que é de Ulisses,

Ou Douglas, Daniel, William, Leopoldo, 

Aqueles que podemos citar os nomes,

Todos nós merecemos as moedas de prata que o traidor recebe,

Por buscarmos, incoerentemente, uma saída para baixo

Enquanto contemplamos a Lua,

Os astros,

O vazio que nada mais pode preencher.


O que temos é lindo,

Patético, mas lindo,

Pouca coisa importa quando esvaziamos latas e frascos,

Recipientes sórdidos de angústia,

Prostrados em um presente com aspecto de passado,

Repetindo a punição, porque é tudo o que conhecemos.


Mas a madrugada acaba ao som da última moeda,

E logo voltamos à realidade das coisas,

Tudo aquilo que escolhemos ignorar e logo deixa de existir,

Afogado pela escuridão da noite e o silêncio das casas vizinhas.

Prelúdio de memórias fictícias,

Afinal, o que é real esconde-se muito além desta esquina,

De qualquer praça ou padaria,

E já não me interessa nada que eu possa viver de forma prática,

Hoje só quero sonhar.

quarta-feira, 4 de maio de 2022

Pira Funerária

Tu lembra-se, meu amigo, de quando embarcamos nesta viagem? Crianças auspiciosas, de ímpetos largos e ideias estreitas, tu e eu éramos sonhos prestes a se eternizar. Acendia outro cigarro, elemento curiosamente unificador pra duas almas que pouco a pouco distanciavam-se, dos outros, certamente deles, mas também de nós mesmos, até restar ao outro apenas mão amiga, já seca de essência.

Por vezes subimos ladeira íngreme, sem deitar ao chão nada além de suor e sorriso, tu sempre foras de disfarçar bem tuas angústias, enquanto eu trovejava firme, com certo prazer em ser ouvido ou ao menos escutado. E aí vinha a decida, que era pra adiar o sonho. Quantas vezes sentamo-nos, já esvaziados de quaisquer sentidos, às portas e portões surrados, meio-fios atravessados, becos sujos, de esquinas duvidosas, um paraíso pra nós dois.

Pretendo dizer-lhe que havia algo ali, uma lealdade tácita dos pactos sanguíneos de outrora, decisões silenciosas que se transmitiam, de alguma maneira. Tu não cria em nada, mas tentava dizer-me que tu e eu éramos ligados, eu, bruxo autodidata, sempre soube que este teu nome de rei é que me fez de conselheiro.

Cedi ao encanto, prestei-me a ler teus mapas e as cartas de tua sorte, por anos escondi que este desfecho já nos vinha, pois de cá de minha torre, só restava sombra tua. Teu castelo se fez longo, e logo a caminhada era uma viagem que tu já não permitia-se fazer, flácido de vontade e esgotado de paciência, sentado ao trono deste império, que fui eu quem construí.

Mas tu desfez o cerco, quis buscar uma outra vida abaixo de tabuletas e panos de mesa porcamente quadriculados. E quando a chuva caía mais forte, tu lembrava-se daquelas tempestades, num sentimento misto de terror e de saudade ao ver que o tempo havia passado, mas teu passado ainda não. De mago ausente, tu cravou tuas armas nas paredes e prometeu a rendição, havia cansado-se do sonho, pois eram tantas as batalhas...

Agora tu vens, cobrar de volta o anúncio que omiti, como se pudesse encontrar algo que perdeu-se há tanto tempo, algo que não poderia ser substituído, mas que era continuamente esquecido por ti. Teus olhos graves, de ódio e ternura, vão buscar em qualquer sombra a luz de minha fogueira, mas eu já me queimei há muito tempo, majestade.

E tu vais cantar, tu vais contar a mesma história, por vezes repetida, tu vais citar verdades da mentira que criamos. Já não posso elaborar esta aventura pra nós dois, e como a mim - e sempre a mim - cabe o ofício da escrita, vou guardar-lhe como conto antigo, tal qual aquele que serviu de inspiração à nossa história e descansou na bruma dos sonhos da eternidade.

Somente a mim cabe este triste ofício, de ser quem tem tudo a sentir, dos feitiços às lembranças, das cartas, das marcas, da pele e do silêncio. Tuas memórias merecem respeito, sem o tom grotesco e mórbido de uma pira funerária, mas da classe de uma nota no jornal da tarde, que vai me fazer sentir mais uma vez todas estas coisas que escolhi evitar, num cumprimento solene de chapéu coco, posso até dar mais um trago pelos santos que intercedem, me levando pra outro mundo, em que tu já não estás.

A tu ainda cabe a tabuleta, as incertezas deste dia e de outros tantos que virão, sem previsões, nem maldições, sem ninguém pra te avisar. A nós cabe esta nota de viagem repartida, eu entrei pelo retorno, 

Tu buscaste outra saída.

sábado, 12 de março de 2022

Viagens Repartidas

Fria lâmina que busca minha pele, 

Sem conceder nem mesmo a torpe despedida,

Quebra o silêncio com meus versos tão fatais,

Doces promessas de alívio e solitude.


Houve um tempo de ternuras e paixões,

Vastas noites em que me desfiz em partes,

Memórias cintilantes deste triste devaneio

- A vida apenas - em sua face mais brutal.


Restas tu, como registro de minha sorte,

O fio de navalha firme, operador deste milagre,

Repartindo minha partida entre os que ficam

Enraivecidos pelo encontro com o destino.


A viagem acabou, minha companheira,

Tu permaneces deste lado, de cruel realidade,

Enquanto rendo-me ao sonho de outra vida.

Já não podes seguir-me ao derradeiro abismo.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Protesto ao vento

                                    à amiga Viviane Joslin


Tu e eu éramos outros, 
Jovens e impetuosos, diante de uma estrada longa
E de temperamentos mais curtos do que, em geral, considera-se certo.
Do alto de um praça alta, observando a cidade baixa,
Com um senso de nobreza - que há tanto nos deixou -
Sentados frente a frente, como quem prestava-se a observar sinais de fogo,
Mesmo que tudo que enxergássemos fosse apenas fumaça,
Provavelmente dos cigarros já queimados
Ou das ideias exploradas em excesso
[Como sinto falta dos excessos],
Debatendo concertos e comédias, os meus desacertos
As tuas tragédias.

Tu vinhas, brisa leve, de caprichos peculiares
E eu todo ventania, soprando forte as tuas certezas,
Deste acaso fez-se encontro e todo vento veio ver,
Que da sarjeta mais suja desta Rua Sergipe
Nasceu um belo monstro, de grandeza até então desconhecida,
Mas que já prometia o caos
E a fúria, em todos os seus empreendimentos.
De fato nosso encontro incomodava muita gente,
O que tornava tudo deveras divertido,
Aos teus sacros olhos cor de mar
E às minhas tempestades e ondas nos cabelos.

Depois deste tornado, havia ainda tempo para repousos,
Intervalos usados para aprofundar o lobby gratuito que fazíamos
Em defesa de uma vida sem valores,
Cruzando bares, praças e avenidas, convencendo a todos que nada
 - e ninguém -
Poderia convence-los de qualquer coisa, pois nosso objetivo nunca fora este,
Apenas oficializar uma forma menos nociva de levar as coisas,
Em que a pressão do meio não nos atingisse,
Ou ao menos não nos importasse.

Em outras noites reuníamos neste velho centro,
Deixando-nos tomar por uma buliçosa angústia,
Sentimento intrinsecamente mineiro, mas que preenchia teu ser paulista
E meu coração capixaba,
Um tédio daqueles bares e das tantas faces repetidas,
A ti - e a ti somente - ainda despontava um interesse diariamente renovado,
Pela vida, pelas narrativas, por estes pobres condenados,
E quando vinhas, com estes teus olhos brilhantes, me contar das tuas aventuras,
De safanão resgatava-te antes que fosse tarde
E tu caísses de paixões ou desajeitos, coisa muito sua.
A mim não interessavam os outros,
A não ser que os outros fossem tu ou 
Penaforte, algumas vezes o Inácio e a Cruz de Sá,
E quiçá aquele outro amigo, o tempestuoso,
A que chamo Oliveira.

E por longos anos nutrimos estas poesias dolorosas,
Entre sonhos e pesadelos - talvez até alguma realidade -
Nos encontramos diversas vezes, quando os astros convergiam
Ao encontro de Gêmeos e Libra. 
Pouco sei - e nada me importa - destes fenômenos astrológicos,
Mas reconheço a importância das estrelas em minhas noites,
Principalmente nas noites que passamos juntos,
Eu e tu.
O que fizeram de nós, amiga?

Tanto vento nos levou a outras vidas, novos endereços,
Cada vez mais distantes, tornaste-te senhora de si,
De pensamentos alinhados e teorias que não entendo bem,
Eu retomei o tédio de minha Vila Velha, e tenho escrito 
Estas memórias sem forma, deixando-me levar, principalmente,
Pelo sopro da afetividade.
Já nem mesmo me importa o que, de fato, vivemos juntos,
Há quem diga que tudo isso não passa de ficção,
Mas nós estávamos lá, guardo com carinho o teu sorriso sombreado,
As cifras tatuadas em tua mão esquerda,
E a torpe sensação de ter deixado o tempo passar,
Sem ter ao menos escrito um protesto ao vento,
Que nos uniu, mas também nos separou.


Já fazem tantos anos, tu e eu éramos outros.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Se a vida fosse justa

                                                                Ao Amigo Ernesto Penaforte


Se a vida fosse justa, nós, meros mortais neste templo,

Nem mesmo conceberíamos.

Afinal, que é que podemos saber, amado irmão?

Ao fim da curva, a estrada se estende ao infinito,

E nem mesmo sei quanto deste caminho percorreremos lado a lado.


Paredes erguidas de concreto e sonho, 

Uma cidade inteira em que nós dois, a despeito do tempo

                                            e de qualquer responsabilidade]

Inúmeras vezes desbravamos,

Tu contava-me de afeto e ternura,

Eu empilhava os corpos das vítimas de teu charme,

Mas tudo estava bem, os mortos não tem sentimentos

E você tem demais.


Por isso é que digo, a tu somente, meu amigo,

Que se a vida fosse justa, nenhum de nós saberia.

Desenganados novamente pelas expectativas

                                        de sucesso, de holofotes, 

                                        de quartos de hotéis destruídos]

E as filas de pessoas a ir e vir

Das quais jamais nos lembraríamos dos nomes,

Apontando ao Penaforte ensandecido

A tirar frascos dos bolsos do paletó,

Transbordando interesses mesquinhos,

Mesquinhos como nós.


Como eu te amo, meu querido amigo, amo a ilusão que criastes

De que eres qualquer coisa além de um patife,

Me faz acreditar, mesmo que por pouco tempo, que há de fato

                                                     algo de bom no mundo]

Afinal, onde é que encontraria, em um mundo repleto de patifes

Canalhas amontoados em mesas de bares no centro da cidade,

Um outro patife como vós?


Quisera, porém, compartilhar da fé inabalável,

Vós, o verdadeiro publicitário da cristandade,

Cavaleiro desmontado de uma cruzada inútil,

Pois os Deuses nunca lhe pediram nada...


Ainda assim, tu levantas o estandarte do passado

E vai reler os clássicos em seu tempo livre.

Um nobre vagabundo - se me perguntas - é o que tu és,

Da mais alta estirpe dos calhordas dessa terra,

Enganando a quem quer que saiba ler,

Com essa classe de lorde inglês no verão de dez mil sóis 

                                                   desta antiga Vila Velha.]


A natureza realmente é admirável.



sábado, 9 de outubro de 2021

Nada Diz De Quem Tu És

Agradeço pelas palavras doces, mas não as quero,

Nem quero ter de ti qualquer lembrança, nem destas vagas horas que passamos juntos

Entre semáforos e sinais (nas primeiras gotas da tempestade, que ainda cairia) 

Displicentemente costurando carros na Avenida do Contorno,

Entre uma parada e outra dessa vida que julgávamos levar

E, pouco a pouco, nos levou ao destino que temíamos

(Mas tu sabias, querida, tu já sabias...)

Nem mesmo quero recordar da voz erguida e do silêncio que abateu-se sobre nós

Nem de quando já não podia mais conduzir este acidente, anunciado e postergado, 

Miragem embutida artificialmente em todas as esquinas e pontos de ônibus

Retratando em tons mais cômicos as tragédias que viveríamos,

E - ainda assim - foi tudo em vão.

Agradeço os gestos todos, até mesmo os de barbárie e hostilidade,

Afinal, todos serão anulados pelo mais refinado aço

Desta vontade resoluta que defendes 

(e que, a fundo, nada diz de quem tu és).


quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Pego-me, ao pé desta janela, em este tempo e constante,

Pego-me, ao pé desta janela, em este tempo e constante,  A imaginar se uma de vós, crianças do futuro, será, como eu fui e tenho sido, a cisão da ordem natural das coisas, fratura exposta no tempo e no espaço, Na busca constante por sentido e razão.


Caso seja, minha alma extemporânea, 

Que isto te acalme, se possível for, pois ao pé desta janela de hoje, penso nas noites de insônia de Campos e nos homens modernos, 

De dores modernas, e vejo tanto de mim.


Se foram cem anos daqueles de Orpheu, e logo cem anos dos tais de Presença,

E o que sinto e escrevo diz do tempo de agora,

Do vazio que sentem os meus companheiros, que atravessam calados, os que escolhem calar, 

Uns poucos que sentam, distantes, em bares e sentem calor no reconhecimento mútuo, no compartilhamento, mesmo que superficial, de propostas para assuntos que a fundo não entendem

(E quando entendem, o que é que podem fazer?)

Nas noites vazias, sentem prazer em coisas igualmente vazias, dispostos frente a frente em outra discussão qualquer.


Como quem diz, pega-me outra, estende as mãos ao ar,

Meu companheiro mais leal em tantas velhas madrugadas,

Ao soar do abrir das latas, eu me perco em outro sonho

Do passado mais marcante que tivemos e se foi

Quanto mais se foi também? Quanto mais irá passar?

Quanto disso tudo podemos guardar ao longo dos anos? 


Quantas memórias tão doces e tenras, serão esquecidas, e, por isso, talvez ainda mais doces e tenras, sabendo, no agora, que possas perdê-las em breve, de vez.

As lágrimas que seco na manga de meu paletó, desafogam consigo sentimentos que não são

Originalmente meus, mas são, diante da medida das coisas que sinto, reais.

Reais, como todas as coisas em mim também são.

Reais, muito mais reais do que do que o mundo que me cerca e se pinta de progresso, por sob a face pobre e cinza.


Mas tu, criança do futuro, tu ainda nem nascestes,

Tu ainda nem vivestes o que o mundo lhe reserva,

E guardo a ti um voto de que seja bem melhor

Do que, aqui em minha época, o universo me relega. 


As coisas que nutro, sem nem mesmo considerar que tenho nutrido e colherei, seja lá como for 

<<Afinal, o que destino não cobra em suas curvas e a gravidade não pesa em suas quedas, a consciência toma-lhe em prazer>>

Os momentos de solidão que se alongam durante os dias, 

As conversas que se tornam mais rasas em detrimento desse abismo em mim, que sempre se aprofunda, e me faz perder o jeito… 

Constantemente perder a compostura e lançar tudo pros ares, Atear fogo nessa ideia do que sou, mas que só me dura sempre um tempo, Sempre um mesmo, e intenso, tempo.

Só dura sempre um mesmo tempo, porque ateio fogo quando me canso de mim.

E eu sei que escolho isso, sim, e em certa medida escolho porque isso me estimula e me conecta com esse sentimento, que tu, criança do futuro, sentirás quando me ler.  


Sim, quero mais é que esse turbilhão se adense e que a tempestade caia desmedida,

Se tiver que ser,

Quero desviar-me um pouco mais a cada noite do objetivo central, pra perceber sua forma completa, pra sentir tudo e de todas as formas.

Quero a estrada mais longa, de chão batido, que levanta poeira quando corro,

E ainda assim, vou correr.

Eu vou sim, sei que vou correr,

Sei que vou ter pressa as vezes e esquecer que tenho um plano,

Perder-me na neblina do tempo,

Na bruma do sonho,

Na poeira da estrada,

No simbolismo de tudo isso

E em coisas que só se passam em mim, e por isso indescritíveis.


Mas que tu entenderás.


O que tu ainda não entendes, e nem pode (e eu também não entendia antes), é que essas coisas tem que se passar imersas em nós mesmos.

Nenhuma dor pode tomar conta do que tu és, criança,

Nenhuma angústia tem o poder de fazer-lhe menor,

Portanto não diminua-se em tua autocomiseração,

Que prometo deixar-lhe apenas palavras boas.


Deste meu tempo ficará apenas a ideia da janela sob a vida, mas a janela e a vida haverão de se perder nesta curva do tempo,

Que teima em tirar de vista aquilo que ousamos construir com nossas mãos.


Quando o tempo agir, tu também perguntarás se tudo aquilo que fizestes e sonhastes valeu a pena

<<E, afinal, tudo vale a pena, se a alma não é pequena>>,

Enquanto eu, de meu descanso eterno, renderei-lhe um sorriso e um chacoalhar de ombros, como quem diz:

“Que é que sei, doce criança?

Se como tu, também vivi, amei, estudei, e até cri, e ainda assim perdi-me em tanta inveja e desatino. fica em paz consigo, que não há resposta alguma na criação que possa lhe trazer a paz que tu desejas” 


Tu também se pegarás ao pé de coisas como janelas, a pensar em versos como estes e em homens, que por sua vez serão como os meus poetas modernos, que tencionam moldar-lhe a mente e os modos. Mas sê apenas como tu és,

Assim como eu,

Fui e tenho sido


Ao pé desta janela de agora,

Pensando na paz que ainda não posso ter.




domingo, 22 de novembro de 2020

Coisas que faço, pois vivo, que faço pra poder viver.

Estas coisas que faço, nas quais gasto meu tempo,

Sem qualquer traço de paixão ou de intento,

As coisas que faço, já nem tocam meu coração,

Mas faço, como se não me restasse nenhuma opção.


As coisas que faço, nem queria fazer,

Faço-as, enquanto o sol segue seu curso,

Faço-as, sem crer em retorno ou recurso,

Sigo fazendo-as enquanto viver.


E, afinal, faço-as sem propósito ou questionamento,

Como se a condição imposta fosse imposta, de fato, 

E detenho o protesto que minha alma ainda pensa em fazer.

São coisas que faço, criadas na inércia do tempo, 

Que nunca me dizem nada, nada de imediato, 

Coisas que faço, pois vivo, que faço pra poder viver. 

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Cometa

Posto que sou chama, digo que queimo frio,

Já não aqueço mais aos que procuram meu abrigo,

Tremulo ao vento gélido da ventana semiaberta,

Semiaberta como eu, fui e tenho sido.


Posto que sou rocha, digo-me oco por dentro,

Já não sustento mais os alicerces desta vida,

Duro por fora e por dentro, pra guardar não sei o que,

Erodindo, solitário, às camadas de influência.


Posto ser o que me mostro, digo que não valho a pena,

Pois me mostro intermitente, como um surto de minha alma,

Com o intento de frisar que sou eu sempre capaz,

Capaz de decorar a minha fala e movimento.


Posto que sou nada disso, devo ser coisa nenhuma,

Devo ser como um cometa, passo pra deixar registro,

Então adentro a noite extensa, o universo e o vazio,

Para todos que ficaram morro no esquecimento.


sábado, 24 de outubro de 2020

Já não somos os mesmos, certamente,

Já não somos os mesmos, certamente,

Hoje carregamos o fardo
Da consciência que emana de nossa responsabilidade sob os atos,
Estas coisas que temos evitado, diariamente,
Nos olhares atravessados por sobre as xícaras,
Em talheres despejados com desajeito incomum,
No súbito silêncio que lhe recepciona em eventos de família,
E o desinteresse porcamente disfarçado em um convite falso
Ao qual esperam que não compareças.
As fraturas vão tomando o vidro do porta-retrato
E as nossas distâncias, agora tão visíveis,
Dispostas bem na mesa de entrada, junto às chaves 
E aos retratos deste passado,
O tempo ao qual rendemos suspiros 
E não foi real.

Quisera acreditar na mesma ilusão que vós,
E não perder a voz, silenciando novamente as verdades
Que ninguém espera ouvir,
Enquanto recebo em meus braços o corpo que hesita,
Por não saber se é sincera a minha entrega,
Se o momento é belo ou só constrangedor.
Ah, mas se fosse sincero, se qualquer coisa em mim fosse sincera,
Senão as palavras que desabam nesses momentos,
Que é que seríamos?
A fagulha prestes a explodir.

Anuviei a vida, me tornei tempestuoso,
Qualquer hora precipito tudo pra fora de mim.

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Senti o frio, o abraço vago que a morte oferecia,

Senti o frio, o abraço vago que a morte oferecia
No horror da noite, vi na sombra do passado
A ilusão do amor jamais vivido antes
Do sonho terno que teu corpo me propõe.

Súbito cessaram as máquinas, a obra poética,
Os planos herdados de apreço e desilusão,
O indulto dos mortos e o ardil dos Deuses,
A vida que tua luz não iluminava e que a mim foi tudo.

Pois o amor, enquanto arte, é um sonho quente,
Como uma valsa que repete noite a noite, 
Mas não aquece e nem renova o coração.

Somente tu é que acende o que não queima,
Só teu beijo recompõe minha vontade,
Só a ti amo, como nunca amei ninguém.


 

terça-feira, 14 de julho de 2020

Desfez-se, na baía silente dos sonhos, meu último castelo de areia,

Desfez-se, na baía silente dos sonhos, meu último castelo de areia,
A obra frágil e imperfeita, que eu nunca pretendi criar.
Teve desfecho, aquele que ninguém anseia:
Morreu no mar. 

terça-feira, 30 de junho de 2020

Teu Corpo Hipotético

Todo espelho revela-me, ao fundo os mistérios,
Decifra o sorriso que ostento e direi:
Há no reflexo um sujeito poético
Que grita em silêncio o que já calei.

Pressiono em meu peito teu corpo hipotético,
E beijo-o, em sonho, como beijaria em vida.
As coisas que sinto, que penso e que sonho
Se reinventarem quando encontrei você.

Por sob as certezas mais nobres da alma,
De dentro da câmara quente do coração,
As noites se estendem quando, tolo, imagino
Todas as noites que logo virão.

Se houvesse, mesmo que insólita, a chance
De tê-la em meus braços esta noite, a teria.
Dois dias de insônia, delírio e fraqueza
Dois dias de amor - quem acreditaria?

Esta noite de estrelas, esvaziada de essência,
Os astros proíbem nossa plenitude,
A lua brilha, mas já não ilumina mais nada
Por compaixão aos amantes distantes.

Se fosse possível lhe daria a posse
De cada emoção que fizeste-me sentir
E a faria senhora de nosso tempo juntos
Dona de tudo que eu quero escrever.

Mas resta tua ausência, gritante e exposta
Mais verdadeira que nosso romance,
Que o tempo passe e o peito descanse,
Pois logo seremos inseparáveis.

Duvida da paz, duvida da morte
Questiona as estrelas, a lua e o sol
Duvida do amor, duvida da sorte
Mas acredita em minha declaração.

sábado, 6 de junho de 2020

Estranhos que se cruzam na rua,

Estranhos que se cruzam na rua,
Como nós.
A face muda que evita o olhar
Já nem pensa o que dizer,
Imaginando se o outro sente o mesmo.

Estranhos que se cruzam na rua,
Como nós temos sido.
Talvez não tão estranhos
Pela marca da memória, ainda vívida,
Mas distanciados.
Nós que éramos tão próximos,
E talvez por isso distanciados,
Mas só digo de mim
Quando digo que não suportaríamos,
E me dói pensar que tenha que supor
O que tu sentes.
Depois de tantos anos o que é que sei?
O que é que sabes de mim se não história
Aquela que passou e as que te contaram.

Estranhos que se cruzam na rua,
Dispostos frente a frente pelo acaso,
Vamos outra vez virar os olhos e fingir
Que somos ainda mais estranhos.

Vamos passar mais uma vez despercebidos
Até o ponto de nem sermos reconhecidos
No conforto de nunca ter que dizer nada
Pois realmente não há nada pra dizer.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Cinismo

Suspiro ao abrir os olhos, sinto cansaço,
Como se tivesse sido empurrado às paredes
Por ombros duros, sei que todos carregamos pesos,
Mas alguns esqueceram-se da leveza.

Da luz dos edifícios espelhados
Vejo a vida translucida das janelas,
O espetáculo silencioso do dia a dia
Refletido, inúmeras vezes, torna-se impessoal.

Vivo e vejo todas as coisas, as coisas como são,
Despidas das fantasias do progresso,
A despeito de qualquer mística moderna
Que nos faz crer especiais.

Digo não aos olhos brancos das vitrines,
Mas minha recusa é franca e sem desprezo,
Não aceito, mas sigo sem alarde,
É que desse mundo, eu nunca farei parte.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Doces Mais Doces

Gosto dos doces mais doces
Que explodem sabores intensos,
Mas logo me enjoam os sentidos
Por serem doces demais.

Gosto do açúcar que sobra,
A mão errada, com gosto,
Que escancara o exagero
Desses desejos banais.

Chego a ser deselegante...
O problema não é a frequência,
As doses são altas demais,
Como todos de uma vez só.

Nunca pensei no amanhã,
Nem sei do que será feito,
Mas não guardo nada
Com prazo de validade.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Síndrome Respiratória

Arfa teu peito, arde por dentro como brasa,
Procura o ar, que só te falta isso.
Respira, com a mente resoluta e o objetivo
Fixo em buscar alívio.

Há métodos, não tão convencionais, 
Que certamente, tão sombrios, tem verdade,
Tuas respostas não estão nas capas de jornais,
Olha pra dentro.

O ar, que não existe agora, foi sumindo
Com os anos passados em branco,
Aos poucos se diluindo na insensatez,
Como se cansasse de ti.

Afinal, quem não se cansaria?
Você que já não se levanta de sua cama,
E torce, vergonhosamente,
Pra que a glória pouse em tua janela.

domingo, 10 de maio de 2020

Caprichos

Verifico os bolsos e cadernos, faltam palavras,
Nada, além do acaso que nos une, está escrito,
É tempo, ainda, de considerações
Acerca do amor que vivo e repito.

Por todo o mar que nos separa, derramo 
A essência triste deste dia,
A lírica padece, os olhos cerram-se,
O resto é só sinestesia.

Resiste, na distância, o sentimento 
- Declaro guerra a toda abstração -
Quero viver o que é concreto
Mesmo que o concreto seja a solidão.

Não há pares além do par que somos
E, por capricho, nós nem somos nada.
Descanso o corpo sobre as ondas,
Há batalhas que não devem ser travadas.