Mostrando postagens com marcador Contos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Contos. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Intransigente

Levanta o sol e bate a cara do sujeito

_Paciência, meu bom Deus, acorda a ovelha desgarrada do rebanho para que ela se aproxime cada vez mais do lobo. Responde a prece do pobre que bebeu demais pagando menos. Responde o grito do desesperado. Liberdade não me vale nada pra morrer de frio. Toma de volta o verbo, refaz a complexidade de minha alma. 

Tropeça

_Derruba o servo, aproxima-o do inferno. Serve o vinho de sangue de seu filho, mas esquece o filho cujo o sangue é puro álcool, não morrerei pelos pecados de ninguém, mas aceito descansar em paz caso os meus sejam perdoados. O chão é seu, Majestade, deixa-me viver na parte escura em teu jardim. Que venha a chuva, apaga o inferno que causamos.

Soluça

_Louvar a quem esquece a própria cria em sete dias. Não há menção a mim em nenhum dos evangelhos, quem ousaria dizer que faço parte do seu reino? Abre as portas pro povo, Deus misericordioso, mas continua lá de longe no seu trono reluzente. Assistir de longe ao ritual feito em seu favor, aproxima-se da realidade cotidiana dos teus servos.

Engole

_A seco. Cadê o pão de carne humana apodrecida lá na cruz? Devoro o irmão, mas o faço por amor ao pai. Me incumbe do serviço que nenhum outro filho quis tomar, Senhor, me incumbe do serviço de ser ninguém. Ignora-me como eles ignoram, esquece-me como eles esquecem, apaga-me como eles apagam, pois tu pode fazê-lo sem pesar nenhum, dá exemplo aos filhos que tem a tarefa de serem maiores, serem exemplos, serem quase você, só não deixa que eles pensem que são você

Cai

_Caído como seus anjos, seria eu superior? Declara-me o inimigo, para que eu enfim seja parte da história de sua santidade. Mas explica pro teu filho: São os santos outros deuses? São os santos o que além de pobres como eu. Abre o processo seletivo, Senhor, candidato-me a mártir se na canonização tiver banquete. O que não tive em vida, provenha-me na morte

terça-feira, 19 de abril de 2011

É Tarde

Já era tarde, muito tarde, mas ainda assim ele continuava imóvel... sentado naquela cadeira como se pudesse impedir o tempo de correr. Apenas suas mãos se moviam, escrevendo rapidamente sobre um papel já muito manchado de várias tentativas frustradas de se expressar de uma maneira no mínimo coerente.

"Pois bem, hoje eu resolvi me desculpar por todos os meus erros. Talvez seja apenas o efeito do silêncio da madrugada no meu cérebro discretamente cansado, mas ainda assim não vou deixar passar essa "sensibilidade" estúpida que me toma.
Eu queria poder assumir pra cada pessoa cada um de meus pecados, mas isso levaria tempo demais e o meu tempo escasso raramente se encaixa com o tempo dos outros, então vou fazer desse papel meu confessionário.
A todas as vítimas da minha arrogância, eu peço paciência (mesmo aos que já são por natureza pacientes demais). Detesto essa rotina de julgamentos que me envolve, enquanto julgo a todos pelas costas, todos me julgam da mesma maneira. Já estou cansado de ser assunto e não companheiro, mas não tenho o direito de tirar isso de ninguém, quando nem ao menos consigo tira-lo de mim mesmo.
Aos que sofreram com minha inconstância, peço que deixem de lado. Sei que é difícil separar o que sou do que eu "estou sendo", mas é injusto sofrer por algo que nem mesmo eu controlo, da mesma forma que é injusto pedir que esqueçam algo que eu me lembro a cada dia.
Quanto aos que se machucam com a minha intolerância, peço compreensão. Já é difícil demais tolerar a mim mesmo, convivendo diariamente com tudo o que eu citei nessa "análise", imaginem então tolerar o resto do mundo. Entretanto, não me julgo indispensável e entendo perfeitamente o fato de que não sou o único que lida diariamente com a luta entre consciente e inconsciente e, portanto, não julgarei que não puder me tolerar também.
Aos que sofrem por qualquer outra característica que foge ao meu controle, peço tudo o que já pedi e que saibam perdoar. Nenhum homem é perfeito, mesmo que alguns (como eu) sejam completamente imperfeitos."

Ele dobrou o papel e guardou a caneta. Isso não deveria ser entregue nunca, pois se confessar pelos pecados de hoje é apenas mascarar os pecados de amanhã. Pois ele sabia que já era tarde, mas nunca era tarde demais.
(Pra errar ou acertar, no final tanto faz
Pois tentar consertar é apenas estragar mais
Nenhuma tentativa basta, é esquecida, apagada
Só o resultado vale... querer muito é fazer nada)

segunda-feira, 14 de março de 2011

Mil Desejos Pra Uma Eternidade

Eu era vago, vão, limpo. Uma página em branco, uma caixa vazia, uma ferramenta sem uso conhecido. Mas havia em mim um impulso. Havia em mim uma queda pelo verbo "desejar". Eu era vago, vão, limpo. Um livro em branco, um cofre vazio, um violão sem cordas. Mas havia em mim a possibilidade. Havia um movimento, um dinamismo, uma mudança.
Eis que eu quis algo. Quis ter vontade. Quis ter um desejo por dia, pra permanecer sempre insaciavelmente inconstante. Não saber o que querer, mas sempre tê-lo no final.
Mas a inconstância não me bastava, afinal era insaciável, rabiscava frases irracionais no caderno que era eu.
Logo quis ter menos sangue em minhas veias, menos coração no meu peito. Joguei fora o prazer bruto que devia ser lapidado de cada relação. Quis a frieza.
Mas a frieza não me bastava, pois era sempre a mesma indiferença. Pontuava mil frases que nem sequer tinham tempo de se construir no meu universo a lápis.

Quis ter o conhecimento, sem nem conhecer o que havia por trás disto. Quis conhecer um mundo que não era real por trás de toda a matéria. Quis enxergar os caminhos pra ter cada vez mais coisas. Ganância.
Mas todo o conhecimento do mundo insólito que eu criei me consumia. Cheio de mim mesmo não havia espaço pro mundo lá fora. A janela do mundo desenhada em meu caderno é um auto-retrato.
Também quis não saber nada. Quis ignorar tudo sem nenhuma maldade. Quis lembrar apenas de mim e do que meu corpo, cada vez mais fraco, me pedia. Quis nem saber de mim, deixar de lado tanta rotina.
Mas a ignorância é uma dádiva dos merecedores. Requer um esforço que nunca me pareceu digno. Além do fato de que o “não saber” não curaria minha dor de não ter tudo que queria. Apaguei as linhas do meu caderno, não quis mais ser certo.

Quis gostar da imperfeição. Mas cabia a mim criar algo perfeito. Quis gostar do belo, mas o que pode haver de belo nesse mundo que sou eu? Quis o glamour e o decadente. Um tango em qualquer botequim de qualquer esquina.

Quis poder lembrar de tudo que já quis, apenas pra não querer algo duas vezes. Também quis esquecer tudo o que já quis, mas descobri que não sirvo pra arrependimentos. Quis me corrigir em tantos aspectos... mas descobri que meus pilares são o que há de mais errado na humanidade. Minha vontade é lei e só eu posso ser juiz e jurado, para garantir que a lei seja cumprida.

Quis cantar em cabarés, dançar em velhos teatros, tocar em esquinas vazias. Quis queimar um cabaré, despedaçar um velho teatro, me embebedar em um esquina vazia. Mas pequenas coisas não fazem grandes poemas quando a genialidade é pouca.

Quis ter uma mulher amada e que me amasse, mas vi que a utopia ainda não veio. Contentaria-me, talvez, com uma mulher que me amasse, mas foi pouco demais pra minha vontade orgulhosa. Quis um amor grande demais e ele acabou cedo demais. Quis um amor incerto demais e me entediei com tantas certezas.
Quis tatuar um rosto, mas só pensava na lua. Única mulher que me acompanhou durante toda a vida. Quis ter alguém em minha pele, mas era pouca pele pra tantos ‘ninguéns’.
Quis sentir felicidade, tristeza, euforia, decepção, alívio, pressão, medo. Quis sentir medo da madrugada que só me inspirou em vida. Quis sentir medo da multidão que afogava minha mágoa em futilidade. Mas nem assim escapei do medo da solidão.

Depois quis parar de escrever, mas expressei isso em poesia. Quis não ter escrito tudo isso, mas descobri ser inútil depois da terceira versão escrita queimar na mesma fogueira das outras duas. Com as cinzas escrevi a quarta versão.

Eu quis muita coisa em minha vida. Quis organizar um caderno com tudo que passa dentro de mim. Quis arrancar meu coração e transformá-lo em tinta. Mas seria impossível. Por fim, hoje eu quis dizer que tanta vontade passageira só serviu pra me mostrar o que é o eterno, o infinito. E com isso, eu descobri que a única coisa que quero pra mim é você.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A Encruzilhada

Em uma estrada qualquer havia uma encruzilhada.
Sentado em sua perfeita interseção estava um velho, sujo e vestido em trapos pretos. Ao ver o jovem se aproximar levantou as mãos, como um sinal.


Venha... Venha me escutar


Pra não falar do que não cabe
Nem esquecer do que se sabe
É melhor nem começar

Só pra quem crê em alma vasta
Pra quem meia palavra basta.
Pra esse eu vou me apresentar...

Sou a maldade em pessoa
Mas também sou uma boa
Pra quem souber observar

Coração bem analítico
Meio senso, crítico
Os limites de agir e pensar

Pele fria e sangue quente
Dono do desejo mais ardente
Que é o de dominar

Enfim, irei ao que interessa
O clímax de minha peça
Está para começar (mas vai passar)

Eu sou o nada, sou o tudo
E no espaço de um segundo
Posso até mudar o mundo...
Se você me deixar entrar

E quando já não for mais cedo
Com um simples toque de um dedo
Apago e crio todo o medo
Que seu coração suportar

Eu sou quem te compõe em notas
Em letras de um mapa, canções, rotas
E do caminho sou as voltas
Sou Morfeu, se alguém sonhar

Sou dono de sua vontade
Em seu espelho sou a vaidade
E se quiser tua liberdade
Eu me prendo ao teu olhar

Sou. Sou, fui e vou sendo
Dentro do peito vou vivendo
E na cabeça vou esquecendo
Qualquer conceito de amar

Calma, não faça alarde
Espere o fim de tarde
Pra que em sombras possa andar

Prometo, não te sigo
Embora siga contigo
Sempre a te vigiar

E quando olhares para trás
Os dois caminhos verás
Onde eu sigo a esperar

E ao próximo que tiver o azar
De se perder pra me achar
Bom, já saberei o que falar

sábado, 6 de novembro de 2010

Nada Real

Era só um homem, só um sentido
Olhos manchados sentimento escondido
Era só um e só mais um a sós
Mãos tremulantes e um medo na voz
Era algum alguém, alguém qualquer
Que vive o dia sem saber o que quer
Era brilho talvez ou só reflexo
Tão simples por ser complexo

Ela não era o que queria ser
Não devia, não podia, queria temer
Não era nem foi, nunca feita pra dois
Não era de pensar no que fazer depois
Tendia pro nada, esquecida ou lembrada
Rodava sempre assim, na mesma estrada
Sempre parando nos mesmos pontos
A mesmas personagem de tantos contos

Eles? Acaso, costume, destino
É assim, ou salário ou cassino
Eles eram limites, ou só limitados
Eram raríssimos sorrisos roubados
Eram a síntese do que não se controla
Coração ou cabeça, saudade que assola
Os dois que nunca seriam dominados
Mais uma vez hoje juntos, tomados

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Da Noite Passada

Mais um cigarro queimando entre meus dedos.

Existem dias que a convivência consigo mesmo é insuportável, bem, aquele era um desses dias.

O despertador tocou e ele se virou na cama, "hoje não, por favor", foi tudo o que ele conseguiu falar diante da música que saía do celular, como se o seu apelo fosse impedir que seus ouvidos escutassem. Bom, não foi o suficiente. Ele se levantou e foi tomar um banho. Nada mais lastimável do que ficar em um estado misto de sono e desespero debaixo da água que cai do chuveiro, mas a idéia de que tinha um dia inteiro pela frente não lhe saía da cabeça e devorava grosseiramente sua tranquilidade.

Nem mesmo as boas notícias do dia anterior conseguiram lhe resgatar do poço que é viver todos os dias, sem excessões, e ele seguia na calçada amaldiçoando o vinho da noite passada. Aquele vinho barato e de qualidade duvidosa, mas que era, no fundo, uma de suas paixões.

Sentou-se no meio fio, no meio que um lugar qualquer, e acendeu um cigarro. Algo tinha de lhe manter acordado e com certeza seria o fumo. Entretanto, seu estado de embriagues derivada do sono lhe proporcionou uma ilusão que consistia em se desligar do mundo. Enquanto a fumaça saía devagar de sua boca o mundo a sua volta parou. O tempo parou. E ele, bem, cochilou.

Não foi um cochilo longo, mas duradouro o suficiente para caber um sonho. Sonhou que os relógios de todo o mundo haviam parado. Isso sim era um sonho pra ele. Dentro de sua cabeça ele começou a recordar todos os momentos em que disserá que queria que o tempo parasse e uma conversa em especial lhe "prendeu a atenção". A conversa da noite anterior, quando ele recitou o velho jargão de todos os dias: "Queria que o tempo parasse pra gente" e a resposta tal qual sutíl: "Pena que se o tempo parasse pra gente o tempo do resto do mundo continuaria correndo". É, o tempo continuaria correndo.

Acordou por fim, com o que restara de seu cigarro lhe queimando os dedos. Olhou o relógio e constatou mais uma vez. O tempo continuou, e continuará sempre, correndo.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Sete

Ele estava sentado na praça, acompanhado de duas amigas que o conheciam muito pouco... mas o suficiente para serem companhias muito agradáveis. A conversa dos três passeava por assuntos que não se assemelhavam, mas que acabaram por se ligar de uma forma surpreendente.

Uma delas pediu pra que ele contasse aquela história, que ele guardava dentro de si e materializada em todos os traços de sua vida, desde as incontáveis palavras escritas até a aparência cansada e os olhos tristes. "É uma história complicada" disse, "Acho que nem eu mesmo entendo muito bem". De fato, ele ainda não conseguia compreender como tudo aconteceu e terminou tão subitamente, a única coisa que sabia era que estava errado, mas ainda assim resolveu contar. Detalhe por detalhe, ele descreveu aquela tragédia mitológica, o Eros e Psique da sua época, talvez de toda a sua existência. Tentou não deixar nada passar e ainda assim, quando acabou, percebeu que não dissera várias coisas importantes, não sabia se por opção ou se fora apenas deslizes da memória conturbada daqueles dias.

O fato é que contou. Ou melhor, exteriorizou tudo o que sentia, tudo o que sentiu, tudo o que pensou. Seus sentimentos e palavras eram tão densos que pareciam ser palpáveis no ar, pareciam estagnar no ambiente drenando aos poucos a sutil alegria do momento entre amigos."É isso, eu acho", disse meio sem saber se iria querer continuar, caso houvessem mais coisas para serem ditas, "Eu fui idiota, desperdicei um dos meus mais brandos caminhos à felicidade e matei dentro de mim, aos poucos, uma das únicas pessoas que me amou de verdade"

"Não se culpe sozinho", uma delas falou pegando-o de surpresa, "posso não saber como as coisas aconteceram em sua essência e nem ter participado de nenhum desses momentos perto de vocês, mas o pouco que te conheço mostra que você mudou, seu crescimento é visível, mas tardio, tente aceitar e dê o próximo passo: crescer por você e por ninguém mais."

Crescer por mim, por outro alguém... jamais.

sábado, 4 de setembro de 2010

Mandolin

Havia, sobre várias luzes, um casal
Como se o foco de um desses dramas
E a cena sobre um grande palco em chamas
A desabar, como tudo que é natural

Havia no casal um ele
Que não dançava conforme a dança
Não é companhia que se aconselhe
Mas que sabia criar esperança

Havia também a outra parte
Ela que só sabia dançar
Que via a vida quase como arte
E que aguardava ansiosa seu par

Um encontro e os dois ao chão
Talvez fosse só ocasião...
Nada demais, sem razão
Ou opção? Será que não?

Pra eles havia uma última valsa
Talvez um réquiem de um belo futuro
Ou um princípio bastante inseguro
Ou só uma vontade falsa

E os dias iam só passando
E os dois lados se encontrando
E passo a passo se juntando
Desconversando, se enganando
E um destino se formando
Entrelaçando e separando


Algo que nunca foi um só

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Meu Eros e Psique

Por enquanto é isso... Mas pode aumentar.

------------------------//---------------------------

Havia a muito um rapaz
Jovem, porém vivido
Falante e tal qual contido
Muito, muito tempo atrás

Havia também outra metade
Dama, rainha de suas ilusões
Chama, ardia em seus corações
Não pede lugar... Invade.

Eros e sua psique
Entre eles um mundo
Um instante, um segundo
Um abismo... Um porquê

Dizia um Eros alterado
“Queria ser como tu és
E poder enfim mover meus pés
E assim te deixar de lado”

“Queria ainda te querer
Ter um desejo sincero
Ou ter lhe um pouco como quero”
Chorava, sua Psique

Sofria Eros, amargurado
“Veja como lhe amo
Ouça o quanto lhe chamo
Sinta como tenho mudado”

“Será que isso já não basta?
Esse amor descontrolado
Um vício tão desenfreado
Essa paixão tão vasta?”

“Verá-me sofrer sem fazer nada?
Entrego-me e você se esconde
E ainda assim não me responde
Sobre essa dor tão impensada”

Psique se desespera
“Eros... Pense em mim agora
E não vá embora, como outrora
Fostes, deixando-me na primavera”

Mas Eros não pensa só nela
E sim na tristeza que sentia
E no mundo lá fora, suposta alegria
Foi embora, deixando sua bela

terça-feira, 29 de junho de 2010

A Dança dos Copos

Havia dois copos postos na mesa.
Um bem vazio, sem cheiro, sem cor
Um transbordando, vermelho licor
Repousava assim a estranha beleza

Triste, o licor, aos poucos pingava
Atormentava, e sempre silenciava
O copo a seu lado sofria sozinho
transpirava, lamentando o vazio

E o licor sumiu, derramado em tristezas
Guardando consigo algumas certezas
Sentia que esvaziando todo o sofrimento
Se embriagaria aos poucos de esquecimento

O copo vazio, deixado sempre de lado
Assistia a cena, calado, desesperado
Vendo todo o desperdício de seu desejo
Sorveu assim o licor, como num beijo

Mas não há tormenta que cesse sem estrago
E tanto licor começara enfim a ficar amargo
O copo, agora cheio, tentou se libertar
E aos poucos, tão triste, pôs-se a transbordar

O copo que agora repousava vazio
Sentia em seu canto um terrível frio
Sufocado por tanto espaço, pôs-se a beber
Cada gota que viesse a aparecer

E assim se firmou a dança dos copos
Enquanto um assistia o sofrimento do outro
O outro sofria calado em seu canto
E quando os sentimentos trocavam de corpos
O outro sofria igualmente aos poucos
E o derramava-se de novo em pranto

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Uma Vida Mais Feliz

Nasça.
Cresça? Não necessariamente, hoje não é uma obrigação social, só biológica.
Seja você, mas lembre-se que você é igual aos outros.
Cuidado, não tente ser diferente, pode ser perigoso...
Se vista igual, roupas de marcas famosas, sapatos que todo mundo tem, óculos da moda.
Veja os mesmo filmes, leia os mesmos livros, escute as mesmas músicas e goste. Não tente mudar isso.
Corte seu cabelo, regularmente. Tatuagens? Apenas se forem compreensíveis, ou melhor, se não significarem nada. Aliás, não signifique nada, afinal, quem liga pra você?
Não fume, nada. Não beba, mas diga que bebe, muito. Pratique esportes.
Sexta-feira a tarde vá ao cinema com os seus amigos, que são muito diferentes de você, e por isso são seus amigos. Na verdade eles são iguais, mas isso não vem ao caso.
Estude, ou pelo menos finja. Passe no vestibular, mas em cursos desinteressantes que são especialistas em formas pessoas frustradas, não bons profissionais.
Agrade seus pais e assim ganhe seu dinheiro. Finja que se esforçou pra isso.
Seja bom e bonito. Escove seus dentes, com o creme dental da propaganda, afinal você também quer beijar todas aquelas menininhas lindas do comercial.
Seja bom, de novo. Ser bom nunca é pouco, lembre-se disso. Ajude os outros, mas só por você e não por eles. Afinal, você não está ajudando mesmo, no máximo se livrando daquelas roupas velhas do guarda roupa, e olhe só, ainda ganha uma carga altíssima de satisfação pessoal. Fez sua boa ação do dia.
Forme-se, naquele curso que você "sempre quis" e coincidentemente seus pais também. Ah, e também era o curso daquele cara da novela que ganhava muito dinheiro, tinha carros importados, namorava a modelo e na verdade, não trabalhava. Descubra que a vida não é simples assim.
Você já se formou? Ótimo, agora volte a estudar e se forme mais algumas vezes, porque você quer ser o melhor...
Na verdade você não sabe de nada, mas recebe seu salário mediocremente alto no final do mês e pode continuar comprando as mesmas roupas... e os mesmo sapatos.
Perceba que todos os seus amigos são iguais a você. Mas agora você já está velho demais pra mudar, e no mais eles são os SEUS AMIGOS, que sempre te acompanham em tudo. E tudo é igual. E eles sempre estão lá, pra fazer ser mais igual ainda.
Encontre a mulher da sua vida, mas descubra que ela não é nada pra você. Descubra também que é muito fácil se acomodar com um relacionamento onde vocês só se vêem nas noites de sexta e nos finais de semana. Muito fácil.
Case-se. Tenha filhos. Reze pra que eles sejam iguais a você. Mas pensando bem, eles não devem cometer os seus erros, eles tem que ser melhores que você. Se frustre. Descubra que não sabes nada sobre eles, da mesma forma que seus pais não sabiam nada sobre você. Mas eles usam as mesmas roupas, os mesmos sapatos. Vêem os mesmos filmes, lêem os mesmos livros, escutam as mesmas músicas. Coincidentemente, eles fazem aquele curso dos seus sonhos, que você não fez, só pra te agradar.
Finja que é feliz, mas só pra não gerar comentários maldosos a seu respeito lá na firma.
Aposente-se, tenha uma velhice de esquecimento, você esquece e eles te esquecem.
Morra, só.
E é só.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Jogos e Máscaras

"Dê uma máscara ao homem e ele dirá a verdade."
Oscar Wilde

Ele tirou as máscaras. Havia se cansado do peso que carregava acima do pescoço e do que repousava em seus ombros. Agora era partir para o novo e quem sabe parar de interferir tanto na vida dos outros. Nunca... Quem sabe pudesse começar uma nova relação sem haver o peso das mentiras? Pouco provável. As pessoas não lhe encantavam o suficiente, ele só extraía o que lhe interessava para jogar fora depois. Era tudo um jogo.

Depois de muito tempo os jogos cansam! Ninguém gosta de ganhar sempre, e ele se colocou em uma posição onde não havia chance de derrota. Ele vencia todos os adversários, mas sempre perdia a batalha que realmente importava, a batalha contra ele mesmo. Ele sempre perdia, no final das contas. Mas a paixão, ou talvez obsessão, só aumentava. Ele se importava com pouca gente, esses poucos conheciam o seu eu autentico, ou quem sabe uma parte desse eu.

Mas agora ele mudaria, não haveria espaço para as mentiras em seu cotidiano. Não haveria falsas promessas, nem jogos por diversão e manipulações em geral. Não iria mais mentir...
Pobre diabo.
Depois de tantos anos de uma mentira só, já quer começar a contar outra?

terça-feira, 11 de maio de 2010

Frio

Alegre-se!


As coisas que parecem ser eternas não costumam durar dias...
E o que foi feito pra acabar em dias atravessam os anos.
As mais belas palavras, com o tempo, ficam tão vazias...
E várias e várias conversas vazias costumam mudar nossos planos.

------

É engraçado como o dia fica mais frio quando se está sozinho.
Ele via tantas pessoas sofrerem do mesmo mal, tantos que se congelavam debaixo de um céu tão claro e de um dia tão quente.
Ela não.
Ela ficava no alto das montanhas, viajava com as nuvens. Ela era o calor.
Não era necessariamente o sol, mas ela brincava com o astro, se vestia em luzes.

------

O dia amanheceu especialmente cinza, especialmente claro.
Não havia ela no alto das montanhas e o sol não quis sair
As pessoas daquela cidade experimentariam uma solidão nova
Um vazio raro...
Uma nova sensação da qual não poderiam mais fugir...

------

Eles já não sentiam mais frio. Já não sentiam mais nada, a pele não permitia mais a sensibilidade. Mas não parecia tão ruim assim. Eles se livraram de um grande incomodo, o frio cortante de antes havia passado, o frio que não era absoluto, mas congelava e torturava um pouco mais a cada dia. Hoje não, eles agora estavam completamente congelados e suas peles já não permitiam a sensibilidade, o toque, o tato. Era bom. Eles não sentiam mais nada, mas ao menos não sentiam a dor e o frio da velha solidão.

------

Mas no outro dia ela reapareceu e lhes deu, do sol, a luz
E a solidão voltou a torturar a pele ainda pouco sensível


Ele era um dos poucos que não sentia mais nada...
Sofria muito mais do que os outros, nas mãos da solidão.
Preferia não sentir nada à sentir tudo que lhe aflingia.
E nem mesmo o sol que ele tanto amava...
Ou a mulher que o carregava na mão
Esquentava a sua pele, hoje tão fria.

Mas era bem melhor assim.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Espera(nça)

Era tão engraçado como tudo acontecia.

Ele, sempre sorridente, chegava sabendo que iria encontrá-la. Como isso alegrava seu dia, saber que poderia perder algumas horas admirando qualquer singelo movimento realizado por ela. Qualquer sorriso ou olhar, qualquer frase que esboçasse algum sentimentalismo, qualquer inconsciente manifestação de importância. Como ele esperava por isso. Como ele esperava por ela. Como ele esperava.

Um dia ele chegou, sabendo que seria um dia importante, mas esperando que as mudanças que aconteceriam tornassem o bom em maravilhoso. Por isso ele espera até hoje. Num simples piscar de olhos ela passou e foi embora. Mas não foi uma despedida qualquer. Segundo ela, agora era “definitivo”, mas que um dia quem sabe poderia voltar. Engraçado.

Talvez um dia ela volte pra ele. Mas e agora? De que valeria esperar de braços abertos por alguém tão incerto? De que valeria esperar? De que valeria afinal? Qualquer coisa ou alguma coisa qualquer. Qualquer que fosse essa coisa, não valeria apena.

E ele agora espera que alguém o procure como ele já procurou alguém.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Equilibristas

"A paixão aumenta em função dos obstáculos que se lhe opõe."
Shakespeare

Existe uma porta que eles sempre quiseram reabrir, com certa falta de jeito - Aquela daqueles que acreditam que um raio pode cair duas vezes no mesmo lugar e que os homens podem errar duas vezes o mesmo passo.

Ele já tinha estrada, ela apenas pés dispostos, mas despreparados.
A tal porta, como que por crueldade rangia para os dois lados, mas sempre parava no mesmo lugar, alinhada ao seu eixo. Perfeitamente fechada.
Só para aumentar o desespero dos dois e a impaciencia dele

Ele não negava já ter dado as costas a porta, mas não sempre, também havia se atirado a porta tentando arromba-la. Falta de paciência. Ela tentava da mesma forma, mas não sempre, algumas vezes havia se distraido por alguma janela ou outra voz dentro do cômodo.
Quando o sangue dos dois acabou a porta se abriu.

Agora os dois estavam no chão, mas não estavam mortos, e a porta aberta.
Chegaram no ponto que queriam e lá estava ele de pé, mas ele não podia invadir o quarto dela, a vida dela.
O caminho estava livre, mas eles só podiam se encontrar na porta, um não podia ultrapassar o limite do outro, nem o seu próprio.

Mas agora ela não tinha forças para continuar e ele só podia olhar.
Ele não podia se atrever a ajuda-la, não podia quebrar as regras da casa.
E agora ele estava lá, de peito aberto, sangrando descontroladamente e ela já não tinha o que sangrar.

Em seu instante de maior desespero ele entendeu que mesmo que as portas se abram de nada valhe se os dois não se postarem nos seus limites para se encontrar. A porta só se abriria no momento em que os dois tentassem juntos ou falhassem juntos, mas essa sincronia jamais existira.

Faltou a harmonia que faria com que os dois se fantasiassem de equilibristas e andassem pela tênue linha que os dividia, um de encontro ao outro. Faltou a vontade mútua e verdadeira, pois só haviam momentos de cada um, nada dos dois.

"As palavras são como os patifes desde o momento em que as promessas os desonraram. Elas tornaram-se de tal maneira impostoras que me repugna servir-me delas para provar que tenho razão."
Shakespeare

terça-feira, 23 de março de 2010

Erros

O certo e o errado sempre confundiram e se embolaram em um só. Merlin, o mago, estava a refletir sobre suas escolhas, se eram certas ou erradas.

"O que é certo?" Pensou Merlin, "o certo é o melhor para todos ou o melhor para mim?. Devo eu deixar de lado o que quero pensando no que é certo? Devo excluir de minha vida o que é errado?"

Afinal, quem decide o que é certo ou errado? E o que é certo para um é sempre o certo para todos? Será que existe de fato algo errado?

"As pessoas pensam sempre no que é melhor ou pior para elas, mas se confundem ao pensar que o pior é errado. O pior é certo também, nos ensina muito mais sobre atitudes do que o melhor."

"As pessoas erram muito nas escolhas de certo ou errado, de bem ou mal. Erram na escolha de exemplos. Pensam que alguém que viveu um pouco mais ou é mais lider que os outros nunca erra. Nós, magos, somos um ótimo exemplo disso."

A verdade é que nós, magistas, também erramos. Por sermos livres demais não aceitamos conselhos. Ninguém nos fala o que é certo ou errado, cabe a nós o destino incerto de tentar. Ninguém intercede por nós. Ninguém nos mostra como agir.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Não

"...Não."
O mundo inteiro voltou dois anos no tempo até o momento exato que deu início àquela tragédia. Desde um sim não expresso em palavras, em um canto qualquer de algum lugar que não lhes era importante, não naquela hora. E ele encostado naquela parede lembrava de tudo o que tinha feito e do tanto que tinha mudado pra conseguir construir aquele momento. Lembrou das dúvidas e das indiretas. As primeiras palavras românticas ditas com sinceridade na hora certa, isso era novo pros dois.

O tempo então foi passando e degastando o que eles haviam construido. Ele nunca foi paciente, nunca aguentou os problemas de relacionamentos. Ele tinha seu modo próprio de resolver os problemas, um singelo "acabou". Ela batalhava pra estar ao seu lado até o fim, sempre. Ele não gostava do sempre, mas adorava usar o nunca. Ela não sabia lidar com nenhum dos dois.

Ele acabou com tudo. "É melhor assim" mentiu aos amigos. Sabia do que sentia, mas sempre preferira a emoção e o risco da vingança a monotonia do amor. E o fez. Escreveu a maior peça de teatro já encenada na humanidade. Foi até o fim, mas era estranho pra ela. Ele dizia a verdade, da forma dele, mas dizia. E ela o escutou, como sempre, confiou nele. Mas o teatro terminou em tragédia, como boa parte de sua vida e de seus (des)casos.

Desse ponto até o não foi só um ciclo repetitivo. Ele não podia esperar por ninguém, seu egoísmo sempre falou mais alto. Seu egoísmo escreveu aquele "Não"

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Sem Cor

"Era uma vez um jovem..."
Ele escreveu, como já havia escrito milhões de vezes a mesma frase no papel. A Cera de mil velas caiam sobre suas palavras, nem se lembrava a quanto tempo estava alí, sentado naquela posição tentando escrever.

Ele não tentava meramente, sempre conseguia. Era sempre elogiado pelos seus versos, mas ele mesmo nunca gostava. Pois faltava o amor em cada palavra. Faltava aquela dose descontrolada de sentimento.

Mas ele escrevia. Escrevia por hobbie, gostava das rimas e das histórias de sua vida contadas em um aspecto poético. Nem sempre precisava de inspiração, só de algo pra falar. Costumava dizer, dê-me um tema que eu lhe devolvo um soneto, e sempre fora assim.

Até que em um belo dia cinza ele notou a falta de cor. Não havia cor nas suas palavras. Ele mesmo nunca gostara das cores, sempre fora um adepto do branco, preto e do cinza. Praticidade era seu segundo nome. Mas a falta de cores lhe tocou. Como um poesia pode ser cabível em preto e branco? Ficam aquelas rimas de sempre... amor sempre rimando com dor e magia com alegria. Mas faltava a cor, o sentimento, a inspiração...

Mas isso não era pra ele, ele só queria industrializar a sua arte pra banalizar o seu sofrimento.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Caiu...

Caiu...

Caiu enfim na angústia de se trancar e esperar por qualquer resposta de qualquer lado
Caiu na tentação de pegar o telefone e digitar qualquer número para ver se alguém o atendia
Caiu na realidade, sem paraquedas, o tombo foi tão grande que nem ao menos conseguiu se manter acordado, e viver parte da vida tomado pelo sonho de que tudo corria bem, se é que algo correu...
Mas acabou por cair da cama também, e acordou, já no fim.
Mas que fim? Ele mal havia começado a viver e já tinha milhões de problemas pra resolver!
Pensou em sair, mas não sabia onde estava e muito menos pra onde ir. Se trancou então na sua fortaleza que há muito parecia mais o inferno do que o céu, mas ele queria imaginar e criar sua própria realidade.

Caiu ao chão para chorar, o corpo alí parado, soluçando... esse era o primeiro sentimento real de sua vida, a dor, a angústia, o arrependimento de não ter se dado conta de que tudo era um sonho...
Tudo em sua vida havia sido tão fácil, ele nunca imaginara que teria de lutar pra conseguir algum espaço pra respirar.

Mal sabia que o infinito dos sentimentos o esperava. Sempre havia pensado que o infinito não era pra ele, porque era pra sempre e ele não (nem nada que partisse dele)

Mal sabia que a eternidade dos 18 anos que vivera não eram nada...tudo era mentira inclusive as suas mentiras eram mentiras... e as palavras que julgara mentiras, bem, elas não passavam de mentiras também. Seu mundo era mentira, mas ele não, ele era verdade.

Aquele mundo não lhe pertencia

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O Antiquário de Sentimentos

E lá estava a velha gaveta, trancada a chave alguma, sempre escancarada pra quem quisesse examina-la. Sepultados alí haviam lembranças antigas, sentimentos antiquados, medos daquela bela época que ele esquecia o nome, algo parecido com infância. Mas restava ainda um receio maior, quais seriam os fantasmas do passado que surgiriam se aquela gaveta se abrisse? Não, ele não haveria de faze-lo. Sempre se sentira bem com as preocupações do presente, não gastava seu tempo com lembranças; Se acostumara com as novas razões da moda, sentimentos eram para os poetas e para filosofias vãs, ele não era disso; Sabia agora se esconder das aflições, dos sustos do dia-a-dia.

Não lhe restava tempo pra gavetas empoeiradas...velhos documentos de tempos e vidas longinquas. Vivia o hoje e desprava o ontem, mantinha a cabeça no amanhã. Não vivia nenhum dos três e todos sabiam dessa amarga verdade, inclusive ele, mas não se vive só de conforto e ele devia ir a luta. Viver? Ele mantinha sua cabeça no trabalho. Finais de semana, claro, a solução, pois ele tinha sábados e domingos pra organizar as papeladas de segunda.

Acordou um dia no meio da madrugada, péssimos sonhos, levantou-se e abriu o notebook, olhou as horas, ainda restava tempo antes do trabalho. Parou. Tempo antes do trabalho? Sua cabeça girou. O que era isso? O que ele iria fazer nas muitas horas que se alongavam antes da hora de sair de casa?

Olhou para a escrivaninha no canto do quarto, a terceira gaveta de cima pra baixo, sussurrou seu nome. Foi até lá, fez força para abrir a gaveta que há muito não era aberta. Olhou aqueles lixos amontoados. Amores que ele julgara eternos, ideais que ele jurara carregar por toda a vida e é claro, aquele velho desejo juvenil de ser alguém bom, importante. Ahhh, como ele havia amado aqueles anos horrorosos de sua adolescência, como queria vive-los novamente.

Horas se passaram e um despertador tocou. Sua cabeça voltou ao normal e ele se flagrou venerando um homem que morrera aos 18 anos, ele mesmo, e chorou. Mas sabia o que fazer e era o que devia ter feito a muito tempo. Leu o nome daquele velho amor dos seus 15 anos, procurou em sua agenda um telefone, algo que os ligasse novamente. Conseguiu um e-mail. Voltou ao notebook, escreveu tudo o que sempre quis ter dito àquela mulher que ele não conhecera, talvez tivesse conhecido a menina que se tornaria o que é hoje. Enviou o e-mail. Voltou ao canto do quarto e pegou aquela gaveta inteira, todos os documentos das vidas passadas, as provas da existência de um traidor que ainda estava acorrentado naquele corpo batido. Sabia o que fazer. Queimou todos os vestigios.

Foi embora, para esquecer o passado e criar um novo futuro, o futuro de alguém que não era só ele,
Eramos nós.