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domingo, 17 de abril de 2016

Regressão

Num dia desses, há quase 24 anos atrás, eu tive uma conversa séria com duas pessoas. Eu mal as conhecia, mas sabia exatamente o que falar, porque naquela época eles precisavam me ouvir. Naquele dia eu sugeri uma hipótese, sugeri como seriam os próximos 24 anos.

No começo seria fácil, porque o que é novo ainda tem muito pra se estragar. Eles dariam alguns passos pra frente, mas sem notar precisamente aonda estavam pisando, e construiriam um frágil vínculo. No começo eles se enganariam, porque essa é época em que tudo é sedutor. No começo os acertos viriam, por acaso, mas algo se perderia, algo que passaria despercebido, algo que só viria à tona anos depois.

Os anos seguintes seriam mais baseados em crenças do que em fatos, as perspectivas e planos dariam lugar à necessidade cotidiana. Ainda haveria crença no amor e disso surgiria o primeiro filho. Como se o mundo se criasse de novo eles também se recriariam, amariam essa novidade em detrimento do que havia entre os dois.

De pouco em pouco a crença no amor se tornaria em amor à crença. A promessa do futuro já não seria mais tão sedutora e o filho seria a única coisa que eles teriam em comum. Só então eles conheceriam as facetas que não haviam notado um no outro, percebendo por fim que o súbito amor verdadeiro não passava de uma necessidade de tentar. Os anos passariam rapidamente, mas o erro permaneceria.

Um dia eles se olhariam desejando ser outras pessoas e enxergariam no outro a projeção do quanto haviam se degradado como pessoas. Nesse dia eles decidiriam que não havia mais formas de acreditar naqueles planos iniciais e que o que eles haviam construído deveria pertencer a outras pessoas. O filho se tornaria então o elo que sustentaria a convivência, mas ele jamais cumpriria esse papel.

Na briga final, um culparia o outro por todos os erros e nenhum enxergaria que um dos erros era o filho, evidenciando que os dois queriam manter o que havia de comum entre eles, mesmo sabendo que um dos lados dessa união seria detestável. A briga acabaria com eles. A briga acabaria com tudo, mas aquela pessoa que eles botaram no mundo prosseguiria, carregando o desrespeito que enxergou, sabendo que fora usado apenas como arma nessa guerra.

Anos depois a história já não seria sobre eles e sim sobre o que eles criaram, destruíram e deixaram de resto para que o filho carregasse. Essa pessoa escolheria nunca procurar os dois quando se sentisse inseguro, porque saberia que só aumentaria sua insegurança. Essa pessoas escolheria nunca se aproximar de verdade de nenhum dos dois. Essa pessoa escolheria nunca acolher nenhum dos dois. Até o dia que ele escolhesse que nenhum dos dois seria parte de sua vida.

Nesse momento os erros do passado voltariam e a dor que foi ignorada no calor do momento passado arderia como nunca. Eles se perguntariam o que tinha que ter sido diferente. Eles tentariam de tudo para desfazer o estrago, mas nada se mostraria eficiente.

Chegaria então a notícia de que a única coisa que havia em comum entre eles havia se matado, porque carregar o ódio de um pelo outro o fez odiar e por não ter alento no carinho que ele escolhera não receber, o único caminho que encontrou foi se perder. Não haveria meios para se encontrar.

Ao final da conversa, olhei bem no fundo dos olhos que ainda estavam atentos às possibilidades e ainda se desejavam a despeito do que eu havia contado. Apenas perguntei: é isso que vocês querem, sabendo de tudo que ele nunca vai querer?

Eles se separaram
E essa conversa nunca existiu

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Ensaio Sobre a Felicidade

Acordei outro dia sem perspectiva de colaboração, quero apenas que o universo me conceda uma saída rápida nessa linha reta da funcionabilidade. Levantei-me, porque deitado eu penso muito, preparei-me e então deitei de novo, agora sim era a hora de pensar. Arquitetei minha armadilha: me prendo nisso e vou buscando as chaves que sempre estiveram no meu bolso, porque o desafio é se convencer de sair do conforto e da segurança dessa melancolia. Como os velhos que já não fazem parte da vida, apenas se enquadram naquele momento que pode durar um dia ou 15 anos, aquele momento que tudo termina. Feito isso, me sentei diante da estante do desinteressante, agora vou contar a história sublime do que apropriei das histórias medíocres.


Aqui de dentro a vida parece mais tranquila. Não assumo compromissos, não me presto à reforma ou revolução, não me apego ao desenrolar do que é natural. Naturalidade para mim é enxergar de fora, porque eu vivo em um futuro calculado nesses horários tortos que me cabem. Por volta das 20 eu já sei o que fizeram, mas meu dia começou, minhas possibilidades são maiores porque as informações são frescas e eu acabo de concentrar minhas energias. Agora é só buscar a chave e sair do refúgio do escafandro. Vejo que ficou tarde, já não há o que fazer depois das 22h.


Como dá pra ser feliz com essa modalidade restrita de vida? Eu fui privado das vivências e enxergo com desconforto os passos dados que eu nunca poderia dar. Mas a escolha é minha, por que é que eu não a tomo?

Pause aqui pra entender o que você não entende. Já parou pra pensar que o que te fazem consumir consome você? Em um milhão de livros eu li mil finais felizes. A literatura morre assim que a última página vem, assim como aquela sensação de fazer parte do irreal. Vamos fazer o seguinte, escreve seu livro com atitudes.


Antes do final do dia, acordo em bares e percebo que há entusiasmo, há um papo sobre qualquer que seja a novidade da semana, talvez da semana passada, eu me confundo nessas linhas cronológicas. Eu tenho um copo, eu tenho um maço, eu tenho voz e os outros tem ouvidos, agora sim posso contar a minha história mais sublime.


O que é a felicidade pros senhores? Devo perguntar isso em voz alta ou esperar as respostas das entrelinhas? Vou abrir a porta, porque tudo isso só funciona se o acesso é liberado. Felicidade é subjetivo, mas não deveria ser. Felicidade é convencionado. Culturalmente, por centenas de anos, a gente vem aceitando que uma única função cumprida é o suficiente pra dormir bem nas várias noites. Comprar seu carro, pagar suas contas, chegar no fim do mês com o sorriso do alívio, por que você confunde isso com felicidade? Trabalhar duro por tantos anos, construir a sua família com essa mesma ideologia. Diversas gerações de homens mecânicos, cumprindo o preestabelecido acordo que você assinou quando assinou seus documentos. Você é só um número, rapaz, e já que gosta de número, vamos conversar sobre a sua conta bancária. Ela compra o que mesmo? Ah é, compra seu carro, paga suas contas e quando chega o fim do mês você é feliz ou aliviado?


A gente tem perdido momentos únicos de 9 às 18, pra ter apenas momentos corriqueiros. Ficar feliz com o novo computador, achar o máximo essa impressora que é scanner, o ar condicionado, o novo software que vai facilitar a sua vida. Faz o seguinte, pega esse conhecimento prático, cria o software que vai mudar sua vida. Das 18 às 22 o que é que você realmente é? Já não é funcionário do expediente, mas será que o expediente saiu? Não, querido, você agora é funcionário de um expediente mais complexo, eu chamo ele de existência, mas você que trabalha tanto, pode só chamar de tédio, a gente vai compreender.


Enquanto isso, eu acordo as quatro, infeliz e livre, talvez a leitura correta seja incompleto e só, mas quem vai me dar essa resposta. Os dias bons vão me dizer que a felicidade está exatamente no copo, no maço, na voz e nos ouvidos, os dias ruins vão me dizer que a felicidade está nos travesseiros, os outros dias dizem nada, mas por que? A gente não precisa se desesperar na busca do futuro, não, a gente precisa se centrar no futuro do passado. Sem clichês, por favor. Claro que é clichê, mas as melhores frases não são? Me diz os seus objetivos e lemas, você acha que tudo isso é só seu?


Tudo isso é corriqueiro, sabe? Se você trabalhasse menos e se afastasse do que a sociedade te oferece, escolheria o meio fio em frente à praça à qualquer televisão de plasma de um milhão de polegadas, até porque em nenhum canal eles vão transmitir o meio fio, mas em todos eles a televisão de plasma estará bem visível. Tudo isso é o que a gente não aceita, porque a sociedade não aceita, o outro, aquele outro bem próximo de ti, vai pedir sua companhia no boteco e eu ainda não conheci nenhum meio fio que pagasse um salário. A gente tem que arcar com as contas, porque se não elas vão arcar com a gente, companheiro.


Então o que é felicidade? Nada
Felicidade é saber que nada disso faz sentido, porque não precisa fazer. Vamos transferir o significado das coisas pras gavetas e buscar o significante, tem que ter algum motivo pra isso funcionar tão bem, não é? Isso não é um texto político, não quero incitar revoltas e nem apontar o sistema como o nêmesis da vida plena, não. Só quero entender porque é que a gente se prende ao alívio como felicidade recorrente.

São só momentos, no final das contas, a vida tá cheia deles. É possível ser feliz em alguns, mas só se de cada um deles, você conseguir elaborar um verso.

domingo, 10 de abril de 2016

Teoria

Eu tenho uma teoria
A gente vem buscando as respostas pras perguntas erradas
Vem se encontrando em tanta estrada que já nem sabe onde ir
E as conversas pelos bares e os amigos e as risadas?
Quanta diferença damos ao que nos pode diferir?

Se busco apenas minha glória, quanto eu deixo passar?
E se buscar felicidade, quando compreendo o acerto?
Quanta alegria vai embora, o que iremos vivenciar
Enquanto nos degradamos na procura de um conceito?

Eu vivi por muitos anos aceitando o sofrimento
Achando que o melhor de mim era o melhor que eu conseguia
Hoje sei que o meu melhor é o que me traz melhora
Perdi muito de mim apenas por não estar atento
Fui formulando minhas propostas, deixei tudo em teoria
Enfim eu me entendi, felicidade eu quero agora