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quinta-feira, 10 de julho de 2025

Calmamente

                                                                                              Tuas iniciais aqui.


Um dia tu deixastes claro que 
Em minha vida não dava mais.
Teus apontamentos, de profunda coerência,
Desfizeram a mística que julgava haver
Em mim, certamente em mim,
Mas sobretudo neste caso
Criado e repetido entre nós.

Devastada, busquei entre ciências
E ilusões uma resposta capaz de
Suscitar em mim uma outra vida.
A mim não era claro que tudo se 
Muda,
Mesmo que tu, calmamente,
Houvesse mudado tudo em mim.

quarta-feira, 9 de julho de 2025

Ao vale cinza

Sonhei por noites a fio
A meu lado tua sombra,
Inquieta lembrança de tudo aquilo que tu deixastes,
Ecos do que era, desejos reparados
E em nossa frente o coração do mistério
Será que poderíamos - outra vez -
Romper a dúvida e encontrar felicidade?

Quis gritar,
Tremi de noite, por medo e solidão,
Não sei se acreditei, por um momento sequer,
Que era capaz de atravessar a imensidão
Sem tua luz.

Confesso que caí,
Lancei-me ao fundo de todas as sarjetas,
Já não podia erguer-me
De toda essa sujeira.
Dormi na vala e reconheci
Um lugar que era, enfim, só meu

E em um destes inúmeros pesadelos
Ouvi a voz da musa
Que em incisivo golpe
Rechaçou meu sofrimento
Sua dureza em decreto me dizia
Que essa sombra já havia tirado muito de mim

Então, em segunda parte de infortúnio,
Larguei o conforto de meu poço lúgubre
E assim subi por desesperadas 
Almas que habitavam o caminho.
Não sei dizer quanto tempo se passou.
Cheguei ao topo e vi a paz.

Hoje sou grata.
Selo o sol
E vou correr em campos verdejantes
Sem nunca olhar pra trás
Ao vale cinza.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Filhas da Terra

Tu conceberias senhores do tempo?

Conceberias criadores de universos?

Crês, dentro do peito vacilante, que alguém controla o clima destes dias?

Vês as tempestades e os mares que se abatem sobre os homens

E ignoras o poder da terra.




Não posso amar os símbolos criados por homens

Que nunca entenderam a natureza.

Corpos reunidos em templos de pedras,

A ver, através de vitrais, um mundo que julgam dominar,

Encomendando preces e benções,

Pequenos fragmentos dessa luz que os cega.

Almas pequenas de ingratidão,

A vós que o jardim foi criado, a vós que ele serve,

Cada emaranhado de folhas secas que descansa no solo deste bosque

Conta uma história,

Em nenhuma delas há deuses.




Tua pequenez não permite sonhos grandiosos,

Das façanhas mais humanas, das possibilidades inerentes

Apenas aquilo que nós vivemos.

Tua simples mente domada reproduz devaneios

De ninfas e sereias, de anjos que nos regem,

Do senhor furioso que escreve as leis da tua vida.




Mas as nuvens não têm senhores,

Servem apenas ao ciclo comum de todas as coisas.

As ondas se levantam muito além do que tu pensas,

Muito além do que teus olhos podem perceber,

E tudo conecta-se, o céu e o mar,

Estamos todos ligados,

Tu temes a tempestade e a fúria,

Apenas me reconheço.




Ainda não conheci a fé que move montanhas,

Mas tenho visto montanhas por todas as partes,

Como poderia crer na fé dos homens?

Reverencio meus verdadeiros antepassados,

Pequenas criaturas de um vasto oceano.




Renegarei tuas profecias até o fim,

Eu quero a fé orgânica, a crença natural,

Quero a prece dos rios, o rito dos solos, todo o misticismo dos mares,

Vou aprender aquilo que as raízes ensinam,

Olhar a lua enquanto a noite se estende e despertar o sol,

Quero meditar na brisa serena,

Todo este planeta é meu lar.




Não travo batalhas com o tempo, amo aquilo que não permanece,

Tudo que existe é o aqui e o agora,

Do meu passado levo apenas a memória,

E meus olhos aceitam com doçura até mesmo o que não compreendo.




Teus deuses tem nomes e séquitos,

Estátuas de mármore e versos em línguas,

Os meus estão por toda parte,

Nem mesmo precisam de mim.

Deixo os homens e suas divindades,

Nós somos filhas da Terra.

quarta-feira, 14 de abril de 2021

O Coração Continua

                                                              Ao amigo Ulisses de Carvalho


"Entra no mar, meu doce amigo, entra no mar
Que aqui nós todos temos corações quebrados
E os nossos sonhos também foram naufragados

Entra no mar, meu doce amigo, entra no mar
Que muitos deles vão te relembrar das sombras
Mas nenhum deles sabe que amanhecerá!"

Vistes, meu caro, que o coração continua, não é?
Te deparastes com a inevitável queda neste abismo de si mesmo,
E entrecortado pela angústia que nutrias, silencioso,
Gritou sozinho na esquina de tua vida, 
Ignorante da guinada que lhe vinha logo em frente.

Vistes, meu caro, que o coração continua,
Músculo, sobretudo, ativo e operante,
Até que se mostre incapaz de exercer esta função,
Músculo, sobretudo, o músculo que sustenta o corpo, 
O corpo além corpo, aquele que ignoras,
E despenca débil no abismo.

Vistes, meu caro, que o coração continua,
Teu núcleo metafórico de carne,
Pungente de dores e horrores e amores,
Tua bomba de angústias e sangue que lhe toma as veias
Ele continua, a despeito de ti.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Solta o peso de teus ombros, meu amigo

 Ao Amigo Matheus Oliveira


Solta o peso de teus ombros, meu amigo, 

Dói, eu sei que dói, sei que ainda vai doer,

E que por incontáveis noites tu se perderás

Um pouco.


Sei que teu silêncio só diz sobre saudade,

Que quando te emudeces é porque calas o choro,

E os francos companheiros que te cercam

Compadecem-se da mágoa que guardas 

Aí dentro.


E vai doer em todos nós quando doer demais em ti,

Serás bem mais difícil se te fechas novamente,

O muro que edificas não te protege de nada,

Só te fechas em si mesmo, em tua própria insegurança,

A espiar os inimigos de tua imaginação.


Resguarda-te em teu ritmo e teu passo em tua estrada,

Que a vida nunca vai te permitir tomar atalhos,

E sente a dor, como tens proposto-te sentir tudo,

Sente a dor, porque tu mereces senti-la, 

E ela é só sua, de mais ninguém.


E que do dia mais difícil se faça o verso mais belo,

Que a noite mais solitária se aqueça com teu canto,

A dor é tua amiga, se planejas crescer, 

E se te ressentires dela, te verás preso
Em luto eterno.

Não há porque fugir daquilo que é sincero,

E se te sentes triste

É porque tens que sentir.


Mas não negue ao amanhã a chance da mudança,

Nem perca a esperança, se te sentes a vontade,

Só não faz da tua tristeza uma outra história trágica,

Porque isso não combina com o que almejas ser.


Sei que é do teu feitio a tristeza desmedida,

Mas se tu sente-se grato, apega-se a isso,

Apega-se a luz que se iluminou,

Mesmo que distante,

E nunca à escuridão que já ficou pra trás.


segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Devolvo à natureza um sorriso tímido

Devolvo à natureza um sorriso tímido

A cada manhã que acordo, mesmo que barulhenta

<< Às vezes, preferivelmente barulhenta>>

Por sentir-me parte de algo maior,

Por respirar tão fundo, calmamente enchendo o corpo de oxigênio,

E desprender-me, etérea, das preocupações mundanas.


Percebo a vida como troca,

Em que nem sempre sabemos quando receberemos nossa parte.

Sigo doando-me inteira, sem pensar na medida das coisas que entrego,

E recebo o silêncio com a calma resoluta de quem respira fundo.


A fluidez de meu pensamento não pode fazer-me mal,

A partir dela desfaço-me em tudo, reúno-me em nada,

Choco-me às ondas, 

Balanço na alta das marés, 

Corro com as correntes,

Esvazio-me na lua cheia, só pra preencher-me quando ela é nova,

E tudo em mim é novo, impossivelmente novo,

Mas concreto e real, como sou,

E basta-me ser.


Às vezes as nuvens fecham-se e o dia me oprime,

Mas toda tempestade lava a alma.

Como a água, minha liberdade é adaptação,

E rendo ao mundo o que há de melhor em minhas formas.


Se a chuva cai forte, penso na força da terra, 

que aguenta, serena, toda carga sobre ela jogada.

Se a chuva cai mansa, a terra renova-se em vida

E os ares sopram pro novo,

Eu apenas respiro fundo

E durmo tranquila sob a chuva que bate nas telhas.


Se o dia amanhece cinzento, o sol tem todas as cores

E eu posso tê-las também,

Tudo que preciso segue comigo.

Guardo ao peito a calma que emprego nos versos que fico,

Nem penso ainda nos versos que vêm.

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Diante do Mar

Sento-me diante do mar
A imaginar como seria
O corpo distante do meu
Aquecendo a cama fria.

Se um dia pudesse te amar
Do resto todo esqueceria,
Assim como o mundo esqueceu
Como se escreve poesia.

És livre, vem me libertar
Da solidão e da agonia,
Toma este corpo que é teu,
Preenche esta mulher vazia.

Mas só venhas se for pra ficar,
Pois eu jamais saberia
Como escrever um adeus
À minha própria alegria. 



quarta-feira, 27 de maio de 2020

Quarto tácito

Descansa os teus olhos azuis, meu príncipe,
Que o mundo já lhe roubou seus melhores dias,
Os dias que o sol acentuava-lhe o brilho
Fazendo seu corpo vibrar, sutilmente.
Descansa, que eu velo por ti
Por quantas noites forem necessárias,
Assim como tu fizestes em vida,
Sua doce e pequena vida.

Os próximos dias serão grandes
Não esses, de quarto tácito
Jamais esses dias de tua ausência
Apenas os próximos
Apenas aqueles em que tua alma
Puder descansar em paz.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Fratura

A certa hora, descanso os olhos 
Mesmo de luzes acesas, descanso-os
E a noite aprofunda-se, incerta, 
Mas tudo se passa lá fora.

Chia, por baixo da porta, uma verdade 
Sobrenaturalmente imposta, 
Toda escuridão é imensa
E as sombras crescem dentro de nós.

Há medos que são como pragas,
Destroem os nossos jardins,
Cobrem as nossas janelas e logo não vemos
Nada, nada além deles.

Estou certa de que minhas sombras
São parte do escuro do mundo,
Pois quando descanso os olhos
Vejo outras luzes acesas.

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Não Deseje Nada Além da Plenitude

Não deseje nada além da plenitude,
Nem o céu, nem as estrelas, nem o azul dos oceanos,
Não deseje que a sorte vá a encontro de seus planos,
Que os sonhos grandes trazem somente inquietude.

Não deseje a morte com palavras incoerentes,
Nem o céu, nem o inferno, nem jardim da salvação,
Não deseje que o tempo de descanso ao coração,
Pois tristeza e solidão são problemas recorrentes.

Não deseje força pra aguentar a tempestade,
Nem que o céu desague as águas em qualquer outro dia,
Não deseje o ombro amigo, que tuas dores alivia,
Tu tens o mesmo tamanho que a tua força de vontade.


Estridulação

Quando faltam-me as palavras, calo,

Como se calasse a própria alma inquieta

E remediasse, assim, toda vaidade.



Nos outros dias me derramo.

Como tenho derramado tanto de mim pelas noites,

No devaneio sonolento do crepúsculo desfaço-me,

Irreconciliavelmente,

E o sonho, caloroso, morre

Quando calo-me pela manhã.



Há poesia no silêncio e nas coisas

Não configuráveis,

A mística dos pontos pretos na parede branca,

A metafísica da estridulação dos grilos,

O feitiço do tempo.

Há poesia no silêncio e nas coisas

Que ignoro quando fecho os olhos,

Um mundo além do ideal

Recompondo-se a cada segundo.

Vês que o universo começa aqui,

Mas jamais entenderás sua real extensão

Enquanto mensurá-la com palavras.



Quando faltam-me as palavras, oiço,

Como se ouvisse a própria alma inquieta

E evitasse toda solidão

No canto manso do vento.