quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Predador e Presa

No começo fez-se o laço de armadilha simples
Pra quando teus olhos cruzassem os meus.
E assim, tu presa de arcanjo torto,
Vistes dois desastres se anunciarem:
O desgosto e o delírio.

No segundo dia foi o poço, a queda livre,
E nós, enfeitiçados pelo sol a pino,
Já não percebíamos mais a ironia detrás,
E aceitamos o encontro
Como se fosse a única saída.

Em seguida veio a trama de nossos jovens fios,
O emaranhamento de todas as essências,
E logo já não era possível dizer
Onde tu começavas
E onde terminava o eu.

Naturalmente, no clímax dessa história,
Há de caber um certo drama.
O outono acabaria em um inverno seco,
E mesmo em meio a tanto frio
Tu vistes que comigo poderia se queimar.

Depois, em tons de uma falsa sinceridade,
Entramos em uma guerra sem vencedores,
Um refinamento agressivo de nossas vontades:
Tu defendias a emancipação de tua vida
E eu jamais lhe entregaria a chave.

E passaram-se os anos, como costuma ser,
Passou o inverno, a tempestade, a fúria,
E no campo de batalha floresceu 
A certeza de que sem ti
Nada em mim teria acontecido.

É por isso que venho rogar pragas,
Pra que tu entendas que sinto asco
Não de ti, mas de mim mesmo,
Por ser eu quem devo ser culpado
E tu quem deve ser exaltada.

Então faça, faça agora tua denúncia,
Vai lá gritar ao vento do vilão que sou,
Quem mais poderia te ouvir
Senão eu, teu predador,
Resoluto em não te abandonar, minha presa.

terça-feira, 19 de agosto de 2025

Resgate

O resgate não veio
E tu, ao relento desfez-se,
Sem contentamento vê-se
E choras ao vento que passa
Por horas e horas a fio.

Grossas camadas sobre a pele,
As frustrações te endurecem,
As tentações te apetecem, 
E as obsessões todas somadas 
Velam por tua desesperança.

Não resta-lhe muito,
Tens teus meios e limites,
Tens receios e palpites,
E os devaneios pobres
Que nutres em hipóteses vãs.

Quisera erguer-se belo
Em um pedestal edificado,
Ser tu cristal bem lapidado,
E transitar livre entre os planos
Que ainda não projetara. 

O silêncio coroa a distância
Entre tua pessoa e a realidade
E a vida ressoa em maldade
Quando tudo que ouves
Diz nada de ti.

Mas o resgate nunca veio
E tu percebe-se só no boulevard,
Entre seu dó e a força pra mudar,
Em um paletó que não lhe cabe,
Afinal, tua dor expande-se além de ti.

E, já bem tarde, vês que o tempo passa
E tudo tem passado em tua frente,
Tudo tem passado e tem presente,
Mas és tu quem mostrará ao mundo
A novidade que ainda serás.

O futuro reserva a glória e o esquecimento,
Venenos letais que dispõe-se em doses idênticas,
Aguardando apenas teu movimento
De excesso ou ausência,
No mais arriscado dos jogos:

A vida





quinta-feira, 17 de julho de 2025

Vida Vã

Venho corrigir um erro antigo
E impor limites à tua descompostura.
Chega a noite e tu rende-se ao perigo
À selvagem e inconstante forma pura.

Tu crês que sempre podes mais,
Mesmo que tudo em ti lhe peça menos.
Sei que amas todos os venenos
E já nem pensas que os danos são reais.

Mas afirmo, tudo em ti decai,
Enquanto, louco, tu festejas outro dia
E morre um pouco ao levantar-se de manhã.
Essas feridas mostram o corpo que lhe trai
E só lamentos hoje soam de quem ria.
Até quando vais viver a vida vã?

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Reconstrução Romântica

Chega dessa história
De dar escolha ao coração
Depois sofrer sem opção
De incompetência inglória.

Tu és músculo, daqui em diante
Que, de obediente serventia,
Nunca questiona minha guia
E cega-se ao que é importante.

O corpo estúpido e carente
Deseja o pulso e luta debilmente
Por qualquer traço de ilusão brilhante
Mas eu, agora pérfido tirano,
Já não recaio mais no velho engano
E todo sentimento é só um instante.

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Calmamente

                                                                                              Tuas iniciais aqui.


Um dia tu deixastes claro que 
Em minha vida não dava mais.
Teus apontamentos, de profunda coerência,
Desfizeram a mística que julgava haver
Em mim, certamente em mim,
Mas sobretudo neste caso
Criado e repetido entre nós.

Devastada, busquei entre ciências
E ilusões uma resposta capaz de
Suscitar em mim uma outra vida.
A mim não era claro que tudo se 
Muda,
Mesmo que tu, calmamente,
Houvesse mudado tudo em mim.